O Temperamento Melancólico
A característica do melancólico consiste na união de
capacidade receptiva escassa a capacidade forte de reação. Aparentemente,
também a reação psíquica parece fraca; na realidade, porém, fica encerrada no
fundo da alma, mesmo quando esta é agitada por emoções fortes. O melancólico é
tão impressionável que não consegue livrar-se da lembrança de certas
impressões. Bastaria isto para demonstrar que o melancólico é o temperamento
mais complicado, ou menos desenvolvido, e mais dificilmente penetrável.
O melancólico tem como característica o físico magro, às
vezes fraco. O sistema nervoso é irritável e hipersensível. O olhar é
tranqüilo, sério e reservado, o passo lento e medido. Demonstra certo
desinteresse pelos acontecimentos externos. Parece ocupado sempre com o próprio
íntimo. Seus aspectos revelam-se freqüentemente angústia e sofrimento.
Não é fácil reproduzir a fisionomia espiritual do
melancólico. É sujeito a incoerências, muitas vezes irregular na maneira de
agir e enigmático também para si mesmo. O que estamos para dizer não se aplica,
dessa forma, a todos os melancólicos. É justamente o temperamento que apresenta
muitos matizes. Todavia podemos constatar diferença notável entre os indivíduos
que se deixam transportar pelo temperamento e os que procuram freá-lo e
dominá-lo.
O melancólico tem alma extraordinariamente rica e, muita
vez, extremamente terna. Influências externas podem agitá-lo com a maior
intensidade. Mesmo se reagir lentamente à influência e ao estímulo dessas
impressões, o efeito às vezes é muito duradouro. Até depois de varias semanas,
quando já está tudo mais do que esquecido pelos outros, ainda se atormenta por
causa de alguma palavra dura, alguma ofensa; e o inquieta ainda mais do que no
momento mesmo em que se deu. O melancólico é de poucas palavras, sempre ocupado
consigo mesmo, com disposição forte para a reflexão, Procura afastar-se dos
homens e da agitação do mundo para construir para si um mundo na própria alma,
no silêncio da solidão. Por isso acontece muitas vezes que, em meio às
conversas mais interessantes e alegres, esteja espiritualmente ausente. Seria
erro qualificar-lhe a atitude como falta de interesse ou indiferença,
julgando-o amante das comodidades e da inércia. Está sempre ativo, sempre
ocupado. Mas vive quase sempre num mundo duplo e mais freqüentemente no mundo
dos próprios pensamentos, e não no que o circunda. Demonstra pouca compreensão
pela alegria rumorosa dos filhos deste mundo; antes, tende à melancolia e à tristeza,
às vezes até ao pessimismo e ao sentimentalismo doentio. No entanto, muitas
vezes sente-se só e abandonado, incompreendido e não amado. Crê que os homens
não querem saber dele e ninguém no mundo lhe quer sinceramente bem. Parece-lhe
que só as próprias costas suportam o peso do mundo inteiro. Ainda mais, de vez
em quando invade-o nostalgia instintiva e indefinível. Às vezes gostaria de
entregar-se, seguir completamente os próprios sentimentos; não desejaria mais
viver e sim morrer. Deveria encontrar energia suficiente para superar certas
situações sorrindo, como fazem os outros, em vez de fazer o coração sangrar e
considerar tudo muito mais difícil de que realmente o é. O melancólico
mostra-se muito preocupado com as suas ações e extremamente consciencioso.
Cumpre as tarefas com precisão escrupulosa. Se lhe dão tempo suficiente, o
trabalho é exato, calmo e inteiramente de confiança. A precisão pode, às vezes,
aumentar até ao pedantismo, que considera essencial o secundário e deixa de
lado o que é muito mais importante. Como a alma tem de sofrer e superar tantos
empecilhos e dificuldades, demonstra grande compreensão pela dor, misérias e
dificuldades alheias. Possui a faculdade de colocar-se no lugar dos outros.
Fica felicíssimo se pode ajudar, prestar um serviço, porque se lhe apresenta
assim a ocasião de justificar um pouco o direito à própria existência. Sofre de
muitos complexos de inferioridade. Não pode conceber que os outros se alegrem
com a sua presença, apreciem-lhe os trabalhos e tenham necessidade dele. Julga
que em toda parte esteja perturbando, considera-se inútil e sem habilidades. No
entanto, possui muitas capacidades. Tem sentimento profundo de ordem,
sensibilidade aguda para a beleza. O temperamento melancólico nos deu a maioria
dos poetas, compositores e artistas.
Agitado muitas vezes no íntimo por estados de ânimo, por
humores e sentimentos que contrastam entre si, o melancólico é reservado diante
do mundo exterior. Nas suas relações com o próximo descobre sempre a própria
inabilidade, a impotência tímida, o desânimo. É certo que, repetidas vezes,
observou como zombaram dele, como se divertiram com seu comportamento. Perde
assim a última possibilidade de confiança. Torna-se desconfiado e insocial,
corre até o risco de entregar-se completamente à melancolia; gostaria de
desabafar, mas não encontra palavras capazes. Pesa os prós e os contras,
considera tudo sob todos os pontos de vista imagináveis e como conclusão perde
a boa ocasião.
Por isso não chega a decisão firme e clara, nem mesmo com
relação à própria vida moral, Adia constantemente as decisões vitais,
importantes, radicais - sempre amanhã, nunca hoje - e, por fim paralisa as
energia s de modo tal que não chega jamais à ação. Justamente pela precisão
conscienciosa, reflete os prós e os contras, de modo que se torna difícil a
decisão por determinado caminho. Mais difícil ainda se apresenta a situação
quando outros se intrometem em seus negócios e procuram persuadi-lo. Cede muito
facilmente e abandona projetos amadurecidos após meditações de semanas
inteiras, porque numa conversa com alguém surgiram novos pontos de vista. O
insucesso o desanima e amedronta. Se encontra resistência e prevê insucesso,
gostaria de renunciar completamente à obra iniciada. No entanto ele, que não
confia em si, que julga todos os outros mais capazes e mais hábeis, é
justamente o que produz trabalho sério quando se põe simplesmente diante dele
uma tarefa, pedindo-lhe que a execute; mas não se deve dar-lhe muito tempo para
hesitações e ponderações, reflexões e so fismas. Não se deve exigir dele o
empenho impetuoso do colérico. É lento no trabalho, porque é meticuloso em todo
o comportamento. Mas se lhe concedermos tempo e calma suficientes, demonstra
ser trabalhador preciso e consciencioso, que se dedica à própria obra com
grande tenacidade, perseverança e paciência. Também no melancólico o orgulho
tem parte considerável. Manifesta-se grande medo de fazer feio, em
sensibilidade exagerada e no temor à vergonha. Nas relações com o próximo, o
melancólico é muitas vezes atormentado não só por suspeitas, mas também por
ciúmes. Confia nos outros com dificuldade. Mas encontrando alguém a quem se
possa abrir, vigia cuidadosamente para que a confiança não seja traída e isso
até o ponto de tornar-se um peso para o confidente de seu coração, cuja
paciência, por caus a de certas atitudes, será colocada à prova de modo
bastante duro. Não confiar á nunca por muito tempo numa mesma pessoa. A
desconfiança apodera-se dele com muita facilidade e julga não encontrar a
compreensão plena e o amor que merecia. No caso de eventuais mal-entendidos, em
vez de pedir explicações e esclarecimentos, leva na alma alguma palavra
escapada sem premeditação, coloca-a sempre de novo na balança da precisão e é
capaz de citá-la ao pé da letra, mesmo após vários anos, sempre com tristeza
profunda e renovada. Não percebe com facilidade os próprios dotes, nem os dos
outros. Mas tende facilmente ao exagero do mal. Vê tudo muito escuro; deixa-se
oprimir pelo cúmulo de dificuldades naquilo em que o sanguíneo nem sequer as
percebe. Deve lutar muito contra as aversões, susci tadas por determinadas
pessoas. Muitas vezes sente-se perturbado, devendo distinguir entre antipatia
pessoal e recusa motivada objetivamente. Certas pessoas estão simplesmente
mortas para ele, por uma razão qualquer. Não quer mais saber de las. Ao invés,
a aversão pode crescer até o desespero, até o ódio mais violento.Só com esforço
extremo deixa-se induzir a uma explicação amigável. Essa índole do melancólico
torna-se particularmente perigosa se influencia a relação íntima com Deus. O
insucesso, as recaídas no pecado, podem torná-lo de tal modo infeliz que corra
o perigo de abandonar até a Deus e suscitar nele, além de certa aversão, até a
recusa e o ódio a Deus. É o grande perigo, o grande escolho. Este perigo,
naturalmente, é atenuado por viver-lhe, no mais íntimo da alma desejo
intensíssimo de Deus, do eterno e do infinito, sem o qual não pode sentir-se
feliz.
O temperamento melancólico oferece não poucas vantagens no
caminho da santidade. A inclinação marcante para o mundo interior, o apego ao
recolhimento, à solidão, o dobrar-se sobre si mesmos facilita a oração mental.
O melancólico possui a verdadeira disposição para a devoção. O desejo
fundamental do coração é anseio imenso de valores supremos, de felicidade
imorredoura, de refugiar-se em Deus, de vida eterna.
Sabe que não há maior felicidade na terra do que a paz de
Deus num coração puro. O melancólico, porém, pode ser desanimado até na oração.
Esse desânimo cresce poderosamente, quando teve a desgraça de cometer pecado
grave. Sentindo-se separado de Deus por pecado mortal, sente-se muito infeliz.
Não pode, como outros, curar-se dEle. A má ação persegue-o dia e noite.
Torna-se presa da tristeza, do desgosto da vida. É aqui que se apresenta a
reviravolta mais perigosa, isto é, a ameaça de perder a confiança em si e em
Deus; ao invés, por certa obstinação e ódio contra Deus, pode entregar-se às
paixões vulgares. Se porém, em vez de se entregar por desânimo e desespero à
tristeza infrutuosa e à melancolia, aprender a consentir de bom grado à dor e à
desventura que o atingiram, se souber encontrar a união com Deus em
arrependimento filial e profundo, conseguirá vantagem. Justamente ele, que
experimenta tanta dor íntima, deve também procurar familiarizar-se com o
sofrimento. Deve aprender a ver na dor a participação dos sofrimentos de Jesus
Cristo. Deve exercitar-se na aceitação alegre da dor, até desejar a cruz do
sofrimento por amor a Deus. O amor à cruz é a sua salvação, fortuna, fonte, de
paz indizível da alma, de vida espiritual profunda e rica, de verdadeira
devoção, pronta ao sacrifício.
Assim, o melancólico deve formar a si mesmo, deve educar-se
e deixar-se educar pelas circunstâncias, pelo ambiente. Deve lutar pela própria
santidade, livrar-se do desânimo da alma, do desgosto pela vida, do sofrimento
e do temor. Deve consentir de modo calmo, racional, humilde e com confiança
ilimitada em qualquer sacrifício e sofrimento, qualquer miséria externa e
interna que o atinja. Deve colocar o amor como base fundamental da alma: o amor
a Deus, o amor ao próximo, o amor a cada homem por mais antipático que pareça.
Desse modo se libertará mais depressa do egoísmo oculto, e levado pela vida, na
escola do sofrimento, aprenderá o que é o amor purificado e sobrenatural a Deus
e ao próximo, sob cuja luz se aproximará sempre mais do ideal da santidade
pessoal.
Em linhas gerais o melancólico não se adapta bem às grandes
empresas, a tarefas de chefe responsável, pois falta-lhes energia, resolução e
o otimismo indispensável exigidos. Prejudica-os também a desconfiança inata e o
medo da vergonha. Daí, não é só ele quem padece, quando lhe confiam um cargo de
direção, mas impõe muitas vezes aos dependentes sacrifícios enormes,
especialmente por causa da desconfiança e personalidade alheia à alegria. Tem
tendência forte à mania crítica, ao sofisma justificado sob o pretexto do zelo
pela glória de Deus, enquanto que, em grande parte, provém do próprio
descontentamento espiritual.
O Temperamento Fleumático
O temperamento fleumático é o oposto do colérico e
caracteriza-se por sensibilidade receptiva fraca unida a capacidade ativa
fraca. As impressões estimulam o fleumático nada ou pouco, a reação é fraca ou
falta completamente. Daí resulta a atitude psíquica fundamental de propensão à
comodidade e à preguiça, de fraqueza em todas as paixões, de amor ao sossego e
aversão à fadiga e esforço.
O fleumático exteriormente possui, em geral, certa
corpulência. É pesado, desajeitado ou pouco ágil. O sistema nervoso é fraco. O
olhar sem ardor e sem energia, o passo cômodo. Gosta de dormir, come muito e
adora o descanso.
Também nas manifestações psíquicas o fleumático é cômodo e
preguiçoso. A alma responde às impressões externas com lentidão, sem e moção
especial. Custa a perder a paciência, a menos que se lhe perturbe a cômoda
tranqüilidade. Pode considerar-se esta sede de quietude como característica
dominante. O resultado é a fraqueza, a falta de energia. O intelecto não é, com
certeza, o mais adequado a meditações profundas. Não é capaz de sacudir a
própria vontade. A mente é pouco desenvolvida. Dificilmente se entusiasma, mas
também dificilmente se inquieta. Corre o perigo constante de cair numa espécie
de hebetismo ou aridez espiritual fria. Gosta da vida regular, calma, não
perturbada. Estes aspectos do caráter fleumático constituem obstáculo também à
perfeição.
Por mais que o fleumático se esforce no trabalho, nas
ligações com o próximo, nas relações com Deus, na profundeza da alma nada o
toca, permanece frio e indiferente.
Apesar dessas fraquezas, esse temperamento apresenta certas
vantagens. O fleumático nunca é atirado. Odeia tudo o que é arriscado e
passional. No pensar, no agir é lento e ponderado. Todavia o que começa, leva a
termo. A calma permite-lhe ver com sobriedade tudo o que acontece em redor. Com
semelhantes dotes pode também tornar-se alguém, terá mesmo superioridade nas
situações que exigem ponderação, pois nem sempre o sucesso depende da rapidez
da ação. Quando os outros estiverem desiludidos há muito tempo e dobra rem
cansados as asas, ele ainda terá forças intactas para prosseguir a obra com
paciência silenciosa. Não tem pretensões e é modesto sob todos os aspectos.
Pacífico, vive em paz com todos, mesmo se não gosta de comunidade.
Concluindo podemos afirmar: faltam ao fleumático o impulso
interno e a energia. Tem de conquistar maior força de vontade, sentimento do
dever mais decidido, maior desenvoltura, maior coragem diante da vida. Assim
também encontrará o lugar certo, embora não tenha nascido para comandar as
grandes batalhas da vida. Muitas vezes será apenas arrastado pelos que estão na
vanguarda. Mas justamente a esses pode prestar serviços com a ação refreadora
da prudência.
O temperamento fleumático é o menos disposto à perfeição,
pois falta-lhe por natureza a força do arroubo. Atingir a santidade pessoal
exige, além disso, constância de vontade e perseverança, que é muito difícil
para o fleumático, por disposição congênita.
Como o obreiro se fundamenta, seja pela essência, seja pela
missão, na paixão pelo ideal, encontraremos bem poucos fleumáticos entre o s
ministros. Apesar da vantagem da ponderação, sobriedade e paciência, dev erão
combater durante toda a vida contra as fraquezas do temperamento, especialmente
a falta de energia e a lentidão na mediocridade. Livrem-se de construir o ideal
pessoal unicamente sob a índole fleumática, mas sim sob as capacidades que
derivam da combinação com algum outro temperamento.
Antes de terminar a exposição dos temperamentos, lembremos
ainda que as fraquezas e a força, os valores e os defeitos naturais do
indivíduo dependem em grande parte do temperamento diverso. Daí a necessidade
de conhecer não só o próprio temperamento, mas também o das pessoas que devemos
guiar e ensinar. Os lados bons de cada temperamento são o fundamento natural da
santidade; será preciso controlar e combater os lados negativos. Malgrado todos
os esforços, o homem raramente poderá livrar-se de todos os defeitos e de todas
as fraquezas do temperamento; nem mesmo se tender seriamente à perfeição e
tiver vida longa à disposição. O ministro de Cristo bom conhecedor das almas,
perceberá até na cabeceira de moribundo se tem diante de si o colérico,
sanguíneo, melancólico ou fleumático. Os defeitos que Deus, muitas vezes, dei
xa até no homem mais perfeito, naturalmente sem nenhuma culpa pessoal, são
defeito s de temperamento. Acham-se profundissimamente radicados na disposição
psicofísica do homem e são a escola permanente da vigilância, paciência e
humildade.
Conforme aludimos precedentemente, o temperamento não se
manifesta nunca em forma pura, isto é, isento de combinações com outros. As
combinações mais comuns são o sanguíneo-melancólico e o colérico-sanguíneo. A
combinação colérico melancólico é menos freqüente, enquanto a colérico-fleumático
por sua natureza não existe, prescindindo-se de que, em todos os indivíduos,
encontram-se vestígios de todos os temperamentos.
Querendo comparar o temperamento às estações, poderemos
dizer que a primavera corresponde ao sanguíneo, o verão ao colérico, o outono
ao melancólico e o inverno ao fleumático. Na relação com os diversos períodos
da vida humana, poderemos afirmar que a idade infantil tem certa afinidade com
o temperamento sanguíneo, a idade do desenvolvimento com o melancólico, a idade
madura com o colérico e a velhice com o fleumático. Encontramos também certa
dependência entre temperamento e sexo: os temperamentos coléricos e fleumáticos
prevalecem nos homens, enquanto o melancólico e sanguíneo se encontram mais nas
mulheres.
Também os povos distinguem-se pela predominância de
determinado temperamento. Enquanto nos meridionais prevalecem os sanguíneos e
nos, povos do centro da Europa os coléricos, os povos “dos países setentrionais
caracterizam-se pela índole tranquila e fleumática. São próprias dos povos
aladas a profundidade ânimo e a melancolia, que correspondem ao tipo
melancólico.
Estas indicações admitem muitas exceções. Por isso não será
nunca demasiado dizer que no campo da tipologia psicológica toda classificação
rigidamente sistemática coloca-nos em pistas falsas. Em última análise todo ser
humano representa personalidade única, não, suscetível de repetição e diferente
de todas as outras.
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