Adendo Cultural
Orare e labutare foram palavras empregadas por Calvino para
resumir a sua concepção hermenêutica. Com estes termos ele expressou a
necessidade de súplica pela ação iluminadora do Espírito Santo e do estudo
diligente do texto e do contexto histórico, como requisitos indispensáveis à
interpretação das Escrituras. Com o mesmo propósito, Lutero empregou uma
figura: um barco com dois remos, o remo da oração e o remo do estudo. Com um só
destes remos, navega-se em círculo, perde-se o rumo, e corre-se o risco de não
chegar a lugar algum.
Palavras e figuras como estas revelam a consciência que os
reformadores tinham do caráter divino-humano das Escrituras e o equilíbrio
fundamental que caracteriza a hermenêutica reformada da Palavra de Deus.
I. Delimitação Do Assunto
O termo hermenêutica tem sido empregado em dois sentidos.
Historicamente, nos compêndios clássicos de interpretação bíblica, designa a
disciplina que, partindo de pressupostos básicos, estuda e sistematiza a teoria
da interpretação das Escrituras, enquanto a exegese designa a prática. Neste
sentido, o objetivo da hermenêutica é descobrir e sistematizar os princípios e
métodos apropriados para a compreensão do sentido que o autor intentou
transmitir aos seus leitores originais.
Mais recentemente, entretanto, estes termos têm sido usados
com sentidos diferentes: exegese, para designar o estudo das Escrituras com vistas
a descobrir o sentido original pretendido pelo autor, e hermenêutica, no
sentido restrito da sua contemporaneidade. Ou seja, a exegese seria uma
primeira tarefa histórica pela qual se busca compreender o que os leitores
originais entenderam; enquanto que a hermenêutica seria uma tarefa teológica
prática e posterior, na qual se busca compreender a relevância da sua mensagem
para nós, hoje, no nosso contexto específico. (Nota 1)
Neste Estudo estes termos são usados no sentido histórico
mais comum: hermenêutica, designando a disciplina que estuda e sistematiza os
princípios e técnicas, com as quais, partindo de determinados pressupostos, se
busca compreender o sentido original do texto bíblico; exegese, designando a
prática destes princípios e técnicas; e aplicação , designando a busca da
relevância do texto ao nosso contexto específico. Isto é: tendo compreendido
qual a mensagem do texto para os seus leitores originais, em que sentido esta
mensagem é aplicável aos nossos dias e ao nosso contexto?
Convém esclarecer também que o termo: “reformada”, não é
empregado neste estudo para designar especificamente a hermenêutica dos
reformadores. Não se desejamos fazer uma descrição específica e detalhada da
hermenêutica desenvolvida e praticada por Lutero, Melanchton, Calvino e outros.
O termo também não se refere à denominação reformada (ramo da reforma como
ficou conhecido especialmente na Europa). O termo hermenêutica reformada, neste
trabalho, refere-se a uma corrente ou escola de interpretação bíblica histórica,
distinta de outras correntes, fundamentada em pressupostos bíblicos quanto à
natureza das Escrituras, e que emprega princípios e métodos específicos.
Trata-se de uma escola ou corrente de interpretação que adota o método
histórico-gramatical, em contraposição aos métodos intuitivos (da corrente
espiritualista) e histórico-crítico (humanista) de interpretação bíblica.
Com a expressão hermenêutica reformada, quer-se designar
neste estudo o modelo de interpretação bíblica defendida e aplicada pelos reformadores,
pelos principais símbolos de fé protestantes, inclusive batista (Nota 2), pelos
puritanos ingleses, pelos huguenotes franceses, e pelas igrejas evangélicas
ortodoxas em geral até os nossos dias. Esta corrente de interpretação poderia
ser chamada de hermenêutica protestante ou hermenêutica evangélica. Mas, ao que
parece, estes termos já não caracterizam muita coisa — pelo menos no campo da
hermenêutica —, pois englobam, sem qualquer distinção, defensores e praticantes
de todas as correntes de interpretação bíblicas: desde a corrente
espiritualista (intuitiva) até a corrente humanista (histórico-crítica).
II. Importância Do Assunto
A importância do assunto dificilmente pode ser exagerada,
pois a hermenêutica é a base teórica da exegese, que, por sua vez, é o alicerce
tanto da teologia (quer bíblica, quer sistemática) como da pregação. Parece
que, atualmente, pelo menos no Brasil, estas disciplinas têm sido parcialmente
relegadas por alguns segmentos evangélicos a um segundo plano. Exegese, a
doutrina e a pregação têm sido substituídas por coisas ‘‘mais práticas’’ (tais
como a ação social, o engajamento político, a administração eclesiástica, o
evangelismo, a liturgia, as exortações morais, etc.). Quando não se nega a
importância da exegese, da doutrina e da pregação, na teoria, nega-se na
prática.
Convém observar, entretanto, que o apóstolo Paulo exorta
Timóteo a cuidar ‘‘de si mesmo e da doutrina’’, de modo que possa ser ele mesmo
salvo bem como os seus ouvintes (1 Tm 4.16). Ele o admoesta a apresentar-se a
Deus ‘‘aprovado,como obreiro que não tem do que se envergonhar, que maneja bem
a palavra da verdade’’ (2 Tm 2.15). E afirma que devem ‘‘ser considerados
merecedores de dobrados honorários (ou honra) os presbíteros que presidem bem,
com especialidade os que se afadigam na Palavra e no ensino’’ (1 Tm 5.17).
Não se pode esquecer de que ‘‘aprouve a Deus salvar aos que
creem, pela loucura da pregação’’ (1 Co 1.21); e de que ‘‘a fé vem pela
pregação e a pregação pela palavra de Cristo’’ (Rm 10.17).
A importância da doutrina é vista especialmente nas cartas
do apóstolo Paulo e no tratamento que faz da questão da justificação pela fé na
carta aos Gálatas. Nem a Igreja de Corinto, com todos os seus problemas morais,
foi tão duramente tratada pelo apóstolo quanto às igrejas da Galácia, em função
do seu desvio doutrinário.
As verdades de Deus expressa em sua Palavra é o instrumento
empregado pelo Espírito Santo para salvar e santificar. São ‘‘as sagradas
letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus’’, e
fazer com que ‘‘o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para
toda boa obra’’ (2 Tm 3.15, 17).
Richard Baxter, um dos puritanos mais conhecidos do século
XVII, foi o instrumento nas mãos de Deus em um re-avivamento na sua cidade.
Autor de dezenas de obras, a maioria de cunho prático, usou uma figura para
expressar a relação entre a verdade da Palavra e a santidade. Eis suas
palavras:
“... As verdades de Deus são os próprios instrumentos da
santificação de vocês; essa santificação é o resultado produzido por essas
verdades sobre o entendimento e a vontade de vocês. As verdades são o selo e a
alma de vocês é a cera; a santidade é a impressão feita. Se vocês receberem
apenas algumas verdades, terão apenas uma impressão parcial... Se vocês as
receberem de modo desordenado, a imagem que produzirão nas almas de vocês será
igualmente desordenada; como se os membros dos corpos de vocês fossem unidos de
modo monstruoso”. (Nota 3)
Aí está a importância da hermenêutica: ela é a base teórica
da exegese, que por sua vez é o fundamento da teologia e da pregação, das quais
depende a saúde espiritual da igreja, e da nossa própria vida. Uma hermenêutica
deformada fatalmente resultará em exegese deformada, produzirá teologia e pregação
deformadas, e se manifestará tragicamente em igrejas e vidas deformadas.
III. Necessidade Da Hermenêutica
Todo leitor é um intérprete. Mas ler não implica
necessariamente em entender. Quando não há barreiras na compreensão de um
texto, a interpretação é automática e inconsciente. Mas isso nem sempre ocorre.
De conformidade com a doutrina reformada da clareza ou perspicuidade das
Escrituras, a Bíblia é substancialmente, mas não completamente clara. As
verdades básicas necessárias à salvação, serviço e vida cristã são evidentes em
um ou outro texto, mas nem todos os textos das Escrituras são igualmente
claros.
Por ser um livro divino-humano, inspirado por Deus, mas
escrito por homens, admite-se que há dificuldades de ordem espiritual e de
ordem humana para a compreensão das Escrituras. O apóstolo Pedro reconheceu
essa dificuldade com relação aos escritos do apóstolo Paulo, dizendo que neles
‘‘há certas coisas difíceis de entender... ’’ (2 Pe 3.16).
Isto significa que a compreensão das Escrituras não é necessariamente
automática e espontânea. É, sim, o resultado da ação iluminadora do Espírito
Santo, por um lado, e por outro, do estudo diligente da língua e do contexto
histórico em que foi escrita.
A. Dificuldades De Ordem Espiritual
O aspecto espiritual envolvido na interpretação das
Escrituras é demonstrado claramente em passagens bíblicas tais como 1 Coríntios
2.14 e 2 Coríntios 4.3-6: Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito
de Deus, por que lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente.
...se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que
se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os
entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho
da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus que disse: De
trevas resplandecerá luz, ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para
iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo.
Nestes textos o apóstolo Paulo ensina claramente a absoluta
incapacidade do homem natural (não regenerado) de compreender a revelação de
Deus. A razão desta incapacidade é a cegueira espiritual em que se encontra
como resultado da queda do homem do seu estado original, e da ação diabólica. E
a cura desta cegueira não é intelectual, mas espiritual. Só o Espírito Santo
pode fazer resplandecer a luz do Evangelho da glória de Cristo num coração em
trevas.
Outro texto que demonstra o caráter espiritual envolvido na
interpretação das Escrituras é 2 Coríntios 3.14-15. Neste texto o apóstolo
Paulo explica que os judeus tinham como que um véu embotando os seus olhos
espirituais, de modo que não podiam compreender o significado do que liam, por
causa da incredulidade:
Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje,
quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo
revelado que em Cristo é removido. Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu
está posto sobre o coração deles.
Como este véu pode ser retirado? Pela conversão, responde o
apóstolo no verso seguinte: ‘‘Quando,porém, algum deles se converte ao Senhor,
o véu é retirado’’ Na carta aos Efésios, o apóstolo Paulo ensina a mesma coisa
com relação aos gentios:
“...Não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade
dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de
Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza dos seus corações” (Ef
4.17-18).
A ação iluminadora do Espírito Santo é, portanto,
indispensável na interpretação e apreensão do ensino das Escrituras. A erudição
piedosa é preciosa e indispensável para a preservação da sã doutrina. Um
erudito, por mais bem equipado que esteja hermeneuticamente, desprovido, porém,
da ação regeneradora e iluminadora do Espírito, possivelmente não alcançará o
sentido da Escritura tanto quanto um crente simples e fiel, mesmo que indouto
em métodos e técnicas de interpretação.
Mesmo o crente precisa da ação iluminadora contínua do
Espírito Santo para progredir na compreensão das Escrituras. Seu coração não
está embotado como o dos judeus descrentes; nem seu entendimento está
obscurecido, como o dos gentios incrédulos. Mas ainda há muito a compreender; e
a ação iluminadora do Espírito Santo permanece indispensável. Com esse
propósito o apóstolo Paulo orava insistentemente pelos crentes, a fim de que
Deus lhes iluminasse mais e mais, para compreenderem mais profundamente a
natureza do evangelho e a suprema riqueza da sua graça. Eis um exemplo apenas
na carta aos Efésios:
“... Não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós
nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da
glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento
dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do
seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, e qual a
suprema grandeza do seu poder para com os que cremos...” (Ef 1.16-19).
B. Dificuldades Naturais
Deve-se observar, entretanto, que as Escrituras também
revelam, por ensino direto e por inúmeros exemplos, que o coração do homem é
mais enganoso do que todas as coisas e desesperadamente corrupto (Jr 17.9), não
sendo, portanto, totalmente confiável. Além disso, não existe somente o
Espírito da verdade; há também o espírito do erro (1 Jo 4.6). O pai da mentira
está sempre pronto a enganar, se possível for, até os eleitos. Logo, o caráter
espiritual envolvido na interpretação das Escrituras não elimina, de modo
algum, o lado humano, também necessário para a sua correta interpretação e
compreensão. Afinal, é pela própria Palavra, e através da Palavra, que o
Espírito Santo realiza essa obra iluminadora.
Por haver sido escrita em línguas humanas, em contextos
históricos, sociais, políticos e religiosos específicos, um conhecimento
adequado da língua e do contexto histórico também é necessário para uma melhor
interpretação e compreensão das Escrituras. Deve-se lembrar também que o
ministro da Palavra é aquele que se afadiga no estudo dela (1 Tm 5.17). Logo,
para uma interpretação e compreensão adequada das Escrituras, fazem-se
necessários requisitos de natureza espiritual, bem como requisitos de natureza
intelectual. Ambos são necessários e imprescindíveis.
IV. Principais Correntes De Interpretação
As classificações normalmente pecam pelo simplismo. É de
fato difícil resumir e agrupar adequadamente as diversas ênfases, tendências,
princípios e práticas de uma determinada área de estudos, sem negligenciar
peculiaridades importantes. Com a hermenêutica não é diferente. Contudo,
observando as diferentes ênfases, tendências, princípios e práticas de
interpretação das Escrituras adotados no curso da história da Igreja, pode-se
perceber pelo menos três correntes gerais nas quais as diversas escolas podem
ser de certo modo agrupadas:
A. Corrente Espiritualista
Muitos grupos na história da interpretação bíblica se
caracterizaram por super enfatizar o caráter espiritual (místico) das
Escrituras, em detrimento do seu caráter humano. Esta corrente distingue-se
especialmente pela insatisfação generalizada com o sentido natural, literal das
Escrituras. Dois dos textos mais explorados são 2 Coríntios 3.6: ‘‘... aletra
mata, mas o Espírito vivifica’’ e 1 Coríntios 2.7: ‘‘...falamos sabedoria de
Deus em mistério’’. O maior perigo dessa corrente de interpretação é o
subjetivismo e o misticismo. Nenhuma das duas passagens mencionadas prescreve a
supremacia de sentidos "espirituais" e ocultos da Escritura sobre
sentidos naturais e óbvios. 2 Coríntios 3.6 faz um contraste entre os dois
ministérios ou alianças exercidos por Moisés e por Cristo; 1 Coríntios 2.7
trata do mistério de Deus, que é Cristo, mistério agora revelado. Nada há
nestas passagens que exaltem sentidos ocultos da Escritura, disponíveis apenas
aos "espirituais" ou avançados. Alguns sistemas hermenêuticos
pertencentes à corrente espiritualista são descritos abaixo.
1. A Hermenêutica Alegórica
Trata-se de um dos métodos de interpretação mais antigos.
Fortemente influenciados pelo platonismo e pelo alegorismo judaico, os
defensores desse método de interpretação atribuíam diversos sentidos ao texto
das Escrituras, enfatizando o sentido chamado de alegórico.
Clemente de Alexandria (†215) e Orígenes (†254) são os dois
principais nomes da escola alegórica de Alexandria, no Egito. Clemente
identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: 1) histórico, 2)
doutrinário, 3) profético, 4) filosófico e 5) místico. Orígenes distinguia três
níveis de sentidos: 1) o literal, ao nível do corpo, 2) o moral, ao nível da
alma, e 3) o alegórico, ao nível do espírito.
A hermenêutica alegórica prevaleceu durante toda a Idade
Média, especialmente em sua forma quádrupla. Sua origem é provavelmente o
sistema hermenêutico de Agostinho. Segundo este método, as passagens das
Escrituras teriam quatro sentidos: um sentido literal, e três sentidos
espirituais: moral, alegórico e anagógico. O sentido literal seria o registro
do que aconteceu (o fato); o sentido moral conteria uma exortação quanto à
conduta (o que fazer); o sentido alegórico ensinaria uma doutrina a ser crida
(o que crer); e o sentido anagógico apontaria para uma promessa a ser cumprida
(o que esperar). Assim, uma referência bíblica sobre a água, teria um sentido
literal (a água), um sentido moral (exortação a uma vida pura), um sentido
alegórico (o sacramento do batismo), e um sentido anagógico (a água da vida na
Nova Jerusalém). (Nota 4)
Este método pode fornecer esplêndidas interpretações, mas
rouba o real significado do texto, desviando a atenção do leitor do seu
verdadeiro sentido, que o Espírito Santo intentou transmitir.
O caráter deste método de interpretação fica manifesto na
conhecida interpretação alegórica de Orígenes (Nota 5) da parábola do bom
samaritano (Lc 10.30-37). Segundo ele, o homem atacado pelos ladrões
simbolizava Adão (a humanidade); Jerusalém, os céus; Jericó, o mundo; os
ladrões, o diabo e suas hostes; o sacerdote, a lei; o levita, os profetas; o
bom samaritano, Cristo: o animal sobre o qual foi colocado o homem ferido, o
corpo de Cristo (que suporta o Adão caído); a estalagem, a igreja; as duas
moedas, o Pai e o Filho; e a promessa do bom samaritano de voltar, a segunda vinda
de Cristo. (Nota 6)
Outro exemplo do caráter desse método de interpretação pode
ser percebido nas diferentes interpretações alegóricas atribuídas às duas
moedas mencionadas nessa parábola: o Pai e o Filho, o Antigo e o Novo
Testamento, os dois mandamentos do amor (a Deus e ao próximo), fé e obras,
virtude e conhecimento, o corpo e o sangue de Cristo, etc.
2. A Hermenêutica Intuitiva
Muitos são consciente ou inconscientemente adeptos desta
corrente de interpretação bíblica. Também chamados de impressionistas, (Nota 7)
os hermeneutas intuitivos caracterizam-se por identificar a mensagem do texto
com os pensamentos que lhes vêm à mente ao lê-lo, sem contudo dar a devida
atenção à gramática, ao contexto e às circunstâncias históricas, geográficas,
culturais, religiosas, etc. Um passo adiante estão os místicos, que aqui e ali
aparecem na história da igreja, com a sua ênfase na iluminação interior. Uma
versão moderna do método de interpretação intuitiva pode ser verificada na
prática de abrir as Escrituras ao acaso para pregar ou encontrar uma mensagem
para uma ocasião específica, sem o devido estudo do texto e do seu contexto
histórico.
3. A Hermenêutica Existencialista
Há uma escola contemporânea de interpretação das Escrituras
que enfatiza excessivamente o conhecimento subjetivo em detrimento do seu
sentido gramatical e histórico. Trata-se da assim chamada nova hermenêutica,
que nada mais é do que um desenvolvimento dos princípios hermenêuticos de
Bultmann, com sua ênfase na relevância da mensagem do Novo Testamento para o
homem contemporâneo.
Para Bultmann e para a nova hermenêutica — reconhecidamente
influenciados pela filosofia existencialista de Martin Heidegger (Nota 8) — o
importante não é a intenção do autor, nem o que o texto falou aos seus leitores
originais, mas o que fala a nós, hoje, no nosso contexto: esse é o sentido do
texto. Para a hermenêutica existencialista o importante mesmo não é o texto,
mas o que está por trás dele. Não interessa tanto o que o texto diz
(historicamente), mas o que ele quer dizer (existencialmente). Logo, as
Escrituras só serão interpretadas realmente se lidas existencialmente, se forem
experimentadas. Ou seja, as Escrituras não são objetivamente a Palavra de Deus,
elas se tornam Palavra de Deus, quando nos falam subjetivamente.
Talvez as principais críticas à hermenêutica existencialista
sejam que ela rejeita o elemento sobrenatural das Escrituras (milagres,
encarnação, ressurreição, etc.) como sendo mitos, e que torna subjetivo o
conceito de Palavra de Deus, com sua ênfase existencialista. Com isso, ela
esvazia a mensagem bíblica e, assim como o método alegórico e o método
intuitivo, abre espaço para se ler no texto quaisquer idéias ou conceitos
originados na mente do leitor. (Nota 9)
B. Corrente Humanista
No extremo oposto da corrente espiritualista encontra-se a
corrente que se pode chamar de humanista. Esta corrente caracteriza-se por dar
ênfase excessiva ao caráter humano das Escrituras e por uma aversão ao seu
caráter sobrenatural. A ênfase dessa corrente está no método, na técnica, nos
aspectos literários ou históricos das Escrituras, em detrimento do seu caráter
divino, espiritual e sobrenatural.
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