A SANTIFICAÇÃO
1.
Natureza da santificação
Em
estudo anterior afirmamos que a chave do significado da doutrina da expiação,
encontrada no Novo Testamento, acha-se no rito sacrificial do Antigo
Testamento. Da mesma forma chegaremos ao sentido da doutrina do Novo Testamento
sobre a santificação, pelo estudo do uso no Antigo Testamento da palavra
"santo".
Primeiramente,
observa-se que "santificação", "santidade", e
"consagração" são sinônimos, como o são: "santificados" e
"santos". Santificar é a mesma coisa que fazer santo ou consagrar. A
palavra "santo" tem os seguintes sentidos:
(a) Separação.
"Santo"
é uma palavra descritiva da natureza divina. Seu significado primordial é
"separação"; portanto, a santidade representa aquilo que está em Deus
que o toma separado de tudo quanto seja terreno e humano — isto é, sua
perfeição moral absoluta e sua divina majestade.
Quando
o Santo deseja usar uma pessoa ou um objeto para seu serviço, ele separa essa
pessoa ou aquele objeto do seu uso comum, e, em virtude dessa separação, a
pessoa ou o objeto toma-se "santo".
(b) Dedicação.
Santificação
inclui tanto a separação de, como dedicação a alguma coisa; essa é "a
condição dos crentes ao serem separados do pecado e do mundo e feitos
participantes da natureza divina, e consagrados à comunhão e ao serviço de Deus
por meio do Mediador".
A
palavra "santo" é mais usada em conexão com o culto. Quando referente
aos homens ou objetos, ela expressa o pensamento de que esses são usados no
serviço divino e dedicados a Deus, no sentido especial de serem sua
propriedade. Israel é uma nação santa, por ser dedicada ao serviço de Jeová; os
levitas são santos por serem especialmente dedicados aos serviços do
tabernáculo; o sábado e os dias de festa são santos porque representam a
dedicação ou consagração do tempo a Deus.
(c) Purificação.
Embora
o sentimento primordial de "santo" seja separação para serviço,
inclui também a ideia de purificação. O caráter de Jeová age sobre tudo que lhe
é consagrado. Portanto, os homens consagrados a ele participam de sua natureza.
As coisas que lhe são dedicadas devem ser limpas. Limpeza é uma condição de
santidade, mas não a própria santidade, que é, primeiramente, separação e
dedicação.
Quando
Jeová escolhe e separa uma pessoa ou um objeto para o seu serviço, ele opera ou
faz com que aquele objeto ou essa pessoa se torne santo. Objetos inanimados
foram consagrados pela unção do azeite (Êx 40:9-11). A nação israelita foi
santificada pelo sangue do sacrifício da aliança. (Êx 24:8 Vide Hb 10:29). Os
sacerdotes foram consagrados pelo representante de Jeová, Moisés, que os lavou
com água, ungiu-os com azeite e aspergiu-os com o sangue de consagração. (Vide
Lv, cap. 8)
Como
os sacrifícios do Velho Testamento eram tipos do sacrifício único de Cristo,
assim as várias abluções e unções do sistema mosaico são tipos da verdadeira
santificação que alcançamos pela obra de Cristo. Assim como Israel foi
santificado pelo sangue da aliança, assim "também Jesus, para santificar o
povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta" (Hb 13:12).
Jeová
santificou os filhos de Arão para o sacerdócio pela mediação de Moisés e o
emprego de água, azeite e sangue. Deus o Pai (1 Ts 5:23) santifica os crentes
para um sacerdócio espiritual (1 Pe 2:5) pela mediação do Filho (I Co 1:2,30;
Ef 5:26; Hb 2:11), por meio da Palavra (Jo 17:17; 15:3), do sangue (Hb
10:29; 13:12) e do Espírito (Rm 15:16; 1 Co 6:11; 1 Pe 1:2).
(d) Consagração (No sentido de viver uma vida santa e justa)
Qual
a diferença entre justiça e santidade?
A
justiça representa a vida regenerada em conformidade com a lei divina; os
filhos de Deus andam retamente (1 Jo 3:6-10).
Santidade
é a vida regenerada em conformidade com a natureza divina e dedicada ao serviço
divino; isto pede a remoção de qualquer impureza que estorve esse serviço.
"Mas
como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa
maneira de viver" (1 Pe 1:15).
Assim
a santificação inclui a remoção de qualquer mancha ou sujeira que seja
contrária à santidade da natureza divina.
Em
seguida à consagração de Israel surge, naturalmente, a pergunta:
"Como
deve viver um povo santo?"
A
fim de responder a essa pergunta, Deus deu-lhes o código de leis de santidade
que se acham no livro de Levítico. Portanto, em conseqüência da sua
consagração, seguiu-se a obrigação de viver uma vida santa. O mesmo se dá com o
cristão. Aqueles que são declarados santos (Hb 10:10) são exortados a seguir a
santidade (Hb 12:14); aqueles que foram purificados (1 Co 6:11) são exortados
a purificar-se a si mesmos (2 Co 7:1).
(e) Serviço.
A
aliança é um estado de relação entre Deus e os homens no qual ele é o Deus
deles e eles o seu povo, o que significa um povo adorador. A palavra
"santo" expressa essa relação contratual. Servir a Deus, nessa
relação, significa ser sacerdote; por conseguinte, Israel é descrito como nação
santa e reino de sacerdotes (Êx 19:6). Qualquer impureza que venha a
desfigurar essa relação precisa ser lavada com água ou com o sangue da
purificação.
Da
mesma maneira os crentes do Novo Testamento são "santos", isto é, um
povo santo consagrado. Pelo sangue da aliança tornaram-se "sacerdócio
real, a nação santa... sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais
agradáveis a Deus por Jesus Cristo" (1 Pe 2:9,5); oferecem o sacrifício
de louvor (Hb 13:15) e dedicam-se como sacrifícios vivos sobre o altar de Deus
(Rm 12:1).
Assim
vemos que o serviço é elemento essencial da santificação ou santidade, pois é
esse o único sentido em que os homens podem pertencer a Deus, isto é, como seus
adoradores que lhe prestam serviço. Paulo expressou perfeitamente esse aspecto
da santidade quando disse acerca de Deus:
"De
quem eu sou, e a quem sirvo" (At 27:23).
Santificação
envolve ser possuído por Deus e servir a ele
2.
O tempo da santificação.
A
santificação reúne:
1)
ideia de posição perante Deus e instantaneidade
2)
prática e progressiva.
(a) Posicional
e instantânea.
A
seguinte declaração representa o ensino dos que aderem à teoria de santificação
da "segunda obra definida", feita por alguém que ensinou essa
doutrina durante muitos anos:
Supõe-se
que a justificação é obra da graça pela qual os pecadores, ao se entregarem a
Cristo, são feitos justos e libertados dos hábitos pecaminosos. Mas no homem
meramente justificado permanece um princípio de corrupção, uma árvore má,
"uma raiz de amargura", que continuamente o provoca a pecar. Se o
crente obedece a esse impulso e deliberadamente peca, ele perde sua
justificação; segue-se portanto, a vantagem de ser removido esse impulso mau,
para que diminua a possibilidade de se desviar. A extirpação dessa raiz
pecaminosa é santificação. Portanto, é a purificação da natureza de todo pecado
congênito pelo sangue de Cristo (aplicado pela fé ao realizar-se a plena
consagração), e o fogo purificador do Espírito Santo, o qual queima toda a
escória, quando tudo é depositado sobre o altar do sacrifício. Isso, e somente
isso, é verdadeira santificação — a segunda obra definida da graça, subseqüente
à justificação, e sem a qual essa justificação provavelmente se perderá.
A
definição supra citada ensina que a pessoa pode ser salva ou justificada sem
ser santificada. Essa teoria, porém, é contrária ao ensino do Novo Testamento.
O
apóstolo Paulo escreve a todos os crentes como a "santos"
(literalmente, "os santificados") e como já santificados (1 Co 1:2;
6:11). Mas essa carta foi escrita para corrigir esses cristãos por causa de sua
carnalidade e pecados grosseiros. (1 Co 3:1; 5:1,2,7,8) Eram
"santos" e "santificados em Cristo", mas alguns desses
estavam muito longe de ser exemplos de cristãos na conduta. Foram chamados a
ser santos, mas não se portavam dignos dessa vocação santa.
Segundo
o Novo Testamento existe, pois, um sentido em que a santificação é simultânea
com a justificação.
(b) Prática
e progressiva.
Mas
será que essa santificação consiste somente em ser conferida a posição de
santos? Não, essa separação inicial é apenas o começo duma vida progressiva de
santificação. Todos os cristãos são separados para Deus em Jesus Cristo; e
dessa separação surge a nossa responsabilidade de viver para ele. Essa
separação deve continuar diariamente: o crente deve esforçar-se sempre para
estar conforme à imagem de Cristo. "A santificação é a obra da livre graça
de Deus, pela qual o homem todo é renovado segundo a imagem de Deus,
capacitando-nos a morrer para o pecado e viver para a justiça." Isso não
quer dizer que vamos progredir até alcançar a santificação e, sim, que
progredimos na santificação da qual já participamos.
A
santificação é posicionai e prática — posicional em que é primeiramente uma
mudança de posição pela qual o imundo pecador se transforma em santo adorador;
prática porque exige uma maneira santa de viver. A santificação adquirida em
virtude de nova posição, indica-se pelo fato de que todos os coríntios foram
chamados "santificados em Cristo Jesus, chamados santos" (1 Co 1:2).
A santificação progressiva está implícita no fato de alguns serem descritos
como "carnais" (1 Co 3:3), o que significa que sua presente condição
não estava à altura de sua posição concedida por Deus. Em razão disso, foram
exortados a purificar-se e assim melhorar sua consagração até alcançarem a
perfeição. Esses dois aspectos da santificação estão implícitos no fato de que
aqueles que foram tratados como santificados e santos (1 Pe 1:2; 2:5), são
exortados a serem santos (1 Pe 1:15). Aqueles que estavam mortos para o pecado
(Cl 3:3) são exortados a mortificar (fazer morto) seus membros pecaminosos
(Cl 3:5). Aqueles que se despiram do homem velho (Cl 3:9) são exortados a
vestirem-se ou revestirem-se do homem novo. (Ef 4:22; Cl 3:8)
3.
Meios divinos de santificação.
São
meios divinamente estabelecidos de santificação: o sangue de Cristo, o Espírito
Santo e a Palavra de Deus. O primeiro proporciona, primeiramente', a
santificação absoluta, quanto à posição perante Deus. É uma obra consumada que
concede ao pecador penitente uma posição perfeita em relação a Deus. O segundo
meio é interno, efetuando a transformação da natureza do crente. O terceiro
meio é externo e prático, e diz respeito ao comportamento do crente. Dessa
forma, Deus fez provisão tanto para a santificação interna como externa.
(a) O
sangue de Cristo
(Eterno,
absoluto e posicionai) (Hb 13:12; 10:10,14; 1 Jo 1:7)
Em
que sentido seria a pessoa santificada pelo sangue de Cristo?
Em
resultado da obra consumada de Cristo, o pecador penitente é transformado de
pecador impuro em adorador santo. A santificação é o resultado dessa
"maravilhosa obra redentora do Filho de Deus, ao oferecer-se no Calvário
para aniquilar o pecado pelo seu sacrifício. Em virtude desse sacrifício, o
crente é eternamente separado para Deus; sua consciência é purificada, e ele
próprio é transformado de pecador impuro, em santo adorador, unido em comunhão
com o Senhor Jesus Cristo; pois, "assim o que santifica, como os que são
santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar
irmãos" (Hb 2:11).
Que
haja um aspecto contínuo na santificação pelo sangue, infere-se de 1 Jo 1:7:
"O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado."
Se houver comunhão entre o santo Deus e o homem, necessariamente terá que haver
uma provisão para remover a barreira de pecado, que impede essa comunhão, uma
vez que os melhores homens ainda assim são imperfeitos. Ao receber Isaías a
visão da santidade de Deus, ele ficou abatido ao perceber a sua falta de
santidade; e não estava em condições de ouvir a mensagem divina enquanto a
brasa do altar não purificasse seus lábios. A consciência do pecado ofusca a
comunhão com Deus; confissão e fé no eterno sacrifício de Cristo removem essa
barreira. (1 Jo 1:9)
(b) O
Espírito Santo.
(Santificação
Interna) (1 Co 6:11; 2 Ts 2:12; 1 Pe 1:1,2; Rm 15:16) Nessas passagens a
santificação pelo Espírito Santo é apresentada como o início da obra de Deus
nos corações dos homens, conduzindo-os ao inteiro conhecimento da justificação
pela fé no sangue aspergido de Cristo. Tal qual o Espírito pairava por cima do
caos original (Gn 1:2), seguindo-se o estabelecimento da ordem pelo Verbo de
Deus, assim o Espírito paira sobre a alma humana, fazendo-a abrir-se para
receber a luz e a vida de Deus. (2 Co 4:6)
O
capítulo 10 de Atos proporciona uma ilustração concreta da santificação pelo
Espírito Santo. Durante os primeiros anos da igreja, a evangelização dos
gentios retardou-se visto que muitos cristãos-judeus consideravam os gentios
como "imundos", e não santificados por causa de sua não conformidade
com as leis alimentares e outros regulamentos mosaicos. Exigia-se uma visão
para convencer a Pedro que aquilo que o Senhor purificara ele não devia tratar
de comum ou impuro. Isso importava em dizer que Deus fizera provisão para a
santificação dos gentios para serem o seu povo. E quando o Espírito de Deus
desceu sobre os gentios, reunidos na casa de Cornélio, já não havia mais dúvida
a respeito. Eram santificados pelo Espírito Santo, não importando se obedeciam
ou não às ordenanças mosaicas (Rm 15:16), e Pedro reptou os judeus que estavam
com ele a negarem o símbolo exterior (batismo nas águas) de sua purificação
espiritual. (At 10:47; 15:8)
(c) A
Palavra de Deus.
(Santificação
externa e prática) (Jo 17:17, Ef 5:26; Jo 15:3; Sl 119:9; Tg 1:23-25)
Os cristãos são descritos como sendo "gerados pela Palavra de Deus"(l
Pe 1:23). A Palavra de Deus desperta os homens a compreenderem a insensatez e
impiedade de suas vidas. Quando dão importância à Palavra arrependendo-se e
crendo em Cristo, são purificados pela Palavra que lhes fora falada. Esse é o
início da purificação que deve continuar através da vida do crente. No ato de
sua consagração ao ministério, o sacerdote israelita recebia um banho
sacerdotal completo, banho que nunca se repetia; era uma obra feita uma vez
para sempre. Todos os dias porém, era obrigado a lavar as mãos e os pés. Da
mesma maneira, o regenerado foi lavado (Tt 3:5); mas precisa uma separação
diária das impurezas e imperfeições conforme lhe forem reveladas pela Palavra
de Deus, que serve como espelho para a alma. (Tg 1:22-25) Deve lavar as mãos,
isto é, seus atos devem ser retos; deve lavar os pés, isto é, "guardar-se
da imundície que tão facilmente se apega aos pés do peregrino, que anda pelas
estradas deste mundo".
4.
Idéias errôneas sobre a santificação.
Muitos
cristãos descobrem o fato de que seu maior impedimento em chegar à santidade é
a "carne", a qual frustra sua marcha para a perfeição. Como se
conseguirá libertação da carne? Três opiniões erradas têm sido expostas:
(a) "Erradicação" do pecado inato é uma dessas idéias.
Assim
escreve Lewis Sperry Chafer: "se a erradicação da natureza pecaminosa se
consumasse, não haveria a morte física, pois esta é o resultado dessa natureza.
(Rm 5:12-21) Pais que houvessem experimentado essa "extirpação",
necessariamente gerariam filhos sem a natureza pecaminosa. Mas, mesmo que fosse
realidade essa "extirpação", ainda haveria o conflito com o mundo, a
carne (à parte da natureza pecaminosa) e o diabo; pois a "extirpação"
desses males é obviamente antibíblica e não está incluída na própria teoria.
A
erradicação é também contrária à experiência.
(b) Legalismo, ou a observância de regras e regulamentos.
Paulo
ensina que a lei não pode santificar (Rm cap. 6), assim como também não pode
justificar (Rm 3). Essa verdade é exposta e desenvolvida na carta aos Gálatas.
Paulo
não está de nenhuma maneira depreciando a lei. Ele a está defendendo contra
conceitos errôneos quanto a seu propósito. Se um homem for salvo do pecado,
terá que ser por um poder à parte de si mesmo.
Vamos
empregar a ilustração dum termômetro. O tubo e o mercúrio representam o
indivíduo. O registro dos graus representará a lei. Imaginem o termômetro
dizendo: "Hoje não estou funcionando exatamente; devo chegar no máximo a
30 graus." Será que o termômetro poderia elevar-se à temperatura exigida?
Não, deveria depender duma condição/ora dele mesmo. Da mesma maneira o homem
que percebe não estar à altura do ideal divino não pode elevar-se em um esforço
por alcançá-lo. Sobre ele deve operar uma força à parte dele mesmo; essa força
é o poder do Espírito Santo.
(c) Ascetismo.
É
a tentativa de subjugar a carne e alcançar a santidade por meio de privações e
sofrimentos — o método que seguem os católicos romanos e os hindus ascéticos.
Esse
método parece estar baseado na antiga crença pagã de que toda matéria,
incluindo o corpo, é má. O corpo, por conseguinte, é uma trava ao espírito, e
quanto mais for castigado e subjugado, mais depressa se libertará o espírito.
Isso é contrário às Escrituras, que ensinam que Deus criou tudo muito bom. É a
alma e não o corpo que peca; portanto, são os impulsos pecaminosos que devem
ser subjugados, e não a carne material. Ascetismo é uma tentativa de matar o
"eu", mas o "eu" não pode vencer o "eu". Essa é a
obra do Espírito.
5.
O verdadeiro método da santificação.
O
método bíblico de tratar com a carne, deve basear-se obviamente, na provisão
objetiva para a salvação, o sangue de Cristo; e na provisão subjetiva, o
Espírito Santo.
A
libertação do poder da carne, portanto, deve vir por meio da fé na expiação e
por entregar-se à ação do Espírito. O primeiro é tratado no sexto capítulo de
Romanos, e o segundo na primeira parte do capítulo oitavo.
(a) Fé
na expiação.
Imaginemos
que houvesse judeus presentes (o que sucedia com freqüência) enquanto Paulo
expunha a doutrina da purificação pela fé. Nós os imaginamos dizendo em
protesto: "Isso é uma heresia do tipo mais perigoso!" Dizer ao povo
que precisam crer unicamente em Jesus, e que nada podem fazer quanto à sua
salvação porque ela é pela graça de Deus, tudo isso resultará em que
descuidarão de sua maneira de viver. Eles julgarão que pouco importa o que
façam, uma vez que creiam. Sua doutrina de fé fomenta o pecado.
Se
a justificação é pela graça e nada mais, sem obras, por que então romper com o
pecado?
Por
que não continuar no pecado para que abunde ainda mais a graça?
Os
inimigos de Paulo efetivamente o acusaram de pregar tal doutrina. (Rm 3:8;
6:1)
Com
indignação Paulo repudiou tal perversão.
"De
modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda
nele?" (Rm 6:2).
A
continuação no pecado é impossível a um homem verdadeiramente justificado, em
razão de sua união com Cristo na morte e na vida. (Vide Mt 6:24)
Em
virtude de sua fé em Cristo, o homem salvo passou por uma experiência que
inclui um rompimento tão completo com o pecado, que se descreve como morte para
o pecado, e uma transformação tão radical que se descreve como ressurreição.
Essa experiência é figurada no batismo nas águas. A imersão do convertido
testifica do fato que em razão de sua união com o Cristo crucificado ele morreu
para o pecado; ser levantado da água testifica que seu contacto com o Cristo
ressuscitado significa que "como Cristo ressuscitou dos mortos, pela
glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida" (Rm 6:4).
Cristo morreu pelo pecado a fim de que nós morrêssemos para o pecado.
"Aquele
que está morto está justificado do pecado" (Rm 6:7).
A
morte cancela todas as obrigações e rompe todos os laços. Por meio da união com
Cristo, o cristão morreu para a vida antiga, e os grilhões do pecado foram
quebrados. Como a morte dava fim à servidão do escravo, assim a morte do
crente, que morreu para o mundo, o libertou da servidão ao pecado. Continuando
a ilustração:
A
lei nenhuma jurisdição tem sobre um homem morto. Não importa qual seja o crime
que haja cometido, uma vez morto, já está fora do poder da justiça humana. Da
mesma maneira, a lei de Moisés, muitas vezes violada pelo convertido, não o
pode "prender", pois, em virtude de sua experiência com Cristo, ele
está "morto". (Rm 7:1-4; 2 Co 5:14)
"Sabendo
que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais
terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o
pecado, mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso
Senhor" (Rm. 6:9-11).
A
morte de Cristo pôs fim a esse estado terrenal no qual ele teve contacto como o
pecado; sua vida agora é uma constante comunhão com Deus. Os cristãos, ainda
que estejam no mundo, podem participar de sua experiência, porque estão unidos
a ele.
Como
podem participar?
"Considerai-vos
como mortos para o pecado, nas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso
Senhor."
Que
significa isso?
Deus
já disse que por meio da nossa fé em Cristo, estamos mortos para o pecado e
vivos para a justiça. Resta uma coisa a fazer; crer em Deus e considerar ou
concluir que estamos mortos para o pecado. Deus declarou que quando Cristo
morreu, nós morremos para o pecado; quando ele ressuscitou, nós ressuscitamos
para viver uma nova vida. Devemos continuar considerando esses fatos como
absolutamente certos; e, ao considerá-los assim, tornar-se-ão poderosos em nossa
vida, pois, seremos o que reconhecemos que somos.
Uma
distinção importante tem sido assinalada, a saber, a distinção entre as
promessas e os fatos da Bíblia. Jesus disse:
"Se
vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o
que quiserdes, e vos será feito" (Jo 15:7).
Essa
é uma promessa, porque está no futuro; é algo para ser feito. Mas quando Paulo
disse que "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras",
ele está declarando um fato, algo que foi feito. Vide a expressão de Pedro:
"Pelas
suas feridas fostes sarados" (1 Pe 2:24).
E
quando Paulo declara "que o nosso homem velho foi com ele
crucificado", ele está declarando um fato, algo que aconteceu. A questão
agora é: estamos dispostos ou não a crer no que Deus declara que são fatos
acerca de nós? Porque a fé é a mão que aceita o que Deus gratuitamente oferece.
Será
que o ato de descobrir a relação com Cristo não constitui a experiência que
alguns têm descrito como "a segunda obra da graça"?
(b)
Cooperação com o Espírito.
Os
capítulos 7 e 8 de Romanos continuam o assunto da santificação; tratam da
libertação do crente do poder do pecado, e do crescimento em santidade. No cap.
6 vimos que a vitória sobre o poder do pecado foi obtida pela fé. O capítulo 8
apresenta outro aliado na batalha contra o pecado — o Espírito Santo.
Como
fundo para o capítulo 8 estuda-se a linha de pensamento no cap. 7, o qual
descreve um homem voltando-se para a lei a fim de alcançar santificação. Paulo
demonstra aqui a impotência da lei para salvar e santificar, não porque a lei
não seja boa, mas por causa da inclinação pecaminosa da natureza humana,
conhecida como a "carne". Ele indica que a lei revela o fato (v. 7),
a ocasião (v.8), o poder (v.9), a falsidade (v. 11), o efeito (vs. 10,11), e a
vileza do pecado (vs. 12,13).
Paulo,
que parece estar descrevendo sua própria experiência passada, diz-nos que a
própria lei, que ele tão ardentemente desejava observar, suscitava impulsos
pecaminosos dentro dele. O resultado foi "guerra civil" na sua alma.
Ele é impedido de fazer o bem que deseja fazer, e impelido a fazer o que odeia.
"Acho
então esta lei em mim; que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo.
Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos
meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e me
prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros" (vs. 21-23).
A
última parte do capítulo 7, evidentemente, apresenta o quadro do homem debaixo
da lei, que descobriu a perscrutadora espiritualidade da lei, mas em cada
intento de observá-la se vê impedido pelo pecado que habita nele. Por que
descreve Paulo esse conflito? Para demonstrar que a lei é tão impotente para
santificar como o é para justificar.
"Miserável
homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (v. 24 Vide 6:6).
E
Paulo, que descrevia a experiência debaixo da lei, assim testifica alegremente
de sua experiência debaixo da graça:
"Dou
graças a Deus (que a vitória vem) por Jesus Cristo nosso Senhor" (v. 25).
Com
essa exclamação de triunfo entramos no maravilhoso capítulo oitavo, que tem por
tema dominante a libertação da natureza pecaminosa pelo poder do Espírito
Santo.
Há
três mortes das quais o crente deve participar:
1)
A morte no pecado, isto é, nossa condenação. (Ef 2:1; Cl 2:13) O pecado
havia conduzido a alma a essa condição, cujo castigo é a morte espiritual ou
separação de Deus.
2)
A morte pelo pecado, isto é, nossa justificação. Cristo sofreu sobre a cruz a
sentença duma lei infligida, e nós, por conseguinte, somos considerados como a
havendo sofrido nele. O que ele fez por nós é considerado como se fosse feito
por nós mesmos. (2 Co 5:14; Gl 2:20) Somos considerados legal ou
judicialmente livres da pena duma lei violada, uma vez que pela fé pessoal
consentimos na transação.
3)
A morte para o pecado, isto é, nossa santificação. (Rm 6:11) O que é certo
para nós deve ser feito real em nós; o que é judicial deve se tornar prático; a
morte para a pena do pecado deve ser seguida pela morte para o poder do pecado.
E essa é a obra do Espírito Santo. (Rm 8:13) Assim como a seiva que ascende na
árvore elimina as folhas mortas que ficaram presas aos ramos, apesar da neve e
das tempestades, assim o Espírito Santo, que habita em nós, elimina as
imperfeições e os hábitos da vida antiga.
6.
Santificação completa.
Muitas
vezes esta verdade é discutida sob o tema: "Perfeição cristã.
(a) Significado
de perfeição.
Há
dois tipos de perfeição: absoluta e relativa. É absolutamente perfeito aquilo
que não pode ser melhorado; isso pertence unicamente a Deus. E relativamente
perfeito aquilo que cumpre o fim para o qual foi designado; essa perfeição é
possível ao homem.
A
palavra "perfeição", no Antigo Testamento, significa ser
"sincero e reto" (Gn 6:9; Jó 1:1). Ao evitar os pecados das nações
circunvizinhas, Israel podia ser uma nação "perfeita" (Dt 18:13).
No Antigo Testamento a essência da perfeição é o desejo e a determinação de
fazer a vontade de Deus. Apesar dos pecados que mancharam sua carreira, Davi
pode ser chamado um homem perfeito e "um homem segundo o coração de
Deus", porque o motivo supremo de sua vida era fazer a vontade de Deus.
No
Novo Testamento a palavra "perfeito" e seus derivados têm uma
variedade de aplicações, e, portanto, deve ser interpretada segundo o sentido
em que os termos são usados. Várias palavras gregas são usadas para expressar a
idéia de perfeição:
1)
Uma dessas palavras significa ser completo no sentido de ser apto ou capaz para
certa tarefa ou fim. (2 Tm 3:17)
2)
Outra denota certo fim alcançado por meio do crescimento mental e moral. (Mt
5:48; 19:21; Cl 1:28; 4:12; Hb 11:40)
3)
A palavra usada em 2 Co 13:9; Ef 4:12; e Hb 13:21 significa um equipamento
cabal.
4)
A palavra usada em 2 Co 7:1 significa terminar, ou trazer a uma terminação.
A
palavra usada em Ap 3:2 significa fazer repleto, cumprir, encher (como uma
rede), nivelar (um buraco).
A
palavra "perfeito" descreve os seguintes aspectos da vida cristã:
1)
Perfeição de posição em Cristo (Hb 10:14) — o resultado da obra de Cristo por
nós.
2)
Madureza e entendimento espiritual, em contraste com a infância espiritual. (1
Co 2:6; 14:20; 2 Co 13:11; Fl 3:15; 2 Tm 3:17)
3)
Perfeição progressiva. (Gl 3:3)
4)
Perfeição em certos particulares: a vontade de Deus, o amor ao homem, e
serviço. (Cl 4:12; Mt 5:48; Hb 13:21)
5)
A perfeição final do indivíduo no céu. (Cl 1:28,22; Fl 3:12; 1 Pe 5:10)
6)
A perfeição final da igreja, ou o corpo de Cristo, isto é, o conjunto de
crentes. (Ef 4:13; Jo 17:23)
(b) Possibilidades
de perfeição.
O
Novo Testamento apresenta dois aspectos gerais da perfeição:
1)
A perfeição como um dom da graça, o qual é a perfeita posição ou estado
concedido ao arrependido em resposta à sua fé em Cristo. Ele é considerado
perfeito porque tem um Salvador perfeito e uma justiça perfeita.
2)
A perfeição como realmente efetuada no caráter do crente. É possível acentuar
em demasia o primeiro aspecto e descuidar do Cristianismo prático. Tal aconteceu
a certo indivíduo que, depois de ouvir uma palestra sobre a Vida Vitoriosa,
disse ao pregador: "Tudo isso tenho em Cristo." "Mas o senhor
tem isso consigo, agora, aqui em Glasgow?" foi a serena interrogação. Por
outra parte, acentuando demais o segundo aspecto, alguns praticamente têm
negado qualquer perfeição à parte do que eles encontram em sua própria
experiência.
João
Wesley (o fundador do Metodismo) parece haver tomado uma posição intermediária
entre os dois extremos. Ele reconhecia que a pessoa era santificada na
conversão, mas afirmava a necessidade da inteira santificação como outra obra
da graça. O que fazia essa experiência parecer necessária era o poder do
pecado, que era a causa de o cristão ser derrotado. Essa bênção vem a quem
buscar com fidelidade; o amor puro enche o coração e governa toda a obra e
ação, resultando na destruição do poder do pecado.
Essa
perfeição no amor não é considerada como perfeição absoluta, nem tampouco
isenta o crente de vigilância e cuidados constantes. Wesley escreveu:
"Creio que a pessoa cheia do amor de Deus ainda está propensa a
transgressões involuntárias. Tais transgressões vocês poderão chamá-las de
pecados, se quiserem; mais eu não." Quanto ao tempo da inteira
santificação, Wesley escreveu:
"É
esta morte para o pecado e renovação no amor, gradual ou instantânea? Um homem
poderá estar à morte por algum tempo; no entanto, propriamente falando, não
morre enquanto não chegar o instante em que a alma se separa do corpo; e nesse
momento ele vive a vida da eternidade. Da mesma maneira a pessoa poderá estar
morrendo para o pecado por algum tempo; entretanto, não está morto para o
pecado enquanto o pecado não for separado de sua alma; é nesse momento que vive
a plena vida de amor. E da mesma maneira que a mudança sofrida quando o corpo
morre é duma qualidade diferente e infinitamente maior que qualquer outra que
tenhamos conhecido antes, tão diferente que até então era impossível conceber,
assim a mudança efetuada quando a alma morre para o pecado é duma classe diferente
e infinitamente maior que qualquer outra experimentada antes, e que ninguém
pode conceber até que a experimente. No entanto, essa pessoa continuará a
crescer na graça, no conhecimento de Cristo, no amor e na imagem de Deus; e
assim continuará, não somente até a morte, mas por toda a eternidade. Como
esperaremos essa mudança? Não em um descuidado indiferentismo, ou indolente
inatividade; mas em obediência vigorosa e universal, no cumprimento fiel dos
mandamentos, em vigilância e trabalho, em negar-mo-nos a nós mesmos, tomando
diariamente a nossa cruz; como também em oração fervorosa e jejum, e atendendo
bem às ordenanças de Deus. E se alguém pensa em obtê-la de alguma outra maneira
(e conservá-la quando a haja obtido, mesmo quando a haja recebido na maior medida)
esse alguém engana sua própria alma."
João
Calvino, que acentuara a perfeição do crente pela consumada obra de Cristo, e
que não era menos zeloso da santidade de que Wesley, dá o seguinte relato da
perfeição cristã:
"Quando
Deus nos reconcilia consigo mesmo, por meio da justiça de Cristo, e nos
considera como justos por meio da livre remissão de nossos pecados, ele também
habita em nós, pelo seu Espírito, e santifica-nos pelo seu poder, mortificando
as concupiscências da nossa carne e formando o nosso coração em obediência à
sua Palavra. Desse modo, nosso desejo principal vem a ser obedecer à sua
vontade e promover a sua glória. Porém, ainda depois disso, permanece em nós
bastante imperfeição para repelir o orgulho e constranger-nos à humildade."
(Ec 7:20; 1 Rs 8:46)
Ambas
as opiniões, a perfeição como dom em Cristo e a perfeição como obra real
efetuada em nós, são ensinadas nas Escrituras; o que Cristo fez por nós deve
ser efetuado em nós. O Novo Testamento sustenta um ideal elevado de santidade e
afirma a possibilidade de libertação do poder do pecado. Portanto, é dever do
cristão esforçar-se para conseguir essa perfeição. (Fl 3:12; Hb 6:l)
Em
relação a isto devemos reconhecer que o progresso na santificação muitas vezes
implica uma crise na experiência, quase tão definida como a da conversão. Por
um meio ou outro, o crente recebe uma revelação da santidade de Deus e da
possibilidade de andar mais perto dele, e essa experiência é seguida por um
conhecimento interior de ter ainda alguma contaminação. (Vide Is 6) Ele chegou
a uma encruzilhada na sua experiência cristã, na qual deverá decidir se há de
retroceder ou seguir avante, com Deus. Confessando seus fracassos passados, ele
faz uma reconsagração, e, como resultado, recebe um novo aumento de paz, gozo e
vitória, e também o testemunho de que Deus aceitou sua consagração. Alguns têm
chamado a essa experiência uma segunda obra da graça.
Ainda haverá tentação de fora e de dentro, e daí a necessidade de vigilância (Gl 6:1; I Co 10:12); a carne é fraca e o cristão está livre para ceder, pois está em estado de prova (Gl 5:17; Rm 7:18, Fl 3:8); seu conhecimento é parcial e falho; portanto, pode estar sujeito a pecados de ignorância. Porém ele pode seguir avante, certo de que pode resistir e vencer toda a tentação que reconheça (Tg 4:7; 1 Co 10:13; Rm 6:14; Ef 6:13,14); pode estar sempre glorificando a Deus cheio dos frutos de justiça (1 Co 10:31; Cl 1:10); pode possuir a graça e o poder do Espírito e andar em plena comunhão com Deus (Gl 5:22, 23; Ef 5:18; Cl 1:10,11; 1 Jo 1:7); pode ter a purificação constante do sangue de Cristo e assim estar sem culpa perante Deus. (1 Jo 1:7; Fl 2:15; 1 Ts 5:23).
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