MISSÃO URBANA - I

MISSÃO URBANA - INTRODUÇÃO I

“A vida não me é mais preciosa que o laço sagrado que a liga ao bem estar público de nossa cidade” Calvino

Não há como negar que a cidade se apresenta como a próxima fronteira missionária , nos desafiando a entender a conjuntura sócio-cultural para que o trabalho missionário seja verdadeiramente salutar e produza frutos. É fato que no mundo inteiro as cidades estão enfrentando uma explosão demográfica. As cidades do hemisfério norte se apresentam mais urbana do que dos países do sul. 94% da população do Canadá e dos Estados Unidos já vivem na cidade, bem como 82% dos Europeus e 80% de todos os Russos. No entanto, apenas 36% de todos os Asiáticos e 45% de todos os Africanos morarão em cidades. Na América latina temos 73% de seus habitantes morando em cidades.

A migração de mais de um bilhão de pessoas para as cidades nas últimas duas décadas representa o maior movimento populacional da história. As cidades representam o grande desafio para as missões cristãs devido ao seu tamanho, sua influência e suas necessidades. Naturalmente elas são centros de poder político, de atividade econômica, de comunicação, de pesquisa científica, de instrução acadêmica e de influência moral e religiosa. O que acontece nas cidades acaba por afetar uma nação inteira e o mundo caminha na direção que as cidades seguem.

Os resultados de um crescimento de abrangência mundial tão rápido são evidentes em toda parte. Nas ruas de Nova Iorque vivem cinqüenta mil pessoas desabrigadas. Outras 27.000 vivem em abrigos temporários e estima-se que 100.000 famílias recebem abrigo em apartamentos de amigos e parentes. Em Bombaim, Índia, 1.000,000 de pessoas vivem em uma favela construída sobre um gigantesco depósito de lixo. Em Detroit, 72% dos adultos em idade de empregarem-se não encontram trabalho e provavelmente nunca o encontrarão. Esta é a cidade que Deus ama e pela qual Cristo morreu. Esta é a cidade onde está a igreja de Cristo e este é o lugar onde ela é chamada para ministrar.

No Brasil, como em muitos países, 80% das pessoas vivem nas cidades, ao contrário do que havia há poucas décadas, quando a maior parte vivia nas áreas rurais. Este é um grande desafio para as igrejas. As cidades têm grandes e graves problemas, próprios do crescimento urbano desordenado a que são submetidas, tais como concentração excessiva de pessoas, desigualdades sociais, problemas de habitação, favelas, falta de saneamento, de saúde, etc. No que tange à evangelização, as cidades oferecem facilidades e dificuldades, como veremos adiante. As igrejas precisam ter estratégias de trabalho para alcançar as cidades. Há diferenças, entre evangelizar numa Metrópole e num lugar interiorano. Em nosso curso de missiologia urbana procuraremos refletir sobre este importante aspecto de nosso ministério pastoral.

I. DEFINIÇÕES:

1.1. Definição de cidade:

Não existe um padrão mundial que defina uma cidade. Esta definição pode variar de país para país :

Na Dinamarca bastam 250 habitantes para uma comunidade urbana ser considerada uma cidade, e na Islândia, apenas 300 habitantes. Na França, um mínimo de 2 mil habitantes é necessário, e na Espanha, 10 mil habitantes. Organizações e empresas também podem possuir seus próprios critérios de "cidade". No Brasil, popularmente qualquer comunidade urbana com uma sede de município pode ser considerada uma cidade, independentemente de seu número de habitantes

Não obstante esta complexidade para definir a cidade, muitos pensadores e historiadores a definiram, e achamos oportuno apenas citar algumas :

No dicionário Michaelis (2002), cidade é definida como o centro urbano, sede de município, um aglomerado permanente, relativamente grande e denso, de indivíduos socialmente heterogêneos.

[Do lat. civitate.] Complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, ie, dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural; urbe: "Cidade é a expressão palpável da necessidade humana de contato, comunicação, organização e troca, -- numa determinada circunstância físico-social e num contexto histórico"

Uma cidade é uma área urbanizada, que se diferencia de vilas e outras entidades urbanas através de vários critérios, os quais incluem população, densidade populacional ou estatuto legal. A população de uma cidade varia entre as poucas centenas de habitantes até a dezena de milhão de habitantes. As cidades são as áreas mais densamente povoadas do mundo

Cidades são concentrações de pessoas vivendo muito próximas e interagindo umas com as outras sob alguma forma de incorporação municipal e governamental

Conceito de Missiologia urbana

Missiologia urbana é a disciplina ou ciência que pesquisa, registra e aplica dados relacionados com a origem bíblica, a história, os princípios e técnicas antropológicas e a base teológica da missão cristã na cidade.

A NECESSIDADE DE UMA MISSIOLOGIA URBANA

O fenômeno da urbanização requer uma missiologia urbana.

Urbanização é o processo pelo qual, em uma região particular, a porcentagem de pessoas vivendo em cidades tem um aumento relativo a população rural, com consequências na vida humana. Onde há rápida urbanização, há um declínio relativo na população rural.

Os problemas relacionados com a missão da Igreja na cidade exigem uma missiologia urbana. As necessidades do homem urbano tornam imperativo o estudo de uma teologia e uma práxis de evangelização compatíveis com os princípios e modelos bíblicos. Isto é, faz-se mister o estudo de missiologia urbana.

OBJETIVOS DO ESTUDO DE MISSIOLOGIA URBANA

1. Tomar consciência da realidade das cidades e seus desafios.

2. Considerar os fatos bíblicos e os princípios neles presentes, relacionados com missões urbanas.

3. Apreciar os métodos de missões urbanas, hoje adotados, com base nos princípios e modelos bíblicos.

4. Ensaiar a elaboração de um projeto de Missões urbanas, visando a evangelização das cidades.

O FENÔMENO DA URBANIZAÇÃO

O mundo passou por uma revolução profunda em termos demográficos nos dois últimos séculos, cujas mudanças populacionais acontecidas no campo e na cidade, alteraram completamente o quadro. O Dr. David Barret em sua obra World Christian Encyclopedia apresenta os dados estatísticos abaixo relacionados:

Ano.................................................................................% População Urbana

1800 A.D........................................................................3%

1900 A.D.........................................................................15%

1950 A.D.........................................................................21%

1978 A.D.........................................................................40%

2000 A.D........................................................................70-87%

O século XX começou com 15% da população mundial vivendo nas cidades e terminou com 15% vivendo fora das cidades.

Dentro de dezenove anos, o mundo sofrera uma mudança drástica. Pela primeira vez, desde que a história começou a ser registrada, a maior parte da população mundial viverá nas cidades principalmente nas cidades da Ásia, África, e América Latina. Essas cidades terão tamanho assustador e serão flageladas pelo desemprego,pela superpopulação e doença. Nelas os serviços tais como energia, água, saúde pública ou coleta de lixo, atingirão limites críticos.

Esta é uma lista das maiores cidades do mundo, por população (estimada para 2006) : Fonte: Almanaque Abril 2005

Rank Cidade População 2005 País Continente

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1 Tóquio 35,0 Japão Ásia

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2 Cidade do México 18,7 México América do norte

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3 Nova York 18,3 Estados Unidos América do Norte

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4 São Paulo 17,9 Brasil América do Sul

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5 Mumbai 17,4 Índia Ásia

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6 Délhi 14,1 Índia Ásia

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7 Calcutá 13,8 Índia Ásia

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8 Buenos Aires 13,0 Argentina América do Sul

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4.1. Cinco Fatores determinantes da urbanização

1. A industrialização: O processo de Industrialização provocou o crescimento das cidades, surgindo as cidades consideradas Megacidades.

2. O próprio crescimento natural da população (ver gráfico abaixo)

3. Desejo de melhores condições de vida: Estudo para os filhos, busca de melhores salários, busca de assistência médica,etc.

4. Atração dos grandes centros: A penetração da imagem das Tvs que iludem com expectativa de vida melhor nas cidades.

5. Mecanização da agricultura, trazendo a instabilidade Agrícola e o desemprego na zona rural.

Brasil – Taxas de natalidade e mortalidade

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Períodos Natalidade % / Mortalidade % / Cresc. Vegetativo %

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1872-1890 46,5 / 30,2 / 1,63

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1891-1900 46,0 / 27,8 / 1,82

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1901-1920 45,0 / 26,4 / 1,86

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1921-1940 44,0 / 25,3 / 1,87

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1941-1950 43,5 / 19,7 / 2,38

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1951-1960 44,0 / 15,0 / 2,90

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1961-1970 37,7 / 9,4 / 2,83

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1971-1980 34,0 / 8,0 / 2,60

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1980-1991 26,9 / 8,0 / 1,89

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1991-1996 21,8 / 8,0 / 1,38

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Fonte: IBGE - Contagem da População

 

MISSÃO URBANA - INTRODUÇÃO II

O presente estudo da questão da Missão Urbana trabalha três elementos chaves :

A fundamentação bíblico-teológica, o conhecimento do processo de urbanização e as ações propostas para a comunidade local.

É desejável que cada pessoa, em seu ministério específico, aprofunde o estudo aqui iniciado. Para auxiliar esta tarefa, no final do texto, proponho uma indicação bibliográfica.

Ao tratar o tema “Missão Urbana” é imperioso que fique bem claro com que conceito ou visão missionária a gente trabalha. Eu trabalho com a visão da Missão Integral que se caracteriza pela seguinte compreensão :

Apresentar, fundamentar e sustentar teologicamente a Missão de Deus confiada à Igreja, que consiste em:

Anunciar o amor de Deus revelado em Jesus Cristo que abrange :

A salvação das pessoas, a transformação da sociedade e a preservação de sua boa criação.

Estudiosos da Missão urbana afirmam que o vocábulo “cidade” ocorre mais de um mil e quatrocentas vezes ao longo da Bíblia. Na maioria delas, cidade é traduzida das palavras IHR do hebraico e PÓLIS do grego. O significado usual do termo nem sempre corresponde a estes dois conceitos. Assim, por exemplo, no AT quando autores se referem a Jerusalém ou Judá, podem designar o povo de Israel, como um todo, não apenas a sua cidade (Is 3.1). No NT, o termo pólis pode ser usado para referir-se, simplesmente, a um pequeno povoado, que nada tem a ver com o conceito grego de cidade-estado: “andava de Jesus de cidade em cidade...”(Lc 8.1). Há, contudo, ao longo da Bíblia, uma espécie de fio condutor que identifica a cidade como centro de onde emanam as ordens que governam um povo. A cidade, a rigor, é vista no AT como sede de governo - centro do poder. Este poder está a serviço da dominação religiosa, militar ou econômica, ou pela conjugação destes. Neste caso, trata-se de um império ou ditadura. O povo de Deus, através de seus profetas, exige um governo justo que promova a paz social e a prosperidade (o shalom de Deus). Esta exigência é reclamada de todas as nações e não se limita, portanto, ao povo de Deus. Com isto fica claro, desde logo, que a tarefa da Missão Urbana não se limita à vida na comunidade mas visa a toda a cidade. Não se restringe, portanto, à vida religiosa. Sonha certamente com a transformação social dentro do melhores padrões da ética, justiça e sustentabilidade.

A PERCEPÇÃO BÍBLICA DA CIDADE

Missiologia são as duas palavras de raiz grega que compõem o termo ‘missiologia’. Logia significa ‘estudo’. Missio significa ‘concernente à missão’. Portanto, dentro de um contexto cristão, com o propósito de equipar-se ao trabalho urbano, escolar ou acadêmico, falar de missiologia é tratar sobre estratégias contextuais de alcance. ‘Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do Poder seja de Deus, e não de nós’ 2 Coríntios 4.7

A partir deste tema, serão analisados os seguintes pontos : Existe algo como uma “Teologia da Cidade” ou : “hermenêutica da cidade”? Os “paradigmas”: Babilônia e Jerusalém. A cidade, vista como Babilônia é o símbolo da violência e da perversão. Seus construtores são : Ninrode - proto-monarca (Gn 10.8-12; Gn 11.1-9). As advertências proféticas contra a monarquia : a Fábula de Jotão (Jz 9.7ss) - crítica ao desejo do povo de escolher um rei guerreiro. A advertência de Samuel para o custo da monarquia (I Sm 8.1ss). 2.1.

A cidade vista como Babilônia, símbolo do poder e da violência No AT, o povo de Deus sente-se, quase permanentemente, ameaçado pelas cidades. Não por qualquer uma nem pela cidade em si mas pelas cidades como centros do poder monárquico, totalitário. Babilônia simboliza esta cidade sanguinária, violenta e perversa. A origem da cidade, tanto na Bíblia como na pesquisa secular, permanece como algo distante na história, nem sempre bem esclarecido. Aqui se trata de olhar a cidade como é apresentada ao longo das Escrituras, onde está vinculada à dominação ou a vontade de exercer o poder governamental. Caim é apresentado como o primeiro construtor de cidade (Gn 4.17). Não há comentários sobre esta.

É provável que tenha servido como refúgio e segurança para o fugitivo Caim. O segundo construtor de cidade é apresentado como um caçador: Ninrode. Curiosamente, o que Ninrode (Gn 10.8-12) caçava não eram animais selvagens (embora todo dominador fosse hábil neste ofício). Na verdade, caçava as riquezas das cidades e povoados vizinhos. Assim, acumulava a fama e fortuna, até tornar-se homem poderoso, uma espécie de proto monarca, fundador das cidades que sediaram os impérios bélicos da antiguidade. Israel sentia-se ameaçada e sofria sob a ação militar destes impérios. A narrativa ou parábola da construção da torre de Babel (Gn 11.1-9) segue a mesma lógica. A torre – migdal no hebraico – é uma fortaleza militar, símbolo da dominação (compare Dt 1.28;9.1).

Os mandantes desta gigantesca obra tinham sonhos imperiais. O povo de Israel, por sua vez, nômade ou seminômade muitas vezes, foi vítima de incursos militares e saques comandados por monarcas urbanos. Por isso, a tradição profética expressa, com veemência, seu repúdio ao Estado Monárquico. A fábula de Jotão (Jz 9.7-15) e a advertência de Samuel (1 Sm 8,1ss) são alertas para o ilimitado poder do Estado Monárquico.

Além disso, o poder político, no passado como agora, vincula-se aos melhores aliados: o exército, a religião, o mercado (a economia) e as alianças entre uns e outros. Um exemplo desta aliança ocorre no julgamento de Jesus. Foi condenado pela cumplicidade da religião (que via seus lucros ameaçados) aliado ao Estado. Nenhum Império, por poderoso que seja, é eterno.

Deus continua sendo o Senhor da história. (A superação da Babilônia ocorrerá com a derrocada do mercado (Ap 18-19) e o triunfo do Rei dos Reis e Senhor dos Senhores – Jesus e a instauração da cidade celeste, a Nova Jerusalém (Ap 21-22)). Assim, ao longo do AT, a cidade, como centro de poder e dominação, é identificada como sendo Babilônia. Simboliza a encarnação da violência, a dominação e a perversidade. Embora seja uma criação humana, fruto da cultura, e não criação de Deus, isto não significa que esteja entregue ao capricho de governantes inescrupulosos. Deus reclama um outro perfil para a cidade.

A cidade como espaço de misericórdia, justiça e paz. Em contraste à cidade dominada pela violência, Jerusalém aparece na Bíblia de duas formas distintas : é a cidade capital espiritual de Israel e, ao mesmo tempo, portadora de um símbolo : simboliza a cidade da justiça e da paz.

É apresentada como a encarnação (idealização) da cidade da compaixão, da misericórdia, da justiça e da paz, cuja origem remonta a Melquisedeque, Rei de Salém, Rei da Justiça que abençoa Abrão (Gn 14.18-20). Historicamente, a cidade de Sião era uma fortaleza militar dos jebuseus, conquistada somente por Davi e transformada em capital espiritual do povo de Deus. (Js 15.63 e 2 Sm 5.6-11) Ao longo do AT, Deus reclama a cidade como espaço de misericórdia. Este tema é expresso através de vários autores sagrados : a oração de Abrão sobre Sodoma (Gn 18,16ss), o tema da superação da violência e da impunidade ressaltado na criação das cidades de refúgio (Nm 35.9-15; Dt 4.41-43;19,1- 3), a desconcertante compaixão de Javé por Nínive que surpreende Jonas e sua moral religiosa (Jonas), a carta de Jeremias aos exilados - uma demonstração de como Javé preza a paz da cidade ( Jr 29), a atitude compassiva de Neemias na reconstrução da Jerusalém arruinada... apenas alguns entre muitos outros exemplos.

Todos destacam que Deus não têm prazer na destruição da cidade violenta mas deseja sua conversão. A culminância do símbolo Jerusalém encontra-se na Nova Jerusalém (Ap 21-22). Nela, reinará a plenitude da vida relacional e ecológica. É o paraíso urbano. Todo tecido social será perpassado pela vida em plenitude.

MISSÃO URBANA - AS CIDADES NA BÍBLIA

O termo cidade na Bíblia ocorre mais de 1.600 vezes no Antigo Testamento e 160 vezes no Novo Testamento, sem contar as vezes em que nomes de cidades são usados. As primeiras cidades surgiram por volta do ano 3.500 a. C.

A primeira cidade mencionada na Bíblia é a cidade fundada por Caim - “Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque”. (Gn 4:17). O contexto em que esta cidade é apresentada é muito importante. Caim estava discutindo com Deus sobre o que ele havia feito para com seu irmão e qual seria o julgamento de Deus sobre ele. Caim reclama de que ele não suportaria aquele castigo e Deus, cheio de compaixão em sua graça, permite que Caim não fique em completo desespero, sem nenhuma proteção. Caim ficou contente com a solução divina porque ele não ficou solto num mundo em anarquia total. A ele foi permitido se encontrar com outras pessoas e, inclusive, construir uma cidade. Conseqüentemente a cidade em si não era uma coisa ruim; ela surgiu diretamente da graça de Deus. Kline até argumenta que a construção de cidades era o propósito do “Mandado Cultural”

Se o conceito da cidade não está errado em si próprio, qual é o problema então ? O problema é o uso que foi feito dela pelo homem caído que estragou o propósito da cidade. Quando Caim inaugura a cidade ele a nomeia em homenagem a seu filho chamado Enoque. Desde o recomeço Caim comete o mesmo erro que o levou a matar a seu irmão. Ele estava mais preocupado em edificar seu próprio nome ao invés de dar glórias a Deus por aquilo que Deus havia feito por ele. A narrativa mostra uma situação até pior com o progresso da genealogia. Lameque, um descendente direto de Caim, usa sua autoridade de líder da cidade para quebrar os mandamentos de Deus em relação à família : ele toma para si duas esposas. Como se isto não bastasse, ele também abusa da sua autoridade e estabelece leis opressivas para lidar com aqueles que não concorda com ele. As palavras de Lameque às suas esposas, claramente demonstram sua rebelião contra Deus: “Sete vezes se tornará vingança de Caim, de Lameque, porém, 70 vezes sete” (Gn 4:24). Isto é uma perversão do propósito divino para o estado.

Como Kline diz, também a cidade se torna o Templo do homem. Lameque, em suas próprias palavras está tentando ser como Deus.

Na área do mandato social, a evidência da desobediência e rebelião tornou-se mais predominante. Lameque casou-se com duas mulheres (Gn 4.19), quebrando a determinação de um macho e uma fêmea tornarem-se uma só carne (Gn 2.24). Ele assassinou um jovem em vingança por ter sido ferido; Lameque, arrogantemente, escarneceu de Deus dizendo que estava preparado para aceitar a vingança divina em um grau muito maior do que a que Caim teve (Gn 4.34). Moisés registrou que como "os homens começaram a crescer em número" (Gn 6.1), a revolta social piorou. A violência tornou-se um modo de vida (Gn 6.11). Casamentos que não honravam a Deus foram escriturados (Gn 6.1-2). Está claramente inferido que, no seu tempo, Noé era o único homem que tinha um casamento e uma família que honravam a Deus (Gn 6.9).

A corrupção espiritual estava integralmente envolvida na deterioração social e violência dentro do domínio social. O mandato de comunhão que o Rei Criador tinha colocado diante dos seus vice gerentes, havia sido desobedecido no Éden. Yahweh tinha feito a restauração se tornar possível. Alguns invocaram e caminharam com Yahweh. Mas, assim como as pessoas cresceram em número, existia mais e mais maldade sobre a terra. A raiz desta maldade estava no coração das pessoas; toda a inclinação do pensamento originada do coração "era somente má todo o tempo" (Gn 6.5). Note que o texto usa o termo "todo" duas vezes e o termo "somente". O grau extremo de depravação espiritual nos é, então, revelado.

A narrativa é interrompida neste ponto e a genealogia de Sete é apresentada, mas logo depois desta o autor volta ao tema da cidade dominada pelo homem. Em Gênesis 6, nós temos a razão porque Deus mandou dilúvio. O abuso de autoridade agora é ainda maior. O número de pessoas aumentou e o número de casamento também, e no versículo 5 nós vemos que a maldade continuava e o desígnio do coração era continuamente mau.

Provavelmente a pior fase desta narrativa é a atitude dos lideres (Gn 6:2). Eles se chamavam a si mesmos Filhos de Deus. Eles falam como se Deus não estivesse no controle e também agem como Deus e tomam as responsabilidades de Deus, como se fossem seus filhos. Deus não poderia mais aguentar esta situação e então Ele os destrói com o dilúvio.

Com o remanescente desta destruição, Noé e sua família, Deus começa aquilo que poderia ser chamado de a “re-criação”. Os paralelos entre a criação original e esta não é somente simbolismo, mas um paralelo nas próprias palavras de Deus. O mesmo caos em água aparece nos dois episódios. Mas o mais imprescindível é que o “Mandado Cultural” é repetido em Gn 9:1. Isto é um sinal claro de um novo começo. Infelizmente é a história do homem tentando tomar outra vez lugar de Deus. O propósito é claro : eles querem uma cidade que engrandeça o nome deles, ao invés de irem, através da Terra, como Deus ordenara (Gn 11:4).

Este estado de apostasia se tornou mais uma vez insuportável para Deus. Entretanto, Ele se mantém fiel a sua Aliança com Noé e não destrói o povo. Deus apenas promove uma confusão na língua deles, de maneira que eles abandonam aquele projeto e fazem aquilo que eles deveriam ter feito desde o começo (Gn 11:6-7).

Como podemos perceber, a Escritura fala amplamente da cidade. Ela é uma realidade com a qual a igreja deve se preocupar. A reflexão cristã sobre a cidade deve ser uma prioridade por parte da igreja. A história, a geografia, a sociologia, o urbanismo, para não mencionar as ciências afins, estudam a cidade. Penso que não seria muito que a teologia também a estudasse.


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