Diferenciação Segundo A Índole Pessoal
As atividades espirituais do homem, embora intrinsecamente
independentes dos processos físicos, estão ligadas ao desenvolvimento do
organismo. As funções psicofísicas são o pressuposto da vida espiritual e só o
transcorrer sem perturbações é o que garante a engrenagem ordenada e a
coordenação de todas as capacidades e atividades envolvidas na unidade do ser
humano. Como nenhum ser vivo se assemelha perfeitamente a outro, assim o
indivíduo humano se distingue ainda mais de todos os outros, embora o corpo e a
alma tenham forma típica idêntica. Cada homem, em última análise é um mundo a
se, unidade que apresenta grande número de variações individuais; por isso
também são diferentes individualmente os processos psíquicos relativos. Com
isso assumem aspecto particular os procedimentos morais relacionados à
compreensão dos valores, à experiência do dever etc. A individualidade de um
ser humano exprime-se antes de tudo na paixão dominante, no temperamento e no
caráter.
Paixão Dominante, Sensibilidade
Para compreender a natureza dessa paixão é necessário
conhecer as variedades e as graduações do amor. O grau mais baixo do amor
manifesta-se só no ardor de sentimento espontâneo e não é senão processo vital
instintivo, de ordem física. Vem depois o grau do amor natural. Dirige e plasma
o instinto obscuro à luz do discernimento e com vontade forte. Seu componente
principal é a espiritualidade, própria ao homem. O grau mais alto do amor,
atingível nesta vida, é o amor sobrenatural. Deixa-se conduzir pela fé e pela
graça e abraça toda a criação, de modo especial a humanidade, por amor a Deus.
A pessoa dominada pela sensibilidade sente propensão natural
forte para tornar felizes as outras pessoas. Seu ideal se baseia num primeiro
tempo nos dois primeiros graus do amor. Deseja ardentemente difundir ao redor
luz, alegria, amor. Mas, para a expansão completa de sua paixão, esse tipo de
pessoas tem necessidade de móvel eficaz, representado pela visão ou pela
recordação da miséria alheia e das suas necessidades. Não são os seres física e
psiquicamente fortes que provocam a expansão máxima do impulso de dedicação,
mas sim a pobreza, a fraqueza, o luto e a angústia que suscitam a compaixão e o
amor operoso. A miséria alheia não provoca semente a ativação do amor: garante
a meta por ele visada: assegurar-se de modo estável o apego e a gratidão do
próximo. Este desejo forte de apego agradecido por parte dos assistidos é, ao
mesmo tempo, a força e a fraqueza da sensibilidade. Quer tornar os outros
felizes, nenhum sacrifício e nenhuma renúncia são demasiados para o amor cheio
de dedicação; mas, em troca, quer a gratidão. Não pode e não quer renunciar a
ela, justamente porque aí está a força secreta e a mola que a impele com
alegria para o sacrifício.
Também o homem sensível, de igual maneira ao orgulhoso,
deseja dominar, não porém, pela força ou violência, mas - o que parece
contradição - pela força do amor serviçal. À disposição de amar corresponde,
como é mui natural, o desejo de ser amado. Quanto maior e mais pronto ao
sacrifício for o amor que um indivíduo dedicar aos outros, tanto maior será
também o desejo de receber amor. Esse gênero de amor (natural) atinge a
perfeição e o valor supremo apenas se unido ao sobrenatural. Só quando a chama
do amor passional (natural) é revestida e purificada pelo amor desinteressado,
exercido por amor a Deus (isto é, pelo amor sobrenatural), é que o instinto de
doação, por natureza egoísta, recebe a força de enfrentar até o sacrifício
supremo, ignorado e recusado pela natureza, de dar-se sem reservas, mesmo no
caso de não encontrar correspondência, mas até indiferença, ingratidão, talvez
aversão e ódio. O amor sobrenatural, fruto da graça, desenvolve-se com maior
força onde encontra o bom fundamento de paixão ordenada (sensibilidade,
instinto de dedicação). Por outro lado o amor sensível, isto é, natural, não
pode despojar-se do egoísmo inato senão pelo amor sobrenatural e sublimado por
este como altruísmo nobre e por isso levado à perfeição. Sendo o amor o
mandamento principal da vida religiosa, é evidente que as almas providas de
espírito forte de abnegação podem vangloriar-se de ter obtido um talento
precioso para as obras e para o caminho da vida. As vantagens e os frutos dessa
paixão, se bem cultivada, são: força de sacrifício, paciência, longanimidade,
cuidado, humildade, tato, compreensão, interesse, capacidade de compartilhar
das alegrias e dos sofrimentos alheios. Da estirpe dos homens dotados de grande
força de abnegação é que Deus chama o maior número dos missionários, pastores,
médicos, enfermeiros, educadores, professores etc. São os homens que constroem
a sociedade.
Naturalmente, às vantagens de grande capacidade de abnegação
correspondem também muitas desvantagens e perigos, cada um dos quais, em caso
de vigilância descuidada, pode levar ao afastamento extremo em relação a Deus.
São especialmente: a falta de iniciativa e de independência,
sugestionabilidade, fraqueza, o gosto pelos elogios, facilidade pela simpatia e
antipatia, tendência à afetação, suscetibilidade, parcialidade, inclinação para
o fantástico, comodidade e tendência para os prazeres sensuais. Para evitar
todos esses perigos é preciso vigilância severa, abnegação, exercício de
vontade, docilidade à graça divina. Para a vida religioso-moral é decisivo o
uso que o homem faz do forte impulso de dedicação: ou dirige-se para Deus e
para os homens, para prestar-lhes honra e demonstrar amor verdadeiro, ou
volta-se para si mesmo, para procurar a finalidade própria e última no amor
terrestre.
A Paixão Dominante, Orgulho
A atitude psíquica do “orgulhoso” é essencialmente diferente
dado “sensível”. Neste caso o valor máximo não consiste no amor, mas na honra.
A força fundamental do seu espírito não é o desejo de dedicação, mas a
tendência para impor-se e agir. O gerador que o move não é a indigência alheia,
mas a s dificuldades e os obstáculos que devem ser superados pela luta.
Característica do homem dominado pelo “orgulho” é a vontade de lutar,
despertada diante de uma resistência oposta, incitando-o a superar dificuldades
notáveis. Quanto maiores forem os obstáculos, tanto mais inflexível se tornará
a vontade de lutar e de vencer. Não conhece compromissos nem capitulações.
Alegria e a glória consistem em ser inflexível e lutar até a vitória ou até a morte.
As vantagens dessa disposição natural são a capacidade de
dirigir, o espírito de iniciativa, coragem, energia, diligência e visão clara
da meta. Dessa têmpera são os comandantes, políticos, exploradores,
naturalistas, inventores, cientistas, organizadores, fundadores de ordens,
chefes de Igreja e do Estado.
Aos consideráveis aspectos luminosos dessa paixão
correspondem os relativos aspectos sombrios. São: tendência ao egoísmo,
capricho, obstinação, mania de domínio levado até a tirania, dureza de coração
raiando a crueldade, cólera, indelicadeza, brutalidade, vaidade, ambição
desmedida, altivez, desobediência, megalomania, auto-complacência, presunção.
Também essa paixão dominante deve disciplinar-se
constantemente pela graça. A vida religiosa de um indivíduo possuído por essa
paixão dominante depende do uso que pode fazer dela: ou a coloca a serviço de
ideal grande e sagrado, por exemplo, de Deus ou de seu reino, para a salvação
das almas, ou a torna instrumento da glorificação egoísta e soberba da própria
pessoa.
Os Temperamentos
Merece particular relevo, para a compreensão da
personalidade do indivíduo o conhecimento de seu temperamento. Por temperamento
entende-se a disposição fundamental da alma que caracteriza a sensibilidade
receptiva quanto à índole, força, profundidade e duração.
As paixões dominantes estão em correlação estreita com os
temperamentos, uma vez que a índole psíquica consiste na harmonia entre as
tendências superiores e inferiores e a sede das paixões estão na parte
inferior. Assim: o desejo de impor-se está ligado ao temperamento colérico, o
desejo de dedicação ao sanguíneo ou ao melancólico, enquanto o fleumático é
representado pelo apático.
A velha teoria dos temperamentos, cuja terminologia teve
origem com o médico grego Hipócrates (377 a.C.), foi muito combatida nos
últimos tempos. É certo que a classificação dos temperamentos em colérico,
sanguíneo, melancólico e fleumático, que deriva do médico Galeno (séc. II d.C.)
não é exata. É justa enquanto mostra ter reconhecido a influência de certas
qualidades físicas, sobretudo das funções de órgãos internos, sobre o
temperamento. O linguajar comum fala de sangue quente, sangue frio etc. Com
isso se obtém uma expressão justa do contraste entre os diversos temperamentos:
colérico-fleumático e sanguíneo-melancólico. Há muito tempo também o próprio
povo percebeu que o temperamento depende do sistema sanguíneo, e hoje a ciência
médica o confirma quando procura explicar a relação entre constituição física e
índole psíquica pelas correlações hemoquímicas entre as glândulas internas e o
cérebro.
Todavia, não podemos negar que a velha doutrina dos
temperamentos, sob o ponto de vista prático, até hoje não foi ainda substituída
nem tornada supérflua por qualquer outra concepção equivalente. Não só do ponto
de vista prático, no campo da psicologia e da caracteriologia, é de grande
valor a classificação tradicional dos temperamentos, mas é plenamente
justificada também teoricamente, quando classificamos os graus da emotividade
no aspecto duplo de sensibilidade receptiva e capacidade de reação. As diversas
combinações da sensibilidade receptiva forte ou fraca, com a capacidade de
reação, dão origem a quatro temperamentos :
1) O colérico, com forte sensibilidade receptiva e forte
reação;
2) O sanguíneo, com forte sensibilidade receptiva e reação
fraca;
3) O melancólico, com sensibilidade receptiva fraca e reação
forte;
4) O fleumático, sensibilidade receptiva fraca e reação
fraca.
Os temperamentos apresentam o mesmo quadro das paixões
dominantes. Ninguém possui temperamento no estado puro, mas combinado mais ou
menos com os outros, embora apresentando, em geral, predominância bem
reconhecível.
O conhecimento das características e dos sinais positivos e
negativos dos temperamentos é de grande importância, especialmente para o
diretor espiritual da juventude. Muitas vezes temos de lamentar a pouca
confiança do jovem no pastor. É próprio do jovem encontrar dificuldade em
abrir-se ao pastor, especialmente nos casos da solidão espiritual e da falta de
ajuda. Algumas vezes é o orgulho que o impede, outras a impossibilidade
inculpável de descrever certo estado de ânimo.
Nenhum esforço para obter-lhes a confiança leva ao escopo
desejado, mesmo se feito com a maior gentileza e com todo o respeito. A melhor
estrada é o conhecimento da psique por meio da identificação do temperamento.
Só quando o jovem se sente penetrado e compreendido na sua solidão e angústia,
é que se exprime o impedimento da reserva natural e a alma se enche de
confiança.
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