BIBLIOLOGIA - O CÂNON BÍBLICO
O Cânon Bíblico Do Antigo Testamento
A palavra "cânon" é de origem cristã e derivada do vocábulo grego "kanon" que por sua vez provavelmente veio emprestado do hebraico "kaneh", que significa “junco” ou “vara de medir”; (Ez 40.5) daí tomou o sentido de norma ou regra. Mais tarde veio a significar regra de fé e, finalmente, catálogo ou lista (Gl 6.16)
A palavra cânon, usada para designar a coleção dos livros que integram as Sagradas Escrituras, não aparece até o século IV, com Atanásio. Dão-se à palavra dois usos distintos, mas de certo modo relacionados: “Em primeiro lugar, ela é usada para indicar uma coleção daqueles livros aos quais se tenha aplicado determinada prova e que foram reconhecidos como autênticos e 'canônicos'. Logo, aplica-se o termo a toda a coleção de escritos, posto que ela constitui o cânon ou 'regra de fé' mediante a qual toda doutrina deve ser provada" (HAMMOND, 1978, p. 36)
O cânon do Antigo Testamento ainda não havia sido fixado no tempo do Novo Testamento, mas quando os judeus da Palestina, em fins do século I, fixaram o cânon de suas Escrituras, este incluía todos os livros que atualmente temos em nossas versões. O uso que se fez desses livros nos tempos do Novo Testamento permaneceu testemunhado em cada página deste último livro; e uma rápida olhada nas referências de nossas Bíblias nos dará uma idéia de quão profundo e sistemático foi esse uso. Mas essas Escrituras não eram suficientes "para o bem-estar da Igreja, para a pureza do evangelho e para a direção do crente; por isso, aprouve a Deus chamar à existência uma graphé cristã, o cânon do Novo Testamento que a Igreja acrescentou à graphé do Antigo Testamento" (RAMM, 1967, p. 177).
Divisões Do Antigo Testamento
O próprio Senhor Jesus Cristo deu seu apoio de legitimidade a todo o Antigo Testamento; fez citações de cada uma de suas divisões; porém, nunca citou qualquer outro livro, nem deu a entender que existam outros livros inspirados. Sabemos que existiam muitos outros livros escritos na língua hebraica, dos quais cerca de 15 ou mais são mencionados no Antigo Testamento mesmo (o livro dos Justos, em Js 10.13; 2Sm 1.18; o livro das Guerras do Senhor, em Nm 21.14).
Como foram escolhidos os 39 livros do meio de tantos outros? A verdadeira prova é sua inspiração. Se Deus falou pelo Espírito por intermédio de algum escritor humano, então o tal livro é inspirado e útil para os propósitos de Deus. Os livros que têm esse selo divino foram reconhecidos como divinos tanto pelo povo comum como pelos líderes e sacerdotes, e o tempo mostrou gradualmente que a seleção fora bem feita.
Tais livros foram escritos entre 2000 e 400 a.C. O livro de Jó, com muita probabilidade, data do tempo dos próprios patriarcas, e o livro de Malaquias foi escrito entre 425 a 400 a.C. Muitos outros escreveram depois de Malaquias, mas os judeus consideravam esses escritos tão somente como histórias humanas. Entre os judeus, o Antigo Testamento tem três divisões, as quais Jesus citou em Lc 24.44 – Leis, Profetas, Escritos -, algumas traduções trazem Salmos por ser o primeiro livro dos Escritos. O cânon hebraico apresenta unificação de alguns livros: 1,2 Samuel; os dois dos Reis; os dois Crônicas; Esdras e Neemias; os doze profetas menores são um livro cada.
A ordem dos livros no cânon hebraico é também diferente da nossa. Há uma tríplice divisão como já mencionamos (Lei, Profetas e Escritos). Lei: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Profetas: Primeiros Profetas - Josué, Juízes, Samuel e Reis; últimos Profetas - Isaías, Jeremias, os Doze. Escritos: Divididos em Livros Poéticos - Salmos, Provérbios e Jó; os Cinco Rolos - Cantares, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester. Livros Históricos: Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas.
Os Cinco Rolos eram assim chamados porque eram rolos separados, lidos anualmente em festas distintas: Cantares, na Páscoa, em alusão ao Êxodo. Rute, no Pentecoste, na celebração da colheita, em seu início (Primícias). Ester, na festa do Purim, comemorando o livramento de Israel da mão do mau Hamã. Eclesiastes, na Festa dos Tabernáculos – festa de gratidão pela colheita. Lamentações, no mês de Abibe, relembrando a destruição de Jerusalém pelos babilônicos. No cânon hebraico os livros não estão em ordem cronológica. Os judeus não se preocupavam com um sistema cronológico.
Já a nossa divisão do Antigo Testamento em 39 livros vem da Septuaginta
oriunda da Vulgata Latina. A Septuaginta foi à primeira tradução das
Escrituras, feita do hebraico para o grego, cerca de 290 a.C. Nela a ordem dos
livros está por assunto: Pentateuco, Históricos, Poéticos e Proféticos.
A Formação E Desenvolvimento Do Cânon Do Antigo Testamento
O Cânon do Antigo Testamento foi formado num espaço de um pouco mais de mil anos e corresponde o período de Moisés a Esdras. Moisés escreveu as primeiras palavras do Pentateuco por volta de 1491 a.C. Esdras entrou em cena em 445 a.C. Esdras não foi o último escritor na formação do cânon do Antigo Testamento. Os últimos escritores foram Neemias e Malaquias, no entanto, de acordo com os escritos históricos, foi Esdras que, na qualidade de escriba e sacerdote, reuniu os rolos canônicos, ficando também o cânon encerrado em seu tempo (GILBERTO, 1986, p. 52).
A doutrina da inspiração da Bíblia foi completamente desenvolvida apenas nas páginas do Novo Testamento. Mas, muito antes disso, já encontramos na história de Israel certos escritos reconhecidos como autoridade divina e como regra escrita de fé e conduta para o povo de Deus. Identificamos isso na resposta do povo, quando Moisés leu para eles o livro do concerto (Êx 24.7), ou quando o Livro da Lei, achado por Hilquias, foi lido primeiro para o rei e depois para a congregação (2Rs 22-23; 2Cr 34), ou ainda quando Esdras leu o Livro da Lei para o povo (Ne 8.9, 14-17; 10.28-39; 13.1-3). O Pentateuco é tratado com a mesma reverência em Josué 1.7, 8, 8.31 e 23.6-8; 1 Reis 2.3, 2 Reis 14.6 e 17.37, Oséias 8.12, Daniel 9.11,13, Esdras 3.2, 4, 1 Crônicas 16.40, 2 Crônicas 17.9, 23.18, 30.5,18, 31.3 e 35.26. Apresenta-se basicamente como obra de Moisés, um dos primeiros e certamente o maior profeta do Antigo Testamento (Nm 12.6-8; Dt 34.10-12). Deus comumente falava por Moisés de viva voz, como também fez mais tarde com os profetas, mas a atividade de Moisés como escritor também é mencionada muitas vezes (Êx 17.14; 24.4, 7; 34.27; Nm 33.2; Dt 28.58, 61; 29.20-27; 30.10; 31.9-13, 19, 22, 24-26).
A razão de Moisés e os profetas registrarem por escrito a mensagem de Deus, não se contentando apenas em entregá-Ia oralmente, era que às vezes a enviavam a ou-tros lugares (Jr 29.1; 36.1-8; 51.60, 61; 2Cr 21.12). Mas, na maioria das vezes, era para preservá-Ia para o futuro, como um memorial (Êx 17.14) ou uma testemunha (Dt 31.24- 26), a fim de que ficasse escrita para o tempo vindouro (Is 30.8). Portanto a forma permanente e durável da mensagem de Deus não era sua forma falada, mas sua forma escrita, e isso explica o surgimento do cânon do Antigo Testamento.
Vemos conforme o caso do livro do concerto, cuja alusão reporta-se a Êxodo 24.7, que foi possível um documento pequeno, como Êxodo 20-23, tornar-se canônico antes que toda a obra estivesse concluída. Deuteronômio também já era con-siderado canônico mesmo no tempo em que Moisés vivia (Dt 31.24-26), pois foi colocado ao lado da arca do concerto. Contudo, a parte final de Deuteronômio foi escrita depois da morte de Moisés. Notamos também numerosas referências ao Pentateuco (no todo ou em parte) como canônico, em outros livros do Antigo Testamento, que continuaram a ocorrer na literatura existente entre os dois Testamentos. Sem dúvida, a causa disto, deve-se à sua importância fundamental. Entretanto, outra possível razão para tantas referências ao Pentateuco, é o fato de ter sido a primeira seção do Antigo Testamento a ser escrita e reconhecida como canônica.
Ninguém duvida que, pela época de Esdras e Neemias (século V a.C.), o Pentateuco já estava completo, como também já era canônico, sendo há muito considerado como tal. Foi traduzido para o grego no século III a.C., tornando-se desse modo na primeira porção da Septuaginta. Desde meados do século II a.C., temos evidências que comprovam que todos os cinco livros, já eram atribuídos a Moisés.
O Desenvolvimento Da Segunda E Terceira Seções Do Cânon - Profetas E Escritos
O restante da Bíblia hebraica tem uma estrutura diferente em relação à Bíblia em português. Está dividida em duas seções: os Profetas e os Hagiógrafos (gr. escritos sagrados). Os Profetas abrangem oito livros: os livros históricos de Josué, Juízes, Samuel e Reis (encontram-se nesta divisão porque segundo uma antiga tradição foram escritos por alguns profetas), os livros proféticos de Jeremias, Ezequiel, Isaías e os Doze (os Profetas Menores). Os Hagiógrafos compreendem 11 livros: os livros líricos e sapienciais de Salmos, Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cantares de Salomão e Lamentações de Jeremias, e os livros históricos de Daniel, Ester, Esdras-Neemias e Crônicas. Esta é a ordem tradicional, segundo a qual o remanescente livro hagiógrafo, Rute, vem antes de Salmos, visto que termina com a genealogia do salmista Davi. Na Idade Média, esse livro foi colocado em uma posição mais adiante, ao lado de outros quatro livros de brevidade similar (Cantares de Salomão, Eclesiastes, Lamentações de Jeremias e Ester). É digno de nota que na tradição judaica Samuel, Reis, os Profetas Menores, Esdras-Neemias e Crônicas sejam computados cada um como um único livro. Isso pode ser uma indicação da capacidade média de um rolo de pergaminho hebraico no período em que os livros canônicos foram pela primeira vez alistados e contados.
O agrupamento dos livros não é arbitrário, mas segue o padrão das características literárias. Metade do livro de Daniel compõe-se de narrativa, e nos Hagiógrafos (segundo a ordem tradicional) é colocado junto com as histórias. Visto que há histórias na Lei (cobrindo o período da criação até Moisés) e nos Profetas (abrangendo o período de Josué até o fim da monarquia), então por que também não poderia haver histórias nos Hagiógrafos, que tratam do terceiro período, da ida e volta do exílio babilônico? Crônicas é posto por último entre as histórias, como um sumário de toda a narrativa bíblica, de Adão até a volta do exílio. É evidente que quando Crônicas foi escrito, o cânon dos Profetas não estava completamente concluído, pois as fontes citadas ali não são de Samuel e Reis, mas provêm de histórias proféticas mais completas, as quais também parecem ter servido de fontes para Samuel e Reis. Os elementos mais antigos nos Profetas, incluídos em livros como Josué e Samuel, são certamente antiqüíssimos, como também são os elementos mais antigos nos Hagiógrafos, inseridos em livros como Salmos, Provérbios e Crônicas. Tais elementos podem ter sido reconhecidos como canônicos antes mesmo do complemento da primeira seção do cânon. Os últimos elementos dos Hagiógrafos, como Daniel, Ester e Esdras-Neemias, pertencem ao final da história do Antigo Testamento.
A Conclusão Da Segunda E Terceira Seções Do Cânon
A data em que os Profetas e os Hagiógrafos foram organizados em seções distintas foi provavelmente 165 a.C. A tradição de 2 Macabeus, fala sobre uma grande crise na história do cânon: Da mesma forma, também Judas [Macabeu] recolheu todos os livros que tinham sido dispersos por causa da guerra que nos foi feita, e eles estão em nossas mãos (2 Macabeus 2.14). A "guerra" mencionada aqui é a dos macabeus pela libertação do perseguidor sírio Antíoco Epifânio. A hostilidade de Antíoco contra as Escrituras está registrada em 1 Macabeus 1.56, 57, e é bem provável que, finda a perseguição, Judas tenha precisado reunir cópias delas. Judas sabia que fazia longo tempo que o dom profético havia cessado (1 Macabeus 9.27), assim é aceitável supor que, ao reunir as Escrituras que haviam sido dispersas, ele organizou e relacionou a coleção completa na ordem tradicional. Visto que os livros ainda se apresentavam em rolos separados, os quais tinham de ser "recolhidos", o que Judas produziu não foi um volume, mas uma coleção e uma lista de livros na coleção, dividida em três.
Ao preparar a lista, Judas provavelmente definiu não apenas a divisão estável entre Profetas e Escritos, mas também a ordem tradicional dos livros e o número tradicional de livros dentro de cada divisão. Uma lista de livros precisa ter uma ordem e um número. A ordem tradicional dos livros traz Crônicas como o último dos Hagiógrafos. Essa posição para Crônicas pode ser remontada ao século I d.C., visto estar refletida nos ditos de Jesus em Mateus 23.35 e Lucas 11.51, onde a frase "desde o sangue de Abel até ao sangue de Zacarias" provavelmente significa todos os profetas martirizados do início ao fim do cânon, de Gênesis 4.3-15 a 2 Crônicas 24.19-22.
Do Cânon Judaico Ao Cristão
No Novo Testamento, encontramos Jesus reconhecendo as Escrituras judaicas pelos seus diversos títulos conhecidos e aceitando as três seções do cânon judaico e a ordem tradicional de seus livros. Descobrimos também que para a maioria dos livros é individualmente imputada autoridade divina - mas não para qualquer um dos livros apócrifos. A única exceção evidente encontra-se em Judas 9 (que cita a obra apócrifa a Assunção de Moisés) e 14 (que cita o Livro de Enoque). As citações que Judas faz dessas obras não significa que cria serem elas divinamente inspiradas, assim como a citação de Paulo de diversos poetas gregos (vide At 17.28; 1Co 15.33; Tt 1.12) não atribui inspiração divina à poesia deles. O que evidentemente aconteceu nos primeiros séculos do Cristianismo foi isto: Jesus passou para seus seguidores, como Escrituras Sagradas, a Bíblia que Ele havia recebido, contendo os mesmos livros da Bíblia hebraica dos dias atuais. Os primeiros cristãos compartilharam com seus contemporâneos judeus um conhecimento completo da identidade dos livros canônicos. Entretanto, a Bíblia ainda não estava entre duas capas: era uma lista memorizada de rolos. A ruptura com a tradição oral judaica (em alguns casos, uma ruptura muito necessária), a alienação entre judeus e cristãos e a ignorância geral das línguas semíticas nas igrejas fora da Palestina e da Síria fizeram com que surgisse dúvida no que dizia respeito ao cânon entre os cristãos, o que foi acentuado pelo preparo de novas listas de livros bíblicos, organizadas de acordo com outros princípios, e pela introdução de novos lecionários. Essa dúvida acerca do cânon somente pode ser resolvida como na reforma por um retorno aos ensinamentos do Novo Testamento e ao pano de fundo judaico, sobre o qual tais ensinamentos devem ser compreendidos.
Data Do Reconhecimento E Fixação Do Cânon Do Antigo Testamento
Em 90 d.C. Em Jâmnia, perto da moderna Jope, em Israel, os rabinos, num concílio sob a presidência de Johanan Ben Zakai, reconheceram e fixaram o cânon do Antigo Testamento. Houve muitos debates acerca da aprovação de certos livros, especialmente dos "Escritos". Note-se, porém que o trabalho desse concílio foi apenas ratificar aquilo que já era aceito por todos os judeus através de séculos.
O Cânon Do Novo Testamento
Há consenso entre teólogos que o Novo Testamento foi escrito dentro de um período de cinqüenta anos, vários séculos depois que o Antigo Testamento foi completado. Em relação ao tempo, o Antigo Testamento está tão distante de nós que sua formação como corpo escriturístico poderia ser considerado longínquo demais para a atestação de seu conteúdo. Tal não é o caso. Em certo sentido, temos atestações muito maiores para o cânon do Antigo Testamento do que para o cânon do Novo Testamento. Referimo-nos ao fato do próprio imprimátur (do lat. imprimatur, 'imprima-se') de nosso Senhor Jesus Cristo, pela maneira como fez uso das Escrituras hebraicas como a Palavra autoritária de Deus.
Não obstante, há um sentido no qual Jesus Cristo realmente oficializou o conteúdo ou cânon do Novo Testamento: pela via da antecipação. Foi Ele quem nos fez essas promessas: o “Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito e ele vos guiará em toda a verdade” (Jo 14.26; 16.13).
A partir disto podemos inferir, ao mesmo tempo, o princípio básico da canonicidade para o Novo Testamento. É idêntico ao do Antigo Testamento, visto que se restringe à questão da inspiração divina. Quer pensemos nos profetas dos tempos do Antigo Testamento ou nos apóstolos e seus companheiros dados por Deus nos dias do Novo Testamento, o reconhecimento na própria época de seus escritos de que eram autênticos porta-vozes de Deus é o que determina a canonicidade intrínseca de seus registros. Podemos estar certos de que os livros em questão foram recebidos pela Igreja dos tempos apostólicos, precisamente no momento em que foram atestados por um apóstolo como sendo dessa maneira inspirados. A variação evidente relativa à área geográfica, no reconhecimento de algumas das epístolas do Novo Testamento, pode muito bem ser o reflexo do simples fato de que, em princípio, essa atestação era por sua própria natureza localizada. De maneira inversa, o fato de cada um dos 27 livros do Novo Testamento hoje universalmente aceitos ter recebido aprovação definitiva é prova de que a atestação apropriada era dada somente depois de rigorosa investigação.
Tertuliano, notável escritor cristão das primeiras duas décadas do século lll, foi um dos primeiros a chamar as Escrituras cristãs de "Novo Testamento". Esse título havia aparecido antes (c. 190) em uma composição feita contra o montanismo, de autor desconhecido. Esse fato é significativo. Seu uso colocou as Escrituras do Novo Testamento em um nível de inspiração e autoridade igual ao do Antigo Testamento.
O processo gradual que conduziu ao completo e formal reconhecimento público de um cânon estabelecido em 27 livros, formando o Novo Testamento, leva-nos ao século IV de nossa era. Isso não significa necessariamente que antes desse período estivesse faltando reconhecimento para a integridade destas Escrituras, mas que a necessidade de uma definição oficial do cânon não foi premente até então.
Em relação ao Antigo Testamento um período de tempo muito mais curto esteja envolvido nos escritos do Novo Testamento, o alcance geográfico de sua origem é muito mais amplo. Essa circunstância já é suficiente para justificar a falta de reconhecimento espontâneo ou simultâneo da extensão precisa do cânon do Novo Testamento. Por causa do isolamento geográfico dos vários destinatários das porções do Novo Testamento, houve espaço para algum atraso e incerteza de uma região para outra no reconhecimento de alguns dos livros.
O princípio que determina o reconhecimento da autoridade dos escritos canônicos do Novo Testamento foi estabelecido dentro do próprio conteúdo desses escritos. Há repetidas exortações para a leitura pública das mensagens apostólicas. No fim da Primeira Epístola aos Tessalonicenses, possivelmente o primeiro livro do Novo Testamento a ser escrito, Paulo diz: "Pelo Senhor vos conjuro que esta epístola seja lida a todos os santos irmãos" (1Ts 5.27). Três capítulos antes, na mesma epístola, Paulo os recomenda a aceitarem suas palavras faladas como "palavra de Deus" (1Ts 2.13) e, em 1 Coríntios 14.37, o apóstolo fala de modo semelhante acerca de seus "escritos" (COMFORT, 1998, p. 97).
APÓCRIFOS,
PSEUDOPÍGRAFOS E PERGAMINHOS
Escritos Apócrifos
Nas Bíblias de edição da Igreja Católica Romana, o total de livros é de 73, porque essa igreja, desde o Concílio de Trento, em 1546, incluiu no cânon do Antigo Testamento 7 livros apócrifos, além de 4 acréscimos ou apêndices a livros canô-nicos, acrescentando, assim, ao todo, 11 escritos apócrifos.
A palavra apócrifo significa literalmente, escondido, oculto, isto em referência a livros que tratavam de coisas secretas, misteriosas, ocultas. No sentido religioso, o termo significa "não genuíno", "espúrio", desde sua aplicação por Jerônimo. Os apócrifos foram escritos entre Malaquias e Mateus, ou seja, entre o Antigo e o Novo Testa-mento, numa época em que cessara por completo a revelação divina; isto basta para tirar-Ihes qualquer pretensão de canonicidade. O Historiador Flávio Josefo rejeitou-os totalmente. Nunca foram reconhecidos pelos judeus como parte do cânon hebraico. Jamais foram citados por Jesus nem foram reconhecidos pela igreja primitiva.
Jerônimo, Agostinho, Atanásio, Júlio Africano e outros homens de valor dos primitivos cristãos, opuseram-se a eles na qualidade de livros inspirados. Apareceram pela primeira vez na Septuaginta - tradução do Antigo Testamento feita do hebraico para o grego. Quando a Bíblia foi traduzida para o latim, em 170 d.C., seu Antigo Testamento foi traduzido do grego da Septuaginta e não do hebraico.
Quando Jerônimo traduziu a Vulgata, no início do Século V (405 d.C.), incluiu os apócrifos oriundos da Septuaginta, através da Antiga Versão Latina, de 170 d.C., porque isso lhe foi ordenado, mas recomendou que esses livros não poderiam servir como base doutrinária.
Livros Apócrifos Do Antigo Testamento
Os 7 livros apócrifos constantes das Bíblias de edição católico-romana são: TOBIAS (Após o livro canônico de Esdras), JUDITE (após o livro de Tobias) SABEDORIA DE SALOMÃO (após o livro canônico de Cantares), ECLESIÁSTICO (após o livro de Sabedoria), BARUQUE (após o livro canônico de Jeremias), 1 MACABEUS, 2 MACABEUS (ambos, após o livro canônico de Malaquias). Os 4 acréscimos ou apêndices são: ESTER (a Ester, 10.4 -16.24), CÂNTICO DOS TRÊS SANTOS FILHOS (a Daniel, 3.24-90), HISTÓRIA DE SUZANA (Daniel, cap. 13), BEL E O DRAGÃO (a Daniel, capo 14). Os livros rejeitados são: 3 ESDRAS, 4 ESDRAS, A ORAÇÃO DE MANASSÉS. A Igreja Católica Romana aprovou os apócrifos em 18 de abril de 1546, para combater o movimento da Reforma Protestante, então recente. Nessa época, os protestantes combatiam violentamente as novas doutrinas romanistas: a doutrina do Purgatório, a doutrina da oração pelos mortos, a doutrina da salvação mediante obras etc. A Igreja Católica Romana via nos apócrifos base para essas doutrinas, e, apelou para eles, aprovando-os como canônicos.
Razões Da Rejeição Dos Livros Apócrifos
A razão porque 66 livros da Bíblia se harmonizam entre si é que a mesma mente divina inspirou a cada escritor. Se, por exemplo, João tivesse escrito algo que não concordasse com as obras de Moisés, seríamos obrigados a rejeitar seu Evangelho, as Epístolas e o livro do Apocalipse. Os primeiros livros constituem o critério para todos os outros chamados inspirados. Se as doutrinas dos livros apócrifos não concordam em cada ocasião com aquilo que Moisés escreveu, não devem achar-se no Cânon da Palavra Inspirada. Os livros apócrifos ensinam doutrinas que são contrárias ao que Moisés e outros profetas escreveram. Por essa razão não foram colocados entre os outros livros do Velho Testamento, nos dias de Esdras. Nem Cristo nem os apóstolos citaram os livros apócrifos. S. Jerônimo os rejeitou da Bíblia Latina, por não estarem escritos em hebraico.
Ensino Da Arte Mágica
Tobias 6.5-8. "Então, o anjo lhe disse: toma as entranhas deste peixe e guarde para ti seu coração, o fel e seu fígado. Pois são necessários para medicinas úteis [...] Logo, Tobias perguntou ao anjo e lhe disse: Eu te rogo, irmão Azarias, para quais remédios são boas essas coisas, que tu pediste separar do peixe. E o anjo, respondendo, lhe disse: Se puseres um pedacinho do seu coração sobre as brasas, seu fumo há de espantar toda a espécie de demônios, seja de um homem ou de uma mulher, de modo que não possam mais voltar a eles."
Dar Esmolas Purifica Do Pecado
Tobias 12.8,9. "A oração é boa como o jejum e esmolas; é melhor do que guardar tesouros de ouro, pois, esmolas livram da morte, e é o mesmo que espia os pecados e conduz à misericórdia e vida eterna". Se ofertas caridosas pudessem expiar os nossos pecados, não teríamos necessidade do sangue de Jesus Cristo.
Pecados Perdoados Pela Oração
Eclesiástico 3.4. "Quem amar a Deus, receberá perdão de Seus pecados pela oração". Os pecados não se perdoam pela oração. Se fosse assim, não teríamos necessidade de Jesus. Todos os povos pagãos fazem orações, mas os pecados não se perdoam somente pela oração. Pv 28.1; 1 Jo 1.9. Só Cristo, nosso Advogado, pode perdoar o pecado.
Orações Pelos Mortos
2 Macabeus 12.42-46, "E, fazendo uma arrecadação, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém para ser oferecido um sacrifício pelos pecados dos mortos, e fez bem em pensar religiosamente na ressurreição, (pois, se não tivesse esperança que os que haviam sido mortos ressuscitassem novamente, haveria de ser supérfluo e em vão orar pelos mortos). E considerava que, os que haviam adormecido no temor de Deus, alcançaram para si muita graça." A Igreja Católica afirma que estes versículos lhe autorizam a doutrina do purgatório. Orações e missas pelos mortos são aceitas e o devoto católico crê nelas. Excede a imaginação a quantidade de dinheiro que aflui todos os anos aos cofres da igreja pelas missas em favor dos mortos.
O Ensino Do Purgatório
Sabedoria 3.1-4. "Mas, as almas dos justos estão na mão de Deus; e o tormento da morte não as tocará. Aos olhos dos ignorantes pareciam eles morrer e sua partida foi considerada desgraça. E, sua separação de nós, por uma extrema perda. Mas, eles estão em paz. E, embora aos olhos dos homens sofram tormentos, sua esperança está plenamente na imortalidade." A Igreja Católica baseia a sua crença da doutrina do purgatório nestes versículos citados: "Embora aos olhos dos homens sofram tormentos, sua esperança está plenamente na imortalidade". "Os tormentos" nos quais se acham os "justos", diz a Igreja, referem-se ao fogo do purgatório, onde os pecados estão sendo expiados. "Sua esperança está plenamente na imortalidade", pois a igreja interpreta isso, declarando que após suficiente tempo de sofrimento no meio do fogo, poderão passar para o céu. 1Jo 1.7. Esse ensino aniquila completamente a expiação de Cristo. Se o pecado pudesse ser extinto pelo fogo, não teríamos necessidade do nosso Salvador.
O Anjo Relata Uma Falsidade
Tobias 5.15-19. "O anjo disse-lhe (a Tobias): Guiá-lo-ei para lá (o filho de Tobias) e o farei voltar a ti. E Tobias lhe disse (ao anjo): Eu te rogo, dize-me, de que família ou de que tribo és tu? E Rafael, o anjo, respondeu: [...] Eu sou Azarias, o filho do grande Ananias. Respondeu-lhe Tobias: Tu és de uma grande família". Se um anjo de Deus mentisse acerca de sua identidade, tornar-se-ia culpado de violação do nono mandamento. Lc 1.19. Confrontando esta declaração com o que está registrado no livro de Tobias, compreenderemos logo porque Cristo nunca Se referiu aos livros apócrifos.
Uma Mulher Jejuando Toda Sua Vida
Judith 8.5,6. "E ela fez para si um aposento separado no andar superior de sua casa no qual vivia com suas servas. Seu vestido era de cabelo de crina e ela jejuava todos os dias de sua vida, com exceção dos sábados, das luas novas e demais festas da casa de Israel." Esta passagem é parecida a outras lendas católicas romanas, com respeito a seus santos canonizados. Uma mulher dificilmente jejuaria toda sua vida, com exceção de um dia da semana e algumas outras ocasiões durante o ano. Cristo jejuou quarenta dias, porém não toda a Sua vida.
A igreja católica apega-se a estes livros não inspirados porque eles sancionam alguns de seus falsos ensinos, como: oração pelos mortos, salvação pelas obras, a doutrina do purgatório, dar esmolas para libertar as pessoas do pecado e da morte.
Apócrifos Do Novo Testamento
Trata-se de Evangelhos, Atos de Apóstolos e Epístolas, todos lendários e espúrios, que começaram a aparecer no século II. Foram forjados, na maior parte, e assim 11 Faculdade e Seminário Teológico Nacional Ensino à Distância reconhecidos desde o princípio. São tão cheios de histórias ridículas e indignas a respeito de Cristo e dos apóstolos, que nunca foram reconhecidos como divinos, nem incorporados à Bíblia. São tentativas deliberadas de preencher lacunas na história de Jesus, como é apresentada no Novo Testamento, com o fim de estimular idéias heróicas através de falsas afirmações. Sabe-se que houve uns 50 "Evangelhos" espúrios, além de muitos "Atos" e "Epístolas". A grande quantidade desses escritos forjados fez a Igreja Primitiva ver quanto era importante distinguir entre os falsos e os verdadeiros. Dizem que Maomé tirou largamente desses livros as idéias que tinha acerca do cristianismo. Neles está a origem de alguns dogmas da Igreja Romana. Não devem ser confundidos com os escritos dos “Pais Apostólicos". Vai, aqui, uma lista de alguns dos livros apócrifos mais conhecidos:
Evangelho de Nicodemos. Inclui os "Atos de Pilatos", pretenso relatório oficial do julgamento de Jesus ao imperador Tibério. Foi produzido entre os séculos II e V. Puramente imaginário.
Proto Evangelho de Tiago. Narrativa que vai do nascimento de Maria ao massacre dos inocentes. Contos que começaram a circular no século II. Foi completado século
O Passamento de Maria. Repleto de milagres ridículos culmina com a remoção do "seu corpo imaculado e precioso" ao Paraíso. Escrito no século IV, com o aparecimento do culto à Virgem.
Evangelho Segundo os Hebreus. Adições aos Evangelhos canônicos, com algumas frases atribuídas a Jesus. Meados de 100 d.C.
Evangelho dos Ebionitas. Compilado dos Ev. Sinópticos, no interesse da doutrina ebionita.
Evangelho dos Egípcios. Conversas imaginárias entre Jesus e Salomé. Entre 130 e 150 d.C. Usados pelos sabelianos.
Evangelho de Pedro. Meados do Século II. Buscado em Evangelhos canônicos. Escrito no interesse de doutrinas docetistas e anti-judaicas.
Evangelho de um Pseudo-Mateus. Século V. Falsa tradução de Mateus, repleta de milagres da infância de Jesus.
Evangelho de Tomé. Século II. Vida de Jesus, dos 1 aos 12 anos. Apresenta-o operando milagres para satisfação de seus caprichos infantis.
Natividade de Maria. Obra de ficção Século VI, premeditada, para fomentar o culto à Virgem. Histórias de visitas diárias de anjos a Maria. Com o surto do papado, tornou-se imensamente popular.
Evangelho Arábico da Infância. Século VII. História de Milagres operados durante a estada no Egito.
Evangelho do Carpinteiro José. Século IV. Originou-se no Egito. Dedicado à glorificação de José.
Apocalipse de Pedro. Pretensas visões do céu e do inferno concedidas a Pedro. Eusébio chamou-o "espúrio".
Atos de Paulo. Meados do Século II. Romance que aconselha a continência. Contém a suposta Epístola aos Coríntios que se perdeu.
Atos de Pedro. Fim do século II. Um caso de amor com a filha de Pedro. Conflito com Simão, o Mago. Contém a história do "Quo Vadis".
Atos de João. Fim do século II. História de uma visita à Roma. Puramente imaginária. Contém um quadro revoltante de sensualismo.
Atos de André. História de André, que persuade Maximila a evitar relações com o marido, o que resultou no martírio dele.
Atos de Tomé. Fim do século II. Como os Atos de André, foi criado com interesse da abstinência de relações sexuais.
Carta de Pedro a Tiago. Fim do século II. Ataca violentamente Paulo. Pura invenção no interesse dos ebionitas.
Epístola de Laodicéia. Diz ser a que é referida em Colossenses 4.16. Um aglomerado de frases de Paulo
Cartas de Paulo á Sêneca. E outras deste àquele. Invenção século IV. Objetivo: ou recomendar o cristianismo aos seguidores de Sêneca, ou recomendar este aos cristãos. A principal característica destes escritos é o fato de serem obras de ficção, que se apresentam como história, mas em sua maior parte são absurdos por tal forma que a falsidade deles evidencia-se por si mesma.
Cartas de Abgar. Estas podem ter alguma base, Eusébio assim pensava. Conta que Abgar, rei de Edessa, estando enfermo, ouviu falar do poder de Jesus. Escreveu-lhe uma carta pedindo que fosse curá-lo, ao que Jesus respondeu por escrito: “... é necessário completar aquilo para o que fui enviado; depois disso serei recebido em cima, por aquele que Me enviou. Quando, pois, Eu for recebido no céu, enviarei um dos Meus discípulos que te curará". Contam que foi Tadeu o enviado, a quem mostraram as Cartas a que ficaram arquivadas em Edessa. Possivelmente, Jesus mandou um recado verbal, que eles registraram.
Os Pseudopígrafos
São os livros escritos sob um nome fictício. Para outros são os escritos judaicos, extra bíblicos, não inspirados do Antigo Testamento. São considerados de valor no estudo do cânon, e alguns estudiosos os incluem no mesmo grupo dos apócrifos. Dentre os pseudopígrafos destacam-se:
O Livro de Enoque. A crítica textual não tem condições de localizá-lo exatamente em determinada época, mas deve pertencer ao período de 200 a.C. e as primeiras décadas do primeiro século da nossa era.
A Assunção de Moisés. Deve ter sido publicado no tempo de Cristo e procura narrar a história do mundo, em forma de profecia, desde Moisés até ao tempo do autor.
Os Oráculos Sibilinos. São obras judaicas que, à imitação das profecias pagãs de Sibila, pretendem divulgar o pensamento hebraico entre os gentios.
O Livro dos Jubileus. É um comentário sobre Gênesis, frisando que a Lei foi observada desde os mais remotos tempos. Recebe este nome pelo fato de dividir a história em períodos jubileus, isto é, quarenta e nove anos (sete semanas de anos).
O livro dos Segredos
de Enoque (2 Enoque). Descreve pormenorizadamente os sete céus e antecipa em mil anos o
reinado de Deus na terra.
O Apocalipse de Baruque. Alguns o atribuem ao escriba de Jeremias. Foi escrito, segundo os críticos, nas últimas décadas do primeiro século da nossa era.
O Apocalipse de Abraão. É uma obra judaica com passos de literatura do cristianismo. Pertence ao século I da nossa era.
Os Salmos de Salomão. Coletânea de dezoito salmos, escrita por um fariseu, que viveu na segunda metade do primeiro século da era cristã. O estilo é bastante semelhante ao dos Salmos que temos na Bíblia.
A Carta de Aristéias. É interessante por informar-nos das supostas circunstâncias em que foi feita a tradução do Velho Testamento hebraico para o grego.
Macabeus, 3 e 4. No III encontramos uma tentativa de massacre dos judeus no reinado de Ptolomeu Filopator. O 4 é um tratado filosófico ilustrando a tese do autor no caso dos mártires macabeus. Embora haja referências a estes livros na Bíblia (2Tm 3.8; Jd 9 e 14) não necessitamos aceitá-los como canônicos.
A literatura pseudopígrafa foi produzida entre 200 a.C., e 200 a.D. com o objetivo de encorajar e consolar a nação judaica durante as invasões dos sírios e romanos.
Os Rolos Do Mar Morto
No verão de 1947, tiveram início na Palestina, por obra de casual descoberta de um jovem beduíno, chamado Moâmede ad-Dib, encontros arqueológicos de excepcional importância: os chamados manuscritos do Deserto da Judéia, do Mar Morto ou ainda Manuscritos de Qunran. Ele tinha perdido uma cabra, por isso subiu penosamente a encosta, chamando pelo animal que continuava a elevar-se, a procura de alimento. Nesta sua busca ele deparou com uma cavidade, atirou para dentro dela uma pedra, apurando o ouvido para escutar a queda, a fim de determinar a sua profundidade. Qual não foi a sua surpresa, quando em vez do esperado ruído, seu ouvido percebeu um típico som de louça. Com esforço conseguiu olhar para dentro, notando com surpresa a existência de vários objetos cilíndricos, de grande tamanho. Amedrontado pela superstição, o moço fugiu rapidamente daquele sítio, e, à noite, comentou com um amigo a inusitada descoberta da caverna. No dia seguinte os dois se dirigem à gruta, e ao entrarem nela, encontram sete rolos. Levaram alguns para a tenda e ao desenrolarem ficaram surpresos com a sua extensão e por não entenderem nada do que neles estava escrito.
Os beduínos, indo regularmente a Belém para vender leite e queijo, certo dia, levaram também os pergaminhos, vendendo-os a um cristão sírio, dono de um armazém, conhecida pelo nome de Kando, que também por ignorar totalmente o valor deste achado, abandonou-os no chão da loja por vários dias, sendo estes pisados pelos que nela entravam. Certo dia, atentando melhor para aqueles pergaminhos, ocorreu-lhe a idéia de levá-los a Jerusalém para os vender no Convento Sírio de São Marcos. O superior do convento procura pessoas entendidas que estudassem os manuscritos, a fim de que ele pudesse ter uma idéia de seu real valor, assim sendo, um dos pergaminhos foi enviado ao Professor E. L. Sukenik, da Universidade Hebraica. Sukenik analisando-o, em profundidade, concluiu que o documento apresentava grande valor pelo seu conteúdo e considerável antiguidade.
A caverna na qual foram encontrados os manuscritos fica na região desolada e quente do Deserto de Judá dos dias bíblicos, cerca de doze quilômetros ao sul de Jericó, na altura do Uadi Qunran.
Os sete rolos retirados desta gruta eram bem diferentes, pois dois eram manuscritos do livro de Isaías, um completo e outro incompleto, um manual de Disciplina da Seita, uma coleção de Salmos e Ações de Graça, uma ordem de batalha para uma guerra apocalíptica entre os Filhos da Luz e os Filhos das Trevas, um Comentário ao livro de Habacuque. Todo este material foi publicado por Sukenik e pelos americanos. Além dos manuscritos já citados ainda foram encontrados documentos os mais diversos conto contratos de casamento, cartas do líder judeu Bar Cocheba, um hinário de mais ou menos quarenta salmos, cópias dos apócrifos de Eclesiástico e Tobias, além de trechos de pseudepígrafos como o de Enoque.
A gruta em que aqueles pastores entraram, e que marcou o início de uma fase histórica da arqueologia, recebeu o n.º 1. Não longe dela, encontrou-se, em fins de 1951, a gruta a que se deu o n.º 2. Continha fragmentos dos Salmos, os livros de Isaías, do Êxodo, de Rute, um documento litúrgico e o livro apócrifo dos Jubileus, que é uma paráfrase do Gênesis, selecionados pelos fariseus. Descobriu-se, depois, a gruta n.º 3, onde se encontraram 2 rolos de chapas de cobre, com textos gravados.
A gruta que deu colheita mais rica foi a de n.º 4. Continha 380 manuscritos, dos quais mais ou menos uma centena são de ordem bíblica. Seguiram-se as de n.º 5 e 6, que deram manuscritos de pouca importância bíblica e histórica. Em fins de 1955, revistaram-se as grutas que receberam os nos 7, 8, 9 e 10, todas contendo ora pergaminhos, ora papiros, tudo de pouca importância. Logo após, nos últimos dias de 1955, encontram-se outras duas séries de grutas, uma à margem do Uadi Murabaat, e outra à margem do Uadi Mird, sempre nos arredores do Mar Morto.
Os dois rolos de chapa de cobre mediam mais ou menos 2 metros de comprimento e uns 30 centímetros de largura. Durante 3 anos estudos foram feitos para que os rolos fossem abertos sem se estragar a escrita. Foi preparada uma máquina especial pelo Departamento de Tecnologia de Manchester, Inglaterra, para cortar o rolo, trabalho este levado a efeito no dia 16 de janeiro de 1956. Estes rolos podem ser vistos no Museu de Amã. Na escrita de um deles estava a relação de uns 60 esconderijos, nos quais, se encontrariam depósitos de ouro, prata ou caixas de incenso.
Três sociedades científicas: Departamento Arqueológico da Jordânia, Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém (Santo Estêvão) e o Museu Arqueológico Palestinense têm inventariado as riquezas destas grutas. Os fragmentos de manuscritos descobertos nas onze cavernas de Qunran são cerca de 600 e um quarto destes fragmentos contém textos bíblicos; com exceção do livro de Ester, todos os livros do Velho Testamento se acham ali representados. Os mais numerosos são dos livros de Isaías, de Deuteronômio e dos Salmos.
Quem Guardou Estes Manuscritos
Uma pergunta que vem à mente de todos é esta: quem foram as pessoas que moravam nesta região e copiaram os manuscritos encontrados nas grutas? Segundo a opinião dos eruditos seus habitantes pertenciam à seita judaica dos essênios, os quais ocuparam esta região entre 185 a.C. e 68 a.D.
Havia entre os judeus no tempo de Cristo as seguintes seitas: Os fariseus – legalistas e separados, observadores de tradições antigas, eram muito religiosos; os saduceus – conhecidos por sua oposição aos fariseus e por negarem a ressurreição. Eram incrédulos e livres pensadores; os essênios – muitas etimologias têm sido apresentadas para explicar a origem deste nome. The Interpreter's Dictionary of the Bible, cita pelo menos dez entre palavras gregas e hebraicas, salientando que os eruditos não têm nenhuma uniformidade em seus pontos de vista. Os essênios eram pessoas que estavam decepcionadas com a corrupção reinante em seus dias, por isso abandonaram a sociedade e se refugiaram em mosteiros para se dedicarem a uma vida de oração e ao estudo da palavra de Deus.
Origem Da Comunidade Essênica De Khirbet Qumran
Para o mosteiro de Khirbet Qumran podemos indicar diversos períodos de construção, como atestam as escavações realizadas entre 1951 e 1956. A primeira construção monástica, edificada em pedra, data do tempo do sumo sacerdote João Hircano (134-104 a.C.), da dinastia macabeu - asmonéia. Antes dessa época, os hassideus (essênios) tiveram que contentar-se com abrigos encontrados ao acaso. Uma figura característica que se encontra sempre de novo nos textos de Qumran é o anônimo 'mestre de nossa justiça', a quem a comunidade de Qumran deve a sua clara diferenciação dos outros grupos religiosos, antes de mais nada do culto e da hierarquia de Jerusalém, e que de várias maneiras, deu também impulso às normas de vida de Qumran.
Antes da primeira revolta judaica, por causa do avanço da décima legião sob o comando de Vespasiano, os manuscritos da biblioteca do mosteiro foram colocados a salvo (por volta do ano 68 d.C.). O próprio mosteiro foi destruído pelos romanos.
Durante a segunda revolta judaica (132-135), o lugar das ruínas e arredores constituíram um ponto de apoio para os combatentes da resistência judaica que se encontraram em torno de Bar Kokba, Com efeito, numa gruta ao sul de Qumran, foram encontrados, além de apetrechos sacrificais, vestes e moedas, também manuscritos da época entre 88 e 135 d.C., entre os quais uma carta de Bar Kokba."
Valor Dos Rolos Do Mar Morto
Embora o valor desta descoberta ainda não possa ser avaliado em toda a sua plenitude, há certos fatos já conhecidos que são os seguintes: Estes manuscritos são pelo menos 1000 anos mais velhos do que o mais antigo manuscrito hebraico que possuímos – O Códice Petropolitano escrito em 912 a.D; os manuscritos de Qumran são mais antigos do que os mais velhos fragmentos da Septuaginta existentes, quanto à história da evolução da escrita, fornecendo, portanto precioso material à Paleografia. Estes manuscritos foram copiados entre os séculos III a.C. e o primeiro século a.D.; antes desta descoberta pouco se sabia a respeito do judaísmo pré-cristão. Através do Manual de Disciplina conhecemos hoje muito dos seus costumes e maneira de viver; estes manuscritos vieram desfazer afirmações infundadas, concernentes ao trabalho dos copistas pré-massoréticos e ainda de que a Bíblia Hebraica de hoje fora organizada e emendada pelos massoretas.
Os estudantes da Bíblia não puseram tanto em dúvida as mudanças no texto quando foram acrescentadas as vogais e a pontuação para formar o texto Massorético, séculos depois de Cristo, pois sabiam que os copistas depois daquele tempo, preservaram com cuidado extremo cada jota e til do texto. Alguns críticos opinavam que os mais antigos copistas por não serem tão escrupulosos trataram o texto com mais liberdade, portanto havia diferenças consideráveis em nossa Bíblia.
Quando o texto hebraico de hoje foi comparado com os manuscritos de Qumran verificou-se surpreendente identidade de conteúdo. Os rolos do Mar Morto comprovam a validade do texto hebraico, tão cuidadosamente transmitido através dos séculos. O descobrimento destes rolos e de outros manuscritos mostrou a fragilidade dos argumentos da Alta Crítica, comprovando que o trabalho dos copistas e tradutores por dois mil anos não mudou a Palavra de Deus. Eles comprovaram que a maioria das variações de um manuscrito para outro são simplesmente questões de letras, palavras ou frases que não modificam suficientemente o sentido para influenciar alguma doutrina importante.
Fragmentos De Papiros Em Qumran
Numa das cavernas de Qumran foram encontrados muitos fragmentos de papiros e entre estes, o papirólogo espanhol, José O'Callaghn descobriu um trecho do Evangelho de São Marcos – correspondente aos versículos 52 e 53, do capítulo 6. Após este encontro, em março de 1972, o erudito espanhol, recorrendo a métodos técnicos, conclui que se trata de um manuscrito do ano 50 a.D. A história nos confirma que o General Vespasiano, no ano 68 a.D, tomou posse do mosteiro essênio de Qumran, ocasião em que seus habitantes esconderam os rolos nas cavernas, pensando em regressar mais tarde para recuperá-los.
Conclusões
Todo o cuidado e todos os avanços feitos pela ciência têm sido utilizados, quer na determinação das datas deste valioso material, quer na sua leitura e conservação. Assim foi descoberto um método com base na ciência atômica, para determinar a idade do material orgânico. Foi usando esse método, com o isótopo, "Carbono 14", que o Instituto Nuclear da Universidade de Chicago pode confirmar com precisão a opinião dos arqueólogos, segundo a qual o pano que envolvia os rolos, descobertos em 1947, datava do I século da era cristã. No Museu de Jerusalém, onde se encontra boa parte do material descoberto, documentos, à primeira vista ilegíveis, são decifrados graças à fotografia infravermelha que traz à luz, letras que normalmente não podem ser distinguidas pelos olhos humanos. Inegavelmente, esta foi a descoberta arqueológica mais sensacional dos últimos tempos, porque veio provar a autenticidade da Bíblia e a sua maravilhosa conservação através dos séculos.
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