O Valor Pedagógico Da Relação Professor-Aluno
A formação das crianças e dos jovens ocorre por meio de sua
participação na rede de relações que constituía dinâmica social. É convivendo
com pessoas, seja com adultos ou com seus colegas - grupos de brinquedo ou de
estudo -, que a criança e o jovem assimilam conhecimentos e desenvolvem hábitos
e atitudes de convívio social, como a cooperação e o respeito humano. Daí a
importância do grupo como elemento formador.
Cada classe constitui também um grupo social. Dentro desse
grupo, que ocupa o espaço de uma sala de aula, a interação social se processa
por meio da relação professor-aluno e da relação aluno-aluno. É no contexto da
sala de aula, no convívio diário com o professor e com os colegas, que o aluno
vai paulatinamente exercitando hábitos, desenvolvendo atitudes, assimilando
valores. Sobre isso, diz Georges Gusdorf, em sua admirável obra Professores,
para quê ?: "Cada um de nós conserva imagens inesquecíveis dos primeiros
dias de aula e da lenta odisséia pedagógica a que se deve o desenvolvimento do
nosso espírito e, em larga medida, a formação da nossa personalidade. O que nos
ensinaram, a matéria desse ensino, perdeu-se. Mas se, adultos, esquecemos o que
em crianças aprendemos, o que nunca desaparece é o clima desses dias de
colégio: as aulas e o recreio, os exercícios e os jogos, os colegas". O
valor pedagógico da relação professor-aluno. E por que não dizer também que sempre
nos lembraremos daqueles que foram nossos professores, de suas personalidades,
de suas formas de agir, de pensar e se expressar ?
O que Georges Gusdorf quer dizer, ao se expressar de forma
tão tocante por meio dessas palavras e ao longo de toda a sua obra, é que a
escola é um local de encontros existenciais, da vivência das relações humanas e
da veiculação e intercâmbio de valores e princípios de vida. Se, por um lado, a
matéria e o conteúdo do ensino, tão racional e cognitivamente assimilados,
podem ser esquecidos, por outro, o "clima" das aulas, os fatos
alegres ou tristes que nelas se sucederam, o assunto das conversas informais,
as idéias expressas pelo professor e pelos colegas, a forma de agir e de se
manifestar do professor, enfim, os momentos vividos juntos e os valores que
foram veiculados nesse convívio, de forma implícita ou explícita, inconsciente
ou conscientemente, tudo isto tende a ser lembrado pelo aluno durante o
decorrer de sua vida e tende a marcar profundamente sua personalidade e nortear
seu desenvolvimento posterior.
Isso ocorre porque é durante este convívio, isto é, são
nesses momentos de interação, instantes compartilhados e vividos em conjunto,
que o domínio afetivo se une à esfera cognitiva e o aluno age de forma
integral, como realmente é, como um todo. Ou seja, ele age não só com a razão,
mas também com os sentimentos e as emoções. Portanto, neste momento de
interação, de convívio, de vida em conjunto, o aluno torna-se presente por
inteiro, pois a razão e os sentimentos se unem, guiando seu comportamento.
O professor Walter Garcia afirma que "a educação, seja
ela escolar ou 'do mundo', é fenômeno que só ocorre em razão de um processo
básico de interação entre pessoas. (...) Que a educação é processo
eminentemente social julgamos desnecessário insistir, tal a evidência com que
isto se manifesta. Aliás, poderíamos ir mais além, ao dizer que a educação
existe exatamente porque o homem é um ser gregário e que só se realiza como tal
a partir do momento em que entra em relação com seu semelhante. Enquanto
processo de formação humana, a educação é a única maneira pela qual é
assegurada a continuidade da espécie, que assim consegue dominar a natureza e
imprimir nela sua presença e sua maneira de ver o mundo".
Falando mais especificamente sobre o ato de ensinar e
aprender, Bruner diz que ele é um processo essencialmente social, porque
"as relações entre quem ensina e quem aprende repercutem sempre na
aprendizagem".
Os educadores concordam que o processo educativo e, mais
especificamente, a construção do conhecimento são processos interativos, e
portanto sociais, nos quais os agentes que deles participam estabelecem
relações entre si. Nessa interação, eles transmitem e assimilam conhecimentos,
trocam idéias, expressam opiniões, compartilham experiências, manifestam suas
formas d e ver e conceber o mundo e veiculam os valores que norteiam suas
vidas.
Portanto, a interação humana tem uma função educativa, pois
é convivendo com os seus semelhantes que o ser humano é educado e se educa.
No processo de construção do conhecimento, o valor
pedagógico da interação humana é ainda mais evidente, pois é por intermédio da
relação professor-aluno e da relação aluno-aluno que o conhecimento vai sendo
coletivamente construído.
O educador, na sua relação com o educando, estimula e ativa
o interesse do aluno e orienta o seu esforço individual para aprender. Assim
sendo, o professor tem, basicamente, duas funções na sua relação com o aluno:
a) uma função incentivadora e energizante, pois ele deve aproveitar
a curiosidade natural do educando para despertar o seu interesse e mobilizar
seus esquemas cognitivos (esquemas operativos de pensamento);
b) uma função orientadora, pois deve orientar o esforço do
aluno, para aprender, ajudando-o a construir seu próprio conhecimento.
Cabe ao professor, durante sua intervenção em sala de aula e
por meio de sua interação com a classe, ajudar o aluno a transformar sua
curiosidade em esforço cognitivo e a passar de um conhecimento confuso,
sincrético, fragmentado, a um saber organizado e preciso.
Mas o professor deve ter bem claro que, antes de ser um
professor, ele é um educador, pois sua personalidade é norteada por valores e
princípios de vida, e consciente ou inconscientemente, explícita ou
implicitamente ele veicula esses valores em sala de aula, manifestando-os a
seus alunos. Assim, ao interagir com cada aluno em particular e ao se
relacionar com a classe como um todo, o professor não apenas transmite
conhecimentos, em forma de informações, conceitos e idéias (aspecto cognitivo),
mas também facilita a veiculação de ideais, valores e princípios de vida
(elementos da esfera afetiva), contribuindo para a formação da personalidade do
educando.
De acordo com nossa concepção, o educando é “uma pessoa que
se desenvolve, que atualiza suas possibilidades, que se ajusta e se reajusta,
mediante processos dinâmicos, orientados por valores que lhe conferem
individualidade e prospectividade”.
Quem assim concebe o educando, tende a valorizar ainda mais
a relação professor aluno, pois vê nessa interação um processo de intercâmbio
de conhecimentos, idéias, ideais e valores, que atua diretamente na formação da
personalidade.
A Importância Do Diálogo Na Relação Pedagógica
Como vimos, a construção do conhecimento é um processo
interpessoal. O ponto principal desse processo interativo é a relação
educando-educador. E esta relação não é unilateral, pois não é só o aluno que
constrói seu conhecimento. É verdade que o aluno, através desse processo
interativo, assimila e constrói conhecimentos, valores, crenças, adquire
hábitos, formas de se expressar, sentir e ver o mundo, forma idéias, conceitos
(e por que não dizer preconceitos?), desenvolve e assume atitudes, modificando
e ampliando suas estruturas mentais.
Mas também é verdade que o professor é atingido nessa
relação. De certa forma, ele aprende com seu aluno, na medida em que consegue
compreender como este percebe e sente o mundo, e na medida que começa a sondar
quais os conhecimentos, valores e habilidades que o aluno já traz de seu
ambiente familiar e de seu grupo social para a escola.
Assim, em decorrência dessa relação, o professor pode passar
a conhecer novas formas de conceber o mundo, que são diferentes da sua. Pode
também rever comportamentos, ratificar ou retificar opiniões, desfazer
preconceitos, mudar atitudes, alterar posturas.
Talvez seja por isso que Guimarães Rosa tenha escrito, em
seu livro Grande Sertão: veredas, que "mestre não é quem sempre ensina,
mas quem de repente aprende".
Nesse contato interpessoal instaura-se um processo de
intercâmbio, no qual o diálogo é fundamental. De um lado está o professor com
seu saber organizado, seu conhecimento cientificamente estruturado, sua forma
de se expressar na norma culta da língua, com os ideais e valores formais
aceitos e proclamados oficialmente pela sociedade e com seu grau de expectativa
em relação ao desempenho do aluno. Do outro lado está o aluno com seu saber não
sistematizado, difuso e sincrético, seu conhecimento empírico, com o modo de
falar próprio de seu ambiente cultural, com os ideais e valores de seu grupo
social e com um certo nível de inspiração em relação à escola e à vida.
Esse encontro do professor com o aluno poderá representar
uma situação de intercâmbio bastante proveitosa para ambos, em que o
conhecimento será construído em conjunto ou, ao contrário, poderá se
transformar num verdadeiro duelo, num defrontar de posições pouco ou nada
proveitoso para ambos.
Para haver um processo de intercâmbio que propicie a
construção coletiva do conhecimento, é preciso que a relação professor aluno
tenha como base o diálogo. É por meio do diálogo que professor e aluno juntos
constroem o conhecimento, chegando a uma síntese do saber de cada um.
O diálogo é desencadeado por uma situação-problema ligada à
prática. O professor transmite o que sabe, partindo sempre dos conhecimentos
manifestados anteriormente pelo aluno sobre o assunto e das experiências por
ele vivenciadas. Assim, ambos podem chegar a uma síntese esclarecedora da
situação-problema que suscitou a discussão. Nesse momento de síntese, o
conhecimento é organizado e sistematizado, sendo novamente aplicado à prática,
agora já de forma estruturada.
Referindo-se ao diálogo na prática pedagógica, assim se
expressa Maria Teresa Nidelcoff: "Ao trabalhar corretamente com o problema
das subculturas, o professor procura captar toda a riqueza que as crianças
trazem, para de fato aprender com elas. Portanto, não se relaciona com as
crianças como se fosse o único que tem algo a ensinar, nem vê as crianças como
seres nulos que devem aprender tudo; ao contrário, sabe que ele e as crianças
têm que se relacionar dentro de um mútuo intercâmbio de ensinar-aprender".
O professor Antonio Faundez, no seu lindo texto intitulado
Dialogue pour te développement et le développement du dialogue, salienta a
necessidade do diálogo no ato de construção do conhecimento ao comentar:
"Se analisarmos etimologicamente o verbo francês que indica a ação de
conhecer (connaître), perceberemos que é formado de duas partes (con-naître),
que significam 'nascer juntos', isto é, nascer com alguma coisa ou com alguém.
Portanto, o ato de conhecer é um nascimento partilhado, no qual dois seres
renascem. O que queremos salientar é que a construção do conhecimento é um
processo social e não apenas individual (...)". Trata-se de uma
reformulação compartilhada, na qual professor e aluno ensinam e aprendem um com
o outro, reestruturando-se. Nesse processo de conhecer e compreender a realidade,
o diálogo é fundamental, pois é através dele que ocorrerá o intercâmbio entre o
conhecimento popular de caráter empírico e o conhecimento cientificamente
organizado, "permitindo a criação de um novo tipo de conhecimento, capaz
de compreender a realidade a fim de transformá-la".
Também Georges Gusdorf, no seu cativante livro Professores,
para quê? ressalta a importância do diálogo no processo educativo. Esse
educador preconiza uma pedagogia do encontro e do contato vital (p. 226), na
qual a relação mestre-discípulo é o intercâmbio de duas existências. Trata-se
da confrontação do homem com o homem (p. 235). E o diálogo é a própria essência
da relação mestre-discípulo, que é uma relação de reciprocidade, uma
mobilização e um reagrupamento de energias (p. 102).
Para Gusdorf, a situação pedagógica é uma situação de
encontro existencial e de coexistência entre duas personalidades. É um diálogo
aventuroso, um colóquio singular entre dois seres que se expõem e se revelam um
ao outro (p. 206). Mestre é aquele que surge num dado momento e numa certa
situação como testemunha de uma verdade, representante de um ideal ou revelador
de um saber (p. 309). Assim, de acordo com a situação vivencial, todos nós
podemos ser mestres e discípulos, pois estamos sempre ensinando o que sabemos e
aprendendo o saber de outros. "Nada permite esclarecer melhor o mistério
do ensino. A verdade só pode surgir como resultado de uma busca e de uma luta
que cada um de nós tem que travar consigo próprio, por sua própria conta e
risco".
Fizemos aqui uma breve síntese do pensamento desses autores,
porque eles nos mostram que a atitude do professor, na sua interação com a
classe e nas suas relações com cada aluno em particular, depende da postura por
ele adotada diante da vida e perante o seu fazer pedagógico. Essa postura, por
sua vez, é o reflexo de suas concepções, sejam elas conscientes ou
inconscientes, sobre o homem, o mundo e a educação. Isto quer dizer que sua
maneira de perceber o mundo, conceber o ser humano e encarar a educação vai
refletir no modo como se relaciona com os seus alunos. De nada adianta conhecer
novos métodos de ensino, usar recursos audiovisuais modernos, se encaramos o
aluno com um ser passivo e receptivo. Portanto, nossa forma de ensinar e de
interagir com os alunos vai depender do modo como os concebemos (seres ativos
ou passivos?) e da maneira como encaramos sua atuação no processo de
aprendizagem.
Quando o professor concebe o aluno como um ser ativo, que
formula idéias, desenvolve conceitos e resolve problemas de vida prática
através da sua atividade mental, construindo, assim, seu próprio conhecimento,
sua relação pedagógica muda. Não é mais uma relação unilateral, onde um
professor transmite verbalmente conteúdos já prontos a um aluno passivo que os
memoriza.
Se o que pretendemos é que o aluno construa seu próprio
conhecimento, aplicando seus esquemas cognitivos e assimiladores à realidade a
ser aprendida e desenvolvendo o seu raciocínio, devemos permitir que ele exerça
sua atividade mental sobre os objetos e até mesmo uma ação efetiva sobre eles.
O aluno exerce sua atividade mental sobre os objetos quando opera mentalmente,
isto é, quando observa, compara, classifica, ordena, seria, localiza no tempo e
no espaço, analisa, sintetiza, propõe e comprova hipóteses, deduz, avalia e
julga. É assim que o aluno constrói o próprio conhecimento. Este tipo de
procedimento didático que parte do que o aluno já sabe, permitindo que ele
exponha seus conhecimentos prévios e suas experiências passadas, para daí
formar novos conhecimentos, cientificamente estruturados e sistematizados,
exige uma relação professor-aluno biunívoca, dialógica. Nessa relação o
professor fala, mas também ouve, ou seja, dialoga com o aluno e permite que ele
aja e opere mentalmente sobre os objetos, aplicando à realidade circundante
seus esquemas cognitivos de natureza operativa.
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