segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A Caracterologia Psicanalítica - Os Tipos De Caráter



A consideração psicanalítica de Freud parte de um ponto de vista completamente diferente da caracterologia baseada na “psicologia individual”. Apresentamos sua teoria para sermos completos. Freud procura demonstrar que os aspectos do caráter estão ligados à vida instintiva do homem e a sua raiz mais profunda se encontra nas fases evolutivas da primeira infância. Segundo ele, na psique humana operam três elementos principais: o id, o ego e o super-ego. O id é a esfera psíquica primária que é também a fonte de todos os impulsos, instintos e paixões. O ego, ao contrário, percebe, julga e age conscientemente; encontra-se em relação com o mundo exterior. Coordenado a ele, mas no mais inconsciente, está o super-ego, que ordena e proíbe, em suma, uma espécie de guia ético superior.

Cada uma dessas grandes regiões psíquicas participa de modo próprio, na formação do caráter e pode exercer, em linhas gerais uma função dominante, influindo sobre as outras num sentido de reação. Vê-lo-emos na seguinte descrição dos principais tipos de caráter.

O Caráter Oral

Contemplando as manifestações de um lactente, observamos que sempre pretende mamar. É ainda ser completamente instintivo, que não cessa de pedir o seio materno e quer beber. A intensidade dessa “libido” é, por enquanto, força vital puramente instintiva, dado que não, possui ainda verdadeiro ego. Mas o lactente não exige só alimento, pede também a proximidade da mãe e depois qualquer objeto palpável e visível que pode possuir por meio da boca. Freud chama essa primeira fase da infância, na qual quase todas as satisfações do prazer sucedem na boca, a “fase oral” e o “instinto do “querer ter” “instinto oral”. Sua importância para a formação ulterior do caráter depende da satisfação maior ou menor das necessidades orais do período da amamentação. O indivíduo que na primeira infância teve essa satisfação oral será otimista, benévolo, bom, generoso, pródigo etc; o insatisfeito ao contrário: pessimista, desiludido, invejoso, egoísta, amedrontado diante da solidão etc. Se o super-egos e defende contra a “libido” muito forte e vence a necessidade oral, temos o “desistente”. Mas se na luta contra o super-ego a “libido” é mais forte, forma-se a concupiscência.

O Caráter Anal

Além da “libido”, no lactente e no menino pequeno manifesta-se depressa uma segunda tendência : reter o que conseguiu possuir. Muito antes ainda de ter o lactente consciência vemos que segura com força cada objeto que a mão tem e quanto mais procuramos tirá-lo, tanto mais aumenta a força com que o segura. Na idade de 2-3 anos, quando o menino começa a interessar-se pelas excreções de seu corpo e com isso a atribuir-lhes um certo valor, ânsia de conservar pode estender-se também a esses produtos. Nessa fase deixa-se levar pelo arbítrio de dar ou não “alguma coisa” por amor aos pais ou de conservar “tudo” para lhes causar despeito. Considerando tais fenômenos, Freud deu o atributo de “anal” a essa fase do desenvolvimento. Ora, tendências anais podem prolongar-se até a idade adulta. Os homens com a fixação anal querem sempre “conservar” e não dar nunca se trate de dinheiro ou de qualquer outro objeto material. Por isso são econômicos até a avareza, obstinados até a cabeçudice. Como na sua época atribuía-se importância excessiva à excreção, assim acontece agora com o dinheiro. Mas também nesse caso a voz do super-ego faz-se ouvir com uma certeza obscuramente percebida: o que fazes é “sujo”. A sujeira, porém, é afastada oportunamente pela limpeza. Por isso as tendências anais, se subordinadas às exigências de super-ego forte, podem mudar-se no contrário e transformar o homem numa pessoa de consciência limpa, talvez até em fanático pela limpeza.

O caráter do indivíduo pode formar-se, também pela influência do ego. Se o fator dominante é o ego consciente e observador, desenvolve-se o caráter subjetivo ou narcisista.

O Caráter Narcisista

Todo homem possui determinada quantidade de energias psíquicas que dirige, se for sadio, como indivíduo que age e ama os objetos do mundo exterior ou outras pessoas; mas em certas situações da vida (sono, doença) pode reconcentrá-las em si mesmo. Há, todavia, homens que perderam mais ou menos a faculdade de transferir para outra pessoa a própria energia psíquica. Esta acha-se parcial ou integralmente ligada ao ego e conservado estavelmente ocupado. Corresponde a estado de auto-namoro e a mais ou menos acentuada falta de relações com o “tu”. Essa estranha perda de relações Freud chama de narcisismo, de Narciso, o jovem da mitologia grega que se enamorou da própria imagem refletida na água. No homem narcisista sobressaem principalmente essas qualidades: predomínio do ego; a custo se entrega a necessidades eróticas ou sociais; seu interesse supremo é a auto-conservação; é independente e pouco tímido. Os homens desse tipo impõem-se como “personalidade” e são idôneos para servirem de sustentáculo aos outros, representarem o papel de cabeças, darem impulso a novos desenvolvimentos culturais ou prejudicarem os que já existem. Os distúrbios de caráter por parte do super-ego são, no máximo, de reação. O super-ego de fende-se contra exigências pronunciadas do id, ou já é de per si excessivamente severo, de modo que impede até os efeitos das tendências normais daquele.

O Caráter Obsessivo

No caráter chamado obsessivo domina o super-ego que se separa, sob alta tensão, do ego que tudo percebe e defende-se especialmente contra as necessidades do id, isto é, contra as exigências do subconsciente. No tipo obsessivo é característica a angústia de consciência. Sentimentos de culpabilidade entram no primeiro plano, mas também indecisão, dúvida e desconfiança. Todo o ser fica penetrado pelo auto-domínio que, às vezes, chega a bloquear totalmente os afetos. Referem-se então todos os impulsos instintivos. Nos casos de exagero patológico essa situação leva à neurose obsessiva.

O Caráter Histérico

Também nesse tipo o super-ego luta contra os desejos do id. Mas, ao contrário do caráter obsessivo, o super-ego não consegue suprimir completamente as exigências do id, mas apenas desfigurá-las parcialmente. Verificam-se transigências entre a exigência do id e a defesa do super-ego. O resultad o é forte necessidade de amor e medo acentuado de perdê-lo. Por isso o caráter histérico distingue-se por faceirismo oculto ou claro, mas também por timidez e reserva na proximidade da meta suspirada. O medo das experiências sexuais é substi tuído por atividade vazia. As pessoas desse tipo são na maioria delicadas, exageradamente corteses, de modos efeminados. Os indivíduos de ambos os sexos apresentam inconstância afetiva e sugestionabilidade forte. As mulheres distinguem-se especialmente pelo temperamento briguento, prepotente e obstinado. Desde que as exigências instintivas, sufocadas pelo super-ego, não podem chegar a satisfação adequada e, por outro lado, essas pessoas não estão em condições de empregarem as próprias energias estagnadas em obras úteis para serviço de fins elevados estas convertem-se em angústia, ou suscitam sintomas físicos.

Nos casos em que se verifica semelhante inversão do s instintos, fala-se de histerismo.

Segundo os conceitos da psicanálise, encontramo-nos na presença de caráter são, “normal”, quando a colaboração de todas as três instâncias psíquicas (id, ego, superego) realiza-se de modo harmonioso, isto é, quando nenhuma delas toma a primazia de modo que subjugue as outras ou suscite reações.

Só para sermos completos e a título de informação expusemos também a caracterologia psicanalítica de Freud; não por querermos afirmar que esteja certa sob todos os aspectos. Não se pode pôr em dúvida, porém, que as experiências inconscientes da primeira infância tenham influência não só notável, mas até decisiva para a formação do caráter humano.

Os Tipos De Caráter

Contrariamente ao conceito psicanalítico do caráter, que decompõe a totalidade pessoal nos seus elementos genéricos, C. G. Jung põe o problema de preferência do ponto de vista da pessoa e da sua unidade, pois o homem é, como pessoa, uma unidade e como tal essencialmente diverso de qualquer outra.

A tese essencial de Jung afirma que o homem está entre dois pólos extremos de conduta e aspiração, sendo que uma domina sempre e as outras, mais ou menos atrofiadas, contêm a sua existência no subconsciente. Tal contraste exprime-se na fórmula “interno-externo”. É determinado pela tomada de posição do homem em relação ao seu mundo interno e externo. Um afirma mais o “interno”, outro o “externo”, embora ambos tenham a faculdade de uma e de outra posição e ajam em ambas as direções. Segundo a preponderância de uma ou de outra atitude fundamental teremos o introvertido e o extrovertido.

O tipo introvertido. No introvertido prevalece a tendência para olhar dentro de si. Procura antes de tudo a expressão do que acontece no próprio íntimo e atém-se ao adro que ele mesmo faz do mundo que de maneira subjetiva, poder-se-ia dizer, à sua imagem refletida. Para ele tem menos importância a realidade em si, do que a impressão que exerce sobre ele. Procura o profundo e atribui importância secundária ao mundo exterior.

O tipo extrovertido. Para o extrovertido o desejável, como também o teatro de atuação, está no mundo exterior. Para ele o “de fora” é mais importante que o mundo interior psíquico-espiritual. Procura captar cada impressão. Recebe os impulsos pela própria atividade no exterior. As tarefas estão no mundo real, é aí que opera.

Quando se determina o comportamento de um homem entra em jogo, como fator decisivo, não só a posição introvertida ou extrovertida, mas também a orientação do fluxo da própria energia psíquica. Se esta energia, está apontada para a frente, será pilotada, por assim dizer, pelo sucesso esperado e se manifestará visivelmente como atuação ou transformação da realidade presente; se, porém, estiver orientada para trás, teremos regressão. É, em certo sentido, progressão deficiente, que externamente se manifesta por atitude passiva, mas opera no interior ativamente, enquanto, após forte dispêndio de energias no, intento de equilibrar a tensão, serve para regenerar e conservar as forças físicas e psíquicas, para estimular a força da imaginação, criando novas possibilidades de progressão.

O tipo de atitude psíquica pode, portanto, subdividir-se da seguinte maneira:

Tipo Introvertido

Forma progressiva. Pessoa calma, porém ativa, encara de frente a realidade intensivamente. É completamente confiante e consciencioso. Sem deixar-se desviar e com tenacidade tende à realização das próprias idéias e ao alcance da meta escolhida.

Forma regressiva. Esse tipo considera a realidade muito dura e por isso retira-se para o reino da fantasia, onde fica à vontade. Com relação ao exterior é passivo, mas em compensação a vida íntima é mais movimentada. Alheiar-se ao mundo e sua dificuldade de acesso são suas características. Prefere a solidão acima de tudo e evita a sociedade humana. Na vida prática é desajeitado e atrapalhado, e já que não pode abrir-se espontaneamente está sempre pronto para a retirada.

Tipo Extrovertido

Forma progressiva. Este tipo é o verdadeiro homem de ação, com atividade enorme, sempre trabalhador e continuamente em movimento. Precisa de fatos, homens, relações e tarefas externas para aplicar as forças, de preferência, a si mesmo. Suas normas se baseiam na mentalidade geral de seus tempos. Nos casos extremos arrisca-se a perder-se totalmente no mundo externo ou deixar-se absorver pela parte que esse mundo lhe entrega.

Forma regressiva. Também Este tipo se orienta para o mundo externo e se conforma com a mentalidade dele, mas não vai tão direto à meta como o extrovertido progressivo e não corre o perigo de ser totalmente absorvido pelo ambiente; procura mais não gastar completamente as próprias forças.

Os Diversos Tipos De Caráter



Pela palavra caráter em psicologia, entende-se a peculiaridade psíquica que determina o comportamento e a atuação da pessoa. É evidente que, para o conhecimento dos homens, importa antes de tudo individuar e julgar-lhe o caráter.

A qualidade de um caráter depende acima de tudo da mola que faz saltar as ações e os sentimentos, isto é, da disposição congênita que condiciona a orientação fundamental da vontade. São as tendências inatas do homem que determinam a diversidade das orientações práticas. Embora os dot es intelectuais tenham importância na formação do caráter, todavia, a caus a principal da diferença dos caracteres encontra-se especialmente no campo do sentimento e da vontade. A tal respeito devemos distinguir dois tipos opostos: o homem sentimental (que corresponde, do ponto de vista da vivacidade e mudança rápida de sentimentos, ao temperamento sanguíneo; ou ao melancólico, na profundeza e duração dos sentimentos) e o homem volitivo (que corresponde ao temperamento colérico). No homem sentimental predomina o impulso à dedicação, enquanto no volitivo é muito acentuado o instinto de conservação. Todas as diferenças do caráter derivam da dosagem desses dois impulsos fundamentais: dedicação e conservação. Assim, com o instinto de dedicação se entrelaça o amor à verdade, beleza, humanidade, além da paixão nobre que se manifesta em forma passiva na capacidade de amor, na veneração, espírito de sacrifício e semelhantes; em forma de reação (isto é, suscitada por fato externo) no interesse pelos outros, compaixão, indulgência etc.; em forma ativa, na dedicação apaixonada. Essa passionalidade pode encontrar-se também sob as vestes da avareza, da paixão pelo jogo, do vício de beber, ciúme, sede de vingança e avidez sexual. Se, ao contrário, na união dos dois impulsos domina o instintivo de conservação, as características do quadro psíquico serão o realismo forte, a necessidade de independência, a consciência, o sentimento de responsabilidade. Mas se o instinto de conservação toma formas egoístas, então numa natureza ativa prevalecerá o interesse pessoal , o amor ao lucro, a mania de domínio, a obstinação, a teimosia, a ambição e inveja; numa natureza passiva, ao invés, resultarão a circunspeção, vigilância, suspeita, desconfiança, esperteza, falsidade, hipocrisia e astúcia. No mesmo terreno desabrocham depois com facilidade a necessidade de sobressair, a sede de vingança, a malignidade, crueldade, perfídia e outras paixões, como fenômenos de reação com que o eu responde à mortificação e ao tratamento injusto (Th. Müncker).

Quanto ao que concerne à estrutura do caráter, devemos distinguir três componentes. Antes de tudo a orientação congênita, ou seja as disposições naturais do caráter. A esses elementos intrínsecos do caráter acrescentam-se as influências do ambiente, no sentido mais amplo da palavra. São muito significativas, sob este aspecto, as influências voluntárias ou involuntárias da família, do ambiente e educadores. Sabemos por experiência que aspectos notáveis permanecem na vida psíquica do homem após a perda prematura do pai. Provocam no menino, não poucas vezes, a dificuldade de reconhecer uma autoridade; por outro lado, muitas vezes a morte prematura da mãe traz para o menino o desenvolvimento insuficiente das disposições da alma e da capacidade afetiva. Os danos causados pela falta de irmãos são muito conhecidos; por isso não nos detem os sobre o assunto. A disposição psíquica congênita, plasmada e modificada pelos fatores externos, desenvolve-se por fim com a participação da vontade pessoal; pois o homem não é simplesmente, ser animal, mas ser pessoal, senhor de si, que pode e deve livre e progressivamente desenvolver a bondade do caráter, isto é, tornar-se personalidade moralmente preciosa. Para a formação do caráter de um cristão é de importância decisiva o trabalho da graça divina que se adapta, em geral, às disposições naturais e constrói sobre elas, mas que pode seguir também caminhos próprios, porque “para Deus nada é impossível” (Lc 1.37).

No campo da caracterologia trabalhou-se muito nesses últimos anos. Na pesquisa das vias que levam ao conhecimento do homem, partiu-se de diversos pontos de vista e seguiram-se várias direções. Indicaremos as principais segundo o esquema de A. Carrard.

A Caracterologia Baseada Na Psicologia Individual

Fritz Kunkel, antigo aluno de Alfred Adler, criou a caracterologia segundo a “psicologia individual’. Como Adler, não admite as peculiaridades hereditárias do caráter, mas atribui as singularidades pessoais e psíquicas do homem unicamente à influência do ambiente e da educação. Segundo Kunkel, existem no homem duas espécies de comportamento: um objetivo, consciente das responsabilidades, corajoso; outro subjetivo, esquivo diante da responsabilidade, covarde. Este último, que em geral domina, causa muitos males. É a raiz de todas as distorções do caráter e das neuroses. Kunkel, na sua concepção do homem, não se interessa pelo “de onde”, mas pelo “para que fim”. Anseia por compreender o que o homem quer obter pela atitude. Segundo afirma, só o homem subjetivo sofre por causa de si mesmo e é causa de todos os males do mundo.

Distingue quatro tipos, segundo a atividade e a passividade, a fraqueza e a dureza.

Os Tipos Do Subjetivismo :

O Vaidoso :

O tipo vaidoso deriva do menino viciado que, durante a vida, foi centro do interesse alheio. O vaidoso é extremamente exigente e pretende a satisfação de todos os desejos. Enquanto vamos ao encontro de suas necessidades e desejos, mostra-se contente, de ótimo humor, não regateia na distribuição de suas graças. Mas se lhe negamos a admiração, sem a qual não pode viver, após certo tempo fica abatido e torna-se estúpido ou tímido.

O Tímido :

Também o tímido provém do menino viciado. Também ele procura a satisfação dos próprios desejos, não para ser admirado, mas pela necessidade real ou imaginária de carinho e ajuda. Porque está sempre mal não se pretende muito dEle. Tem capacidade acentuada de sofrimento; muitas vezes encontra protetores que o assistem benevolamente. Mas se o tímido não é atendido, se suas lamúrias, com o andar do tempo, não suscitam outro efeito senão aborrecimento e impaciência, a crise estoura com violência e manifesta-se em neurose.

O Déspota :

O tipo César viveu geralmente sob educação severa e experimentou desde cedo que não pode confiar nos adultos. Quando menino escutou repetidamente que é mau, enquanto queria apenas mostrar-se sincero e vivo. Via-se hostilizado em toda parte. Por isso no íntimo amadureceu esta convicção: “os outros não querem ajudar-me, só servem para me atrapalhar, portanto, devo arranjar-me sozinho”. Sua mentalidade torna-se egoísta e considera o próximo como objeto, para não se ver abaixado ao nível de objeto. Ataca os outros por autodefesa. Não experimenta nunca o sentimento da desfeita, mas apenas o da hostilidade e fanatismo. A única alegria é a malignidade e considera como a maior desgraça a perda da superioridade e do poder. Em geral vem a falir quando encontra na vida outro déspota, porque nesse caso a maneira de agir não atinge a meta.

O Indiferente :

Também o indiferente aprendeu por sua vez que não pode contar com a ajuda dos adultos. Suas tentativas de eximir-se dela faliram pela própria insuficiência física e espiritual, ou porque os adultos se mostraram fortes demais. Como conseqüência vive sob o lema: “Eu sozinho não estou em condições de ajudar-me”. Daí não chega à satisfação de seus desejos nem com o auxílio de terceiros nem com as próprias forças. Portanto, só lhe resta a renúncia. Se consegue renunciar a todos os desejos, pode tornar-se feliz de igual modo, apesar da pobreza interior. Organiza a vida completamente em função da renúncia e menospreza todo prazer de grau elevado, especialmente qualquer companhia. Concede a si mesmo apenas a satisfação das exigências vitais: comer, beber, dormir. Compreende -se que, segundo este modo de viver, o considerem preguiçoso, molenga e, às vezes, também idiota, No entanto não o é. Atrás da máscara de obtuso, escondem-se a irritabilidade e a sensibilidade, índices de faculdade de sofrimento e delicadeza nervosa. Podemos atacá-lo; não se defende. Resiste até o fim, até quando faltam os meios para os outros e acaba vencendo. O comportamento do indiferente não pode s er modificado senão pelo encorajamento.

Künkel acha fácil a tarefa do terapeuta. O paciente deve ser levado até o ponto em que tiver aprendido a renunciar bastante ao seu subjetivismo. Com a renúncia à pretensão de aparecer, somem também os complexos de inferioridade. Embora os conceitos da teoria antiga não sejam completamente idênticos aos quatro tipos de subjetivismo de Künkel, pode-se, no entanto afirmar que o “vaidoso” corresponde aproximadamente ao sanguíneo, o “déspota” ao colérico, o “tímido” ao melancólico e o “indiferente” ao fleumático.

As conquistas de Künkel no campo da caracterologia são muito preciosas. No entanto, seu parecer, segundo o qual as propriedades do caráter não seriam transmissíveis, é refutado pela experiência.

O Temperamento Melancólico e o Temperamento Fleumático



O Temperamento Melancólico

A característica do melancólico consiste na união de capacidade receptiva escassa a capacidade forte de reação. Aparentemente, também a reação psíquica parece fraca; na realidade, porém, fica encerrada no fundo da alma, mesmo quando esta é agitada por emoções fortes. O melancólico é tão impressionável que não consegue livrar-se da lembrança de certas impressões. Bastaria isto para demonstrar que o melancólico é o temperamento mais complicado, ou menos desenvolvido, e mais dificilmente penetrável.

O melancólico tem como característica o físico magro, às vezes fraco. O sistema nervoso é irritável e hipersensível. O olhar é tranqüilo, sério e reservado, o passo lento e medido. Demonstra certo desinteresse pelos acontecimentos externos. Parece ocupado sempre com o próprio íntimo. Seus aspectos revelam-se freqüentemente angústia e sofrimento.

Não é fácil reproduzir a fisionomia espiritual do melancólico. É sujeito a incoerências, muitas vezes irregular na maneira de agir e enigmático também para si mesmo. O que estamos para dizer não se aplica, dessa forma, a todos os melancólicos. É justamente o temperamento que apresenta muitos matizes. Todavia podemos constatar diferença notável entre os indivíduos que se deixam transportar pelo temperamento e os que procuram freá-lo e dominá-lo.

O melancólico tem alma extraordinariamente rica e, muita vez, extremamente terna. Influências externas podem agitá-lo com a maior intensidade. Mesmo se reagir lentamente à influência e ao estímulo dessas impressões, o efeito às vezes é muito duradouro. Até depois de varias semanas, quando já está tudo mais do que esquecido pelos outros, ainda se atormenta por causa de alguma palavra dura, alguma ofensa; e o inquieta ainda mais do que no momento mesmo em que se deu. O melancólico é de poucas palavras, sempre ocupado consigo mesmo, com disposição forte para a reflexão, Procura afastar-se dos homens e da agitação do mundo para construir para si um mundo na própria alma, no silêncio da solidão. Por isso acontece muitas vezes que, em meio às conversas mais interessantes e alegres, esteja espiritualmente ausente. Seria erro qualificar-lhe a atitude como falta de interesse ou indiferença, julgando-o amante das comodidades e da inércia. Está sempre ativo, sempre ocupado. Mas vive quase sempre num mundo duplo e mais freqüentemente no mundo dos próprios pensamentos, e não no que o circunda. Demonstra pouca compreensão pela alegria rumorosa dos filhos deste mundo; antes, tende à melancolia e à tristeza, às vezes até ao pessimismo e ao sentimentalismo doentio. No entanto, muitas vezes sente-se só e abandonado, incompreendido e não amado. Crê que os homens não querem saber dele e ninguém no mundo lhe quer sinceramente bem. Parece-lhe que só as próprias costas suportam o peso do mundo inteiro. Ainda mais, de vez em quando invade-o nostalgia instintiva e indefinível. Às vezes gostaria de entregar-se, seguir completamente os próprios sentimentos; não desejaria mais viver e sim morrer. Deveria encontrar energia suficiente para superar certas situações sorrindo, como fazem os outros, em vez de fazer o coração sangrar e considerar tudo muito mais difícil de que realmente o é. O melancólico mostra-se muito preocupado com as suas ações e extremamente consciencioso. Cumpre as tarefas com precisão escrupulosa. Se lhe dão tempo suficiente, o trabalho é exato, calmo e inteiramente de confiança. A precisão pode, às vezes, aumentar até ao pedantismo, que considera essencial o secundário e deixa de lado o que é muito mais importante. Como a alma tem de sofrer e superar tantos empecilhos e dificuldades, demonstra grande compreensão pela dor, misérias e dificuldades alheias. Possui a faculdade de colocar-se no lugar dos outros. Fica felicíssimo se pode ajudar, prestar um serviço, porque se lhe apresenta assim a ocasião de justificar um pouco o direito à própria existência. Sofre de muitos complexos de inferioridade. Não pode conceber que os outros se alegrem com a sua presença, apreciem-lhe os trabalhos e tenham necessidade dele. Julga que em toda parte esteja perturbando, considera-se inútil e sem habilidades. No entanto, possui muitas capacidades. Tem sentimento profundo de ordem, sensibilidade aguda para a beleza. O temperamento melancólico nos deu a maioria dos poetas, compositores e artistas.

Agitado muitas vezes no íntimo por estados de ânimo, por humores e sentimentos que contrastam entre si, o melancólico é reservado diante do mundo exterior. Nas suas relações com o próximo descobre sempre a própria inabilidade, a impotência tímida, o desânimo. É certo que, repetidas vezes, observou como zombaram dele, como se divertiram com seu comportamento. Perde assim a última possibilidade de confiança. Torna-se desconfiado e insocial, corre até o risco de entregar-se completamente à melancolia; gostaria de desabafar, mas não encontra palavras capazes. Pesa os prós e os contras, considera tudo sob todos os pontos de vista imagináveis e como conclusão perde a boa ocasião.

Por isso não chega a decisão firme e clara, nem mesmo com relação à própria vida moral, Adia constantemente as decisões vitais, importantes, radicais - sempre amanhã, nunca hoje - e, por fim paralisa as energia s de modo tal que não chega jamais à ação. Justamente pela precisão conscienciosa, reflete os prós e os contras, de modo que se torna difícil a decisão por determinado caminho. Mais difícil ainda se apresenta a situação quando outros se intrometem em seus negócios e procuram persuadi-lo. Cede muito facilmente e abandona projetos amadurecidos após meditações de semanas inteiras, porque numa conversa com alguém surgiram novos pontos de vista. O insucesso o desanima e amedronta. Se encontra resistência e prevê insucesso, gostaria de renunciar completamente à obra iniciada. No entanto ele, que não confia em si, que julga todos os outros mais capazes e mais hábeis, é justamente o que produz trabalho sério quando se põe simplesmente diante dele uma tarefa, pedindo-lhe que a execute; mas não se deve dar-lhe muito tempo para hesitações e ponderações, reflexões e so fismas. Não se deve exigir dele o empenho impetuoso do colérico. É lento no trabalho, porque é meticuloso em todo o comportamento. Mas se lhe concedermos tempo e calma suficientes, demonstra ser trabalhador preciso e consciencioso, que se dedica à própria obra com grande tenacidade, perseverança e paciência. Também no melancólico o orgulho tem parte considerável. Manifesta-se grande medo de fazer feio, em sensibilidade exagerada e no temor à vergonha. Nas relações com o próximo, o melancólico é muitas vezes atormentado não só por suspeitas, mas também por ciúmes. Confia nos outros com dificuldade. Mas encontrando alguém a quem se possa abrir, vigia cuidadosamente para que a confiança não seja traída e isso até o ponto de tornar-se um peso para o confidente de seu coração, cuja paciência, por caus a de certas atitudes, será colocada à prova de modo bastante duro. Não confiar á nunca por muito tempo numa mesma pessoa. A desconfiança apodera-se dele com muita facilidade e julga não encontrar a compreensão plena e o amor que merecia. No caso de eventuais mal-entendidos, em vez de pedir explicações e esclarecimentos, leva na alma alguma palavra escapada sem premeditação, coloca-a sempre de novo na balança da precisão e é capaz de citá-la ao pé da letra, mesmo após vários anos, sempre com tristeza profunda e renovada. Não percebe com facilidade os próprios dotes, nem os dos outros. Mas tende facilmente ao exagero do mal. Vê tudo muito escuro; deixa-se oprimir pelo cúmulo de dificuldades naquilo em que o sanguíneo nem sequer as percebe. Deve lutar muito contra as aversões, susci tadas por determinadas pessoas. Muitas vezes sente-se perturbado, devendo distinguir entre antipatia pessoal e recusa motivada objetivamente. Certas pessoas estão simplesmente mortas para ele, por uma razão qualquer. Não quer mais saber de las. Ao invés, a aversão pode crescer até o desespero, até o ódio mais violento.Só com esforço extremo deixa-se induzir a uma explicação amigável. Essa índole do melancólico torna-se particularmente perigosa se influencia a relação íntima com Deus. O insucesso, as recaídas no pecado, podem torná-lo de tal modo infeliz que corra o perigo de abandonar até a Deus e suscitar nele, além de certa aversão, até a recusa e o ódio a Deus. É o grande perigo, o grande escolho. Este perigo, naturalmente, é atenuado por viver-lhe, no mais íntimo da alma desejo intensíssimo de Deus, do eterno e do infinito, sem o qual não pode sentir-se feliz.

O temperamento melancólico oferece não poucas vantagens no caminho da santidade. A inclinação marcante para o mundo interior, o apego ao recolhimento, à solidão, o dobrar-se sobre si mesmos facilita a oração mental. O melancólico possui a verdadeira disposição para a devoção. O desejo fundamental do coração é anseio imenso de valores supremos, de felicidade imorredoura, de refugiar-se em Deus, de vida eterna.

Sabe que não há maior felicidade na terra do que a paz de Deus num coração puro. O melancólico, porém, pode ser desanimado até na oração. Esse desânimo cresce poderosamente, quando teve a desgraça de cometer pecado grave. Sentindo-se separado de Deus por pecado mortal, sente-se muito infeliz. Não pode, como outros, curar-se dEle. A má ação persegue-o dia e noite. Torna-se presa da tristeza, do desgosto da vida. É aqui que se apresenta a reviravolta mais perigosa, isto é, a ameaça de perder a confiança em si e em Deus; ao invés, por certa obstinação e ódio contra Deus, pode entregar-se às paixões vulgares. Se porém, em vez de se entregar por desânimo e desespero à tristeza infrutuosa e à melancolia, aprender a consentir de bom grado à dor e à desventura que o atingiram, se souber encontrar a união com Deus em arrependimento filial e profundo, conseguirá vantagem. Justamente ele, que experimenta tanta dor íntima, deve também procurar familiarizar-se com o sofrimento. Deve aprender a ver na dor a participação dos sofrimentos de Jesus Cristo. Deve exercitar-se na aceitação alegre da dor, até desejar a cruz do sofrimento por amor a Deus. O amor à cruz é a sua salvação, fortuna, fonte, de paz indizível da alma, de vida espiritual profunda e rica, de verdadeira devoção, pronta ao sacrifício.

Assim, o melancólico deve formar a si mesmo, deve educar-se e deixar-se educar pelas circunstâncias, pelo ambiente. Deve lutar pela própria santidade, livrar-se do desânimo da alma, do desgosto pela vida, do sofrimento e do temor. Deve consentir de modo calmo, racional, humilde e com confiança ilimitada em qualquer sacrifício e sofrimento, qualquer miséria externa e interna que o atinja. Deve colocar o amor como base fundamental da alma: o amor a Deus, o amor ao próximo, o amor a cada homem por mais antipático que pareça. Desse modo se libertará mais depressa do egoísmo oculto, e levado pela vida, na escola do sofrimento, aprenderá o que é o amor purificado e sobrenatural a Deus e ao próximo, sob cuja luz se aproximará sempre mais do ideal da santidade pessoal.

Em linhas gerais o melancólico não se adapta bem às grandes empresas, a tarefas de chefe responsável, pois falta-lhes energia, resolução e o otimismo indispensável exigidos. Prejudica-os também a desconfiança inata e o medo da vergonha. Daí, não é só ele quem padece, quando lhe confiam um cargo de direção, mas impõe muitas vezes aos dependentes sacrifícios enormes, especialmente por causa da desconfiança e personalidade alheia à alegria. Tem tendência forte à mania crítica, ao sofisma justificado sob o pretexto do zelo pela glória de Deus, enquanto que, em grande parte, provém do próprio descontentamento espiritual.

O Temperamento Fleumático

O temperamento fleumático é o oposto do colérico e caracteriza-se por sensibilidade receptiva fraca unida a capacidade ativa fraca. As impressões estimulam o fleumático nada ou pouco, a reação é fraca ou falta completamente. Daí resulta a atitude psíquica fundamental de propensão à comodidade e à preguiça, de fraqueza em todas as paixões, de amor ao sossego e aversão à fadiga e esforço.

O fleumático exteriormente possui, em geral, certa corpulência. É pesado, desajeitado ou pouco ágil. O sistema nervoso é fraco. O olhar sem ardor e sem energia, o passo cômodo. Gosta de dormir, come muito e adora o descanso.

Também nas manifestações psíquicas o fleumático é cômodo e preguiçoso. A alma responde às impressões externas com lentidão, sem e moção especial. Custa a perder a paciência, a menos que se lhe perturbe a cômoda tranqüilidade. Pode considerar-se esta sede de quietude como característica dominante. O resultado é a fraqueza, a falta de energia. O intelecto não é, com certeza, o mais adequado a meditações profundas. Não é capaz de sacudir a própria vontade. A mente é pouco desenvolvida. Dificilmente se entusiasma, mas também dificilmente se inquieta. Corre o perigo constante de cair numa espécie de hebetismo ou aridez espiritual fria. Gosta da vida regular, calma, não perturbada. Estes aspectos do caráter fleumático constituem obstáculo também à perfeição.

Por mais que o fleumático se esforce no trabalho, nas ligações com o próximo, nas relações com Deus, na profundeza da alma nada o toca, permanece frio e indiferente.

Apesar dessas fraquezas, esse temperamento apresenta certas vantagens. O fleumático nunca é atirado. Odeia tudo o que é arriscado e passional. No pensar, no agir é lento e ponderado. Todavia o que começa, leva a termo. A calma permite-lhe ver com sobriedade tudo o que acontece em redor. Com semelhantes dotes pode também tornar-se alguém, terá mesmo superioridade nas situações que exigem ponderação, pois nem sempre o sucesso depende da rapidez da ação. Quando os outros estiverem desiludidos há muito tempo e dobra rem cansados as asas, ele ainda terá forças intactas para prosseguir a obra com paciência silenciosa. Não tem pretensões e é modesto sob todos os aspectos. Pacífico, vive em paz com todos, mesmo se não gosta de comunidade.

Concluindo podemos afirmar: faltam ao fleumático o impulso interno e a energia. Tem de conquistar maior força de vontade, sentimento do dever mais decidido, maior desenvoltura, maior coragem diante da vida. Assim também encontrará o lugar certo, embora não tenha nascido para comandar as grandes batalhas da vida. Muitas vezes será apenas arrastado pelos que estão na vanguarda. Mas justamente a esses pode prestar serviços com a ação refreadora da prudência.

O temperamento fleumático é o menos disposto à perfeição, pois falta-lhe por natureza a força do arroubo. Atingir a santidade pessoal exige, além disso, constância de vontade e perseverança, que é muito difícil para o fleumático, por disposição congênita.

Como o obreiro se fundamenta, seja pela essência, seja pela missão, na paixão pelo ideal, encontraremos bem poucos fleumáticos entre o s ministros. Apesar da vantagem da ponderação, sobriedade e paciência, dev erão combater durante toda a vida contra as fraquezas do temperamento, especialmente a falta de energia e a lentidão na mediocridade. Livrem-se de construir o ideal pessoal unicamente sob a índole fleumática, mas sim sob as capacidades que derivam da combinação com algum outro temperamento.

Antes de terminar a exposição dos temperamentos, lembremos ainda que as fraquezas e a força, os valores e os defeitos naturais do indivíduo dependem em grande parte do temperamento diverso. Daí a necessidade de conhecer não só o próprio temperamento, mas também o das pessoas que devemos guiar e ensinar. Os lados bons de cada temperamento são o fundamento natural da santidade; será preciso controlar e combater os lados negativos. Malgrado todos os esforços, o homem raramente poderá livrar-se de todos os defeitos e de todas as fraquezas do temperamento; nem mesmo se tender seriamente à perfeição e tiver vida longa à disposição. O ministro de Cristo bom conhecedor das almas, perceberá até na cabeceira de moribundo se tem diante de si o colérico, sanguíneo, melancólico ou fleumático. Os defeitos que Deus, muitas vezes, dei xa até no homem mais perfeito, naturalmente sem nenhuma culpa pessoal, são defeito s de temperamento. Acham-se profundissimamente radicados na disposição psicofísica do homem e são a escola permanente da vigilância, paciência e humildade.

Conforme aludimos precedentemente, o temperamento não se manifesta nunca em forma pura, isto é, isento de combinações com outros. As combinações mais comuns são o sanguíneo-melancólico e o colérico-sanguíneo. A combinação colérico melancólico é menos freqüente, enquanto a colérico-fleumático por sua natureza não existe, prescindindo-se de que, em todos os indivíduos, encontram-se vestígios de todos os temperamentos.

Querendo comparar o temperamento às estações, poderemos dizer que a primavera corresponde ao sanguíneo, o verão ao colérico, o outono ao melancólico e o inverno ao fleumático. Na relação com os diversos períodos da vida humana, poderemos afirmar que a idade infantil tem certa afinidade com o temperamento sanguíneo, a idade do desenvolvimento com o melancólico, a idade madura com o colérico e a velhice com o fleumático. Encontramos também certa dependência entre temperamento e sexo: os temperamentos coléricos e fleumáticos prevalecem nos homens, enquanto o melancólico e sanguíneo se encontram mais nas mulheres.

Também os povos distinguem-se pela predominância de determinado temperamento. Enquanto nos meridionais prevalecem os sanguíneos e nos, povos do centro da Europa os coléricos, os povos “dos países setentrionais caracterizam-se pela índole tranquila e fleumática. São próprias dos povos aladas a profundidade ânimo e a melancolia, que correspondem ao tipo melancólico.

Estas indicações admitem muitas exceções. Por isso não será nunca demasiado dizer que no campo da tipologia psicológica toda classificação rigidamente sistemática coloca-nos em pistas falsas. Em última análise todo ser humano representa personalidade única, não, suscetível de repetição e diferente de todas as outras.

O Temperamento Colérico e o Temperamento Sanguíneo



O Temperamento Colérico

O colérico tem a característica da forte sensibilidade receptiva e reação forte. É o tipo da personalidade marcante, do homem vigoroso, conhecedor do mundo, da índole enérgica do líder e do combatente.

Reconhece-se a disposição do temperamento colérico muitas vezes até pelo aspecto exterior. O colérico tem físico vigoroso, maciço, de ombros largos, músculos fortes e nervos duros. A expressão do rosto é séria, o olhar cortante e penetrante, às vezes apaixonado. A boca de lábios finos fica rigorosamente cerrada. O passo é firme e seguro, a voz forte e harmoniosa.

O colérico, se de talento superior à média, possui intelecto claro. Capta logo a essência de um fato. Não fica na superfície, mas atira-se com ardor para o fundo. Isso não o impede de passar por cima do secundário, não ligar para os sentimentos pessoais alheios e não demonstrar a mínima compreensão pelos estados de ânimo e sentimentos deles; é por isso que se torna com facilidade bruto e ofensivo. A vontade é forte e resoluta. Procura colocar em prática o que se propõe e atingi-lo a todo o custo. Na atuação de um ideal escolhido, custa a satisfazer-se até com o máximo. É capaz de entusiasmar-se ardentemente por tudo o que é belo e sublime. O grande e o heroico o incitam. Está pronto a empenhar-se com esforço heroico e combatividade por uma causa elevada e ideal. Sua virtude eminente é a magnanimidade. A natureza o leva à luta. A ação e o sucesso são a sua meta. Além disso, está cheio de acentuada ambição, que o leva com facilidade a arrivismo sem medidas. A força cresce com a grandeza da tarefa. Não conhece complexos de inferioridade.

É otimista impertérrito, mesmo quando a reflexão e a calma deveriam convencê-lo que, em determinado caso, a meta escolhida é inatingível. Confia sempre e em toda a parte na força e na capacidade do eu. Tem por lema: ou dobrar ou quebrar. Por ter muito sucesso, reforçam-se ainda mais as aspirações, e por isso aventura-se também ao que é impossível. Odeia a mediocridade, o meio-termo. Tudo o que faz, faz completamente. Move-se entre os extremos e quer ou tudo ou nada. Traz em si o germe do santo ou do delinquente. Para atingir o seu escopo serve-se de todos os meios. Pode ser duro e insensível, cruel e brutal. Pode mentir e fingir, adular e tiranizar. Para o alto é capaz de reverências, para o baixo é capaz de pisar. Tudo existe para o seu bem-amado eu. Custa-lhe reconhecer as obras e os sucessos dos outros, que olha com inveja, como atos que prejudicam a própria capacidade, dignidade e proeminência. Ai de quem se lhe opõe! É ele que deve dominar, comandar, organizar, pois só ele possui a habilidade necessária. Sempre tem razão, mesmo quando no íntimo, já há muito tempo, reconheceu ter disparado com audácia imprudente contra o objetivo. Não reconhece que a razão possa encontrar-se, pelo menos uma vez, também do lado do adversário. Impedem-no o orgulho, a ambição e presumida infalibilidade.

Esse orgulho indomável é o maior obstáculo à sua santificação. Gera nele confiança exagerada em si mesmo e obstinação infantil pluriforme, que raramente respeita a opinião dos outros; antes, fala mesmo com desprezo, do juízo e dos pareceres alheios e ofende muita vez os adversários com o sarcasmo e a zombaria. A soberba lhe impede amor para com Deus, o próximo, e toda a criação. Tem em si a fonte da própria hipersensibilidade, prepotência, do espírito de contradição, dureza, incompatibilidade de caráter e cólera, às vezes tão forte, que lhe faz perder completamente o domínio de si, levando-o a erros gravíssimos com um sorriso frio nos lábios, a desprezar sem consideração os laços de velhas amizades e arriscar, com leviandade, a saúde e a vida. O orgulho lhe tira a faculdade de inclinar-se, de adaptar-se e submeter-se, obedecer, estender a mão ao adversário em sinal de reconciliação. A vaidade egoísta torna-o inapto para a compreensão cordial e para comungar com o estado de ânimo de outro ser humano, a compaixão amorosa diante da dor alheia e a bondade de coração no contato com os pobres e necessitados. Quantas vezes por dia pecam contra a caridade com o pensamento e com as obras, sem nem sequer percebê-lo! Quando, po rém, com o auxílio da graça divina, o colérico resolve corrigir-se, aperfeiçoar-se, santificar-se, quando aprende a conhecer e reconhecer os próprios limites e a própria dependência, a inclinar-se humildemente diante de Deus; quando chega ao ponto de se alegrar logo que Deus o subjuga e aniquila nele todo o egocentrismo, então o temperamento torna-se ponto de apoio na subida para a santidade; então a ambição e anseio de sobressair empenham-se por tornarem-se agradáveis aos olhos de Deus, em produzir algo imponente para o reino de Jesus Cristo. O colérico zeloso, que se autocastiga e autodisciplina, é líder nato. Empenha-se por um ideal com calor e força de persuasão. É herói por nascimento. É homem do dever, que não concede escapatórias a si mesmo, que não se deixa desviar das decisões tomadas, que não descansa antes de atingir o alvo predeterminado. Assim, este temperamento oferece muitas vantagens e auxílios ao homem lutador, que se dirige para o alto ao atingir a própria santidade, como também, por outro lado, se erra a estrada, pode torná-lo propugnador fanático do mal, sujeito a vaidade satânica, ódio indomável e fúria bestial. A vida de oração do colérico não apresenta dificuldades especiais. As forças espirituais tornam-no apto ao recolhimento e à concentração interior. O desejo constante de expansão ilimitada é satisfeito pelo empenho ininterrupto e total por Deus e por sua causa. O colérico que tem em vista a perfeição fica agradecido quando lhe apontam os defeitos. Procura emendar-se. Nas relações com o próximo luta para fundir a veracidade com a delicadeza. Coloca toda a honra na conduta de vida ilibada. O colérico engenhoso tem atuação notável no trabalho profissional. A disposição natural incita-o à atividade incessante. Não pode viver no ócio. Deve trabalhar sempre e ocupar-se sempre. Não é capaz de deixar um trabalho pela metade. Deve terminá-lo completamente. Não suporta a desordem. Gosta da limpeza, da consciência escrupulosa, da pontualidade. Tem sempre o que fazer. Nunca tem tempo para o inútil, mas sempre o tem par a o necessário. Descobre trabalho onde outros não o vêem. Não pode descansar , enquanto há trabalho por fazer. Olha sempre para a frente, reflete, calcula. Por isso consegue sempre acrescentar às tarefas, já numerosas, novo trabalho, graças à capacidade organizadora, à rapidez da ação, à circunspeção e habilidade. É claro, breve e decidido no falar. O que diz deve estar simplesmente certo (mesmo que não o esteja). Na conduta e no modo de proceder é independente, ousado, sem sombra de temor. Tem a faculdade de persuadir os outros, de convencer, de influenciar e de guiar, de tornar-se sustentáculo e apoio, de deixar a própria marca no ambiente inteiro. Além disso, parece tão certo e inequivocável que ninguém pode resistir-lhe, salvo o que for da sua mesma têmpera. É o tipo do chefe, do educador, da pessoa de autoridade.

O importante é que o colérico procure desenvolver seus lados bons e atenuar os piores. Precisa de um ideal claro: serviço de Deus por amor a Deus, amor ao próximo por amor a Deus. É preciso apresentar-lhe de ais altos para poder empenhar as próprias forças. Deve aprender a mendigar com humildade o auxílio de Deus e lutar com toda a energia contra a cólera, o orgulho e outras expressões do temperamento. Deve educar-se espontaneamente ao serviço do próximo. Se for capaz, será também capaz de executar grandes obras para o, reino de Deus. Será o apóstolo nascido para o reino de Cristo. Se o colérico educa a si mesmo sob a influência de personalidade forte que consegue o reconhecimento e a estima dele, ajudado pela graça divina, implorada com a oração humilde, pode chegar a idealismo nobre que lhe dá impulso a tender sempre mais para o alto, otimismo invencível que não o deixa desesperar nunca, mas sempre esperar, radicalismo inflexível que o leva a gastar todas as energias a fim de atingir o alvo predeterminado.

O obreiro do Senhor de temperamento colérico obterá com facilidade a estima dos fiéis, com mais dificuldade o amor. Suas ações terão sucesso. Todavia deverá absterse de disciplina rígida para não ser arrasta do pela dureza inata de trato. Deve vigiar a si mesmo e tender com o máximo empenho ao amor verdadeiro, pois, de outra forma, será levado pelo temperamento a cometer atos de dureza. Muitos desses atos nem sequer perceberá, por causa falta inata de ternura e delicadeza. Deve também tender incessantemente à verdadeira humildade de coração e reconhecer que também é servo inútil diante de Deus, apesar do engenho e dos dotes. Malgrado todo o esforço, o obreiro do Senhor colérico será mais estimado que amado pelos fiéis. Serve-lhe de admoestação permanente para tender ao amor, e também de contínua escola de humildade.

O Temperamento Sanguíneo

As características do temperamento sanguíneo são a vivacidade e a volubilidade. Explica-se com a forte sensibilidade receptiva, ligada a reação fraca.

O aspecto trai logo o sanguíneo. Em geral é esbelto, agradável e de físico elegante. Possuí sistema nervoso vivaz, facilmente excitável.

Os olhos são vivos e móveis, o passo veloz, mas um tanto incerto. Falta-lhe o comportamento enérgico. A atitude exprime grande agilidade e vivacidade, às vezes exuberância sentimental.

O sanguíneo possui o sentimento acentuado para a exterioridade, isto é, para tudo o que pode perceber por meio dos sentidos. Embora também tenha espírito ativo e ardente, é-lhe difícil concentrar a mente sobre objeto preciso, dirigir a vontade com perseverança para alvo fixo. É esteta por nascimento, deleitando-se com as formas belas e agradáveis à vista. A seus olhos, que nunca estão parados, dificilmente escapa menor detalhe. Vê todos os movimentos, mesmo os que não devem. Escuta qualquer observação, mesmo se não se lhe destina ao ouvido, toma parte em todas as conversas e sempre quer intervir mesmo se não entende nada do tema. Na sua leviandade ousa atirar-se a qualquer empresa, antes mesmo de tê-la avaliado suficientemente. Vice-versa, falta-lhe a faculdade de terminar o empreendimento começado, também porque não dispõe de resistência tenaz e de perseverança. Tem sentimentos ternos e ardentes. Com facilidade deixa-se dominar pela disposição de ânimo. Tende à exaltação e exagero. Nem o elogio nem a desaprovação que formula devem tomar-se muito a sério. Acha tudo divino, magnífico, maravilhoso. Entusiasma-se com facilidade. Mas, com mais facilidade ainda deixa-se induzir a jogar fora as armas por qualquer pequeno insucesso ou crítica severa. À sua natureza corresponde concepção alegre de vida, superficial, muitas vezes até leviana. Nada considera pelo lado trágico. O riso e o pranto alternam-se com facilidade. Está sempre em contato com o próximo. É o homem de sociedade por excelência, que não encontra dificuldade em frequentar os homens, sendo por isso bem-visto e amado.

O sanguíneo encontra no caminho para a santidade, devido ao temperamento, não poucos empecilhos. A índole inconstante, um pouco inclinada à leviandade, causa-lhe dificuldades no progresso espiritual. Passa depressa sobre o que é profundo. Considera aborrecido tudo quanto exige fadiga, sacrifício, renúncia, mortificação.

Pensa antes de tudo em ocupar-se com os sentidos e satisfazê-los. No trabalho procura a variedade, gosta de companhia e divertimento. Contenta-se com meiasmedidas e superficialidade. Muito cheio de si, é suscetível ao louvor, até à adulação, mas sente-se desmoralizado pela censura e repreensão. Vaidoso e ávido de prazeres, gosta muito de comer e beber bem, preocupa-se muito com o modo de trajar, com o lugar onde mora e todos os outros gozos da vida. Deixa-se fascinar com facilidade pelo que é vistoso, é presa fácil dos próprios humores e sentimentos, caprichos e inclinações. Por sua natureza é vaidoso e volúvel, esquece-se de boa vontade qualquer preocupação e corre o perigo de entregar-se aos prazeres vulgares. Quer participar de tudo, estar presente em toda parte. Sendo de índole curiosa e loquaz, para não dizer linguareiro, confia em todo o mundo; com dificuldade guarda os próprios segredos. Revela tendência acentuada para a exaltação e os prazeres eróticos. Brinca levianamente com os pecados mais graves, é muito fácil fazê-lo mudar de rumo e corrompê-lo. É-lhe difícil o recolhimento, a solidão no silêncio, na oração e mortificação. Tende mais para o ciúme, para a ostentação vazia. Na loquacidade não dá muito valor à verdade. Também a vanglória e a vileza podem induzi-lo à mentira. Exagera muita vez e de boa vontade. Quando faz qualquer narração, tudo exagera. Tem opinião excelente de si próprio. julga-se seriamente o mais inocente do mundo. A luta principal deveria ser contra a paixão sensual. Tomando a sério essa luta e a estrada da perfeição, encontrarão no próprio temperamento muita matéria para o domínio de si mesmos, para a renúncia, sacrifício e combate incessante contra o próprio eu.

O temperamento sanguíneo apresenta, apesar disso, também vantagens do ponto de vista moral e religioso. Até a volubilidade do sanguíneo pode tornar-se bênção, se for da mesma forma inconstante no pecado. Sua cólera dura pouco, não conserva rancor; e o mesmo se aplica às relações com Deus. Uma vez de acordo com Deus não ficará nunca muito tempo separado dele. Seu sentimento conduz à reparação. Muitas vezes, naturalmente, também não passa de fogo de palha. O arrependimento não é bastante profundo, às vezes permanece somente na superfície. No entanto, é suscetível de correção e aceita com facilidade as observações como, de sua parte, possui grande capacidade para corrigir os outros sem que fiquem ressentidos. A cólera é superada com a mesma rapidez com que se apodera dele. No trato com os homens mostra-se serviçal, condescendente, gentil. É capaz de comover-se e adaptar-se. Compartilha das dores e alegrias alheias. Sabe brincar e rir, consolar e animar. Além disso, é franco e cândido, e por isso ninguém fica zangado com Ele. Se conseguir vencer a antipatia e simpatia às vezes muito pronunciadas, que lhe dominam as relações com o próximo, esforçando-se para elevar-se a amor purificado, espiritualizado, sobrenatural, as relações com os homens tornar-se-ão fáceis e encontrará o modo de tornar-se tudo para todos, em amor sereno e desinteressado.

Para a auto-educação deve criar princípios claros e segui-los. Deve adquirir profundeza maior, pesquisar tudo inteiramente, aspirar à verdadeira virtude e severidade da vida. Deve considerar-se feliz se encontrar um amigo verdadeiro que lhe fique ao lado, que o livre de precipitações inconsideradas e de todas as irreflexões. Deve trabalhar constantemente para a consolidação do caráter. Deve temperar a vontade e obrigar o intelecto a ocupar-se do que é sério. Desse modo conseguirá avançar na perfeição; tornar-se-á bom, gentil, sempre amigo, trazendo para os outros apenas alegrias.

O obreiro de temperamento sanguíneo com facilidade tornar-se-á prático e conseguirá sucesso especialmente na direção espiritual da juventude. O temperamento dos meninos e de muitos jovens, como sabemos, é acentuadamente sanguíneo, justamente pela personalidade amável, radiante e serena conquistará depressa o amor em seu ambiente, reanimará e alegrará não poucas almas sofredoras e árduas. Deve evitar, porém, que a alegria se torne exagerada e seja causa de desilusões para os que procuram nele profundeza espiritual, pois de outra forma não o tomarão mais a sério, nem o considerarão como pessoa digna de confiança. Deve aprender a sentir a vida espiritual alheia e não medir todos os outros com a unidade da própria volubilidade, justamente o obreiro sanguíneo deve submeter-se a autodisciplina severa, se não quiser perder a mais delicada das atividades sacerdotais, a capacidade de dirigir almas.

PSICOLOGIA PASTORAL - ÍNDOLE PESSOAL - PAIXÃO DOMINANTE (SENSIBILIDADE R ORGULHO) – TEMPERAMENTOS



Diferenciação Segundo A Índole Pessoal

As atividades espirituais do homem, embora intrinsecamente independentes dos processos físicos, estão ligadas ao desenvolvimento do organismo. As funções psicofísicas são o pressuposto da vida espiritual e só o transcorrer sem perturbações é o que garante a engrenagem ordenada e a coordenação de todas as capacidades e atividades envolvidas na unidade do ser humano. Como nenhum ser vivo se assemelha perfeitamente a outro, assim o indivíduo humano se distingue ainda mais de todos os outros, embora o corpo e a alma tenham forma típica idêntica. Cada homem, em última análise é um mundo a se, unidade que apresenta grande número de variações individuais; por isso também são diferentes individualmente os processos psíquicos relativos. Com isso assumem aspecto particular os procedimentos morais relacionados à compreensão dos valores, à experiência do dever etc. A individualidade de um ser humano exprime-se antes de tudo na paixão dominante, no temperamento e no caráter.

Paixão Dominante, Sensibilidade

Para compreender a natureza dessa paixão é necessário conhecer as variedades e as graduações do amor. O grau mais baixo do amor manifesta-se só no ardor de sentimento espontâneo e não é senão processo vital instintivo, de ordem física. Vem depois o grau do amor natural. Dirige e plasma o instinto obscuro à luz do discernimento e com vontade forte. Seu componente principal é a espiritualidade, própria ao homem. O grau mais alto do amor, atingível nesta vida, é o amor sobrenatural. Deixa-se conduzir pela fé e pela graça e abraça toda a criação, de modo especial a humanidade, por amor a Deus.

A pessoa dominada pela sensibilidade sente propensão natural forte para tornar felizes as outras pessoas. Seu ideal se baseia num primeiro tempo nos dois primeiros graus do amor. Deseja ardentemente difundir ao redor luz, alegria, amor. Mas, para a expansão completa de sua paixão, esse tipo de pessoas tem necessidade de móvel eficaz, representado pela visão ou pela recordação da miséria alheia e das suas necessidades. Não são os seres física e psiquicamente fortes que provocam a expansão máxima do impulso de dedicação, mas sim a pobreza, a fraqueza, o luto e a angústia que suscitam a compaixão e o amor operoso. A miséria alheia não provoca semente a ativação do amor: garante a meta por ele visada: assegurar-se de modo estável o apego e a gratidão do próximo. Este desejo forte de apego agradecido por parte dos assistidos é, ao mesmo tempo, a força e a fraqueza da sensibilidade. Quer tornar os outros felizes, nenhum sacrifício e nenhuma renúncia são demasiados para o amor cheio de dedicação; mas, em troca, quer a gratidão. Não pode e não quer renunciar a ela, justamente porque aí está a força secreta e a mola que a impele com alegria para o sacrifício.

Também o homem sensível, de igual maneira ao orgulhoso, deseja dominar, não porém, pela força ou violência, mas - o que parece contradição - pela força do amor serviçal. À disposição de amar corresponde, como é mui natural, o desejo de ser amado. Quanto maior e mais pronto ao sacrifício for o amor que um indivíduo dedicar aos outros, tanto maior será também o desejo de receber amor. Esse gênero de amor (natural) atinge a perfeição e o valor supremo apenas se unido ao sobrenatural. Só quando a chama do amor passional (natural) é revestida e purificada pelo amor desinteressado, exercido por amor a Deus (isto é, pelo amor sobrenatural), é que o instinto de doação, por natureza egoísta, recebe a força de enfrentar até o sacrifício supremo, ignorado e recusado pela natureza, de dar-se sem reservas, mesmo no caso de não encontrar correspondência, mas até indiferença, ingratidão, talvez aversão e ódio. O amor sobrenatural, fruto da graça, desenvolve-se com maior força onde encontra o bom fundamento de paixão ordenada (sensibilidade, instinto de dedicação). Por outro lado o amor sensível, isto é, natural, não pode despojar-se do egoísmo inato senão pelo amor sobrenatural e sublimado por este como altruísmo nobre e por isso levado à perfeição. Sendo o amor o mandamento principal da vida religiosa, é evidente que as almas providas de espírito forte de abnegação podem vangloriar-se de ter obtido um talento precioso para as obras e para o caminho da vida. As vantagens e os frutos dessa paixão, se bem cultivada, são: força de sacrifício, paciência, longanimidade, cuidado, humildade, tato, compreensão, interesse, capacidade de compartilhar das alegrias e dos sofrimentos alheios. Da estirpe dos homens dotados de grande força de abnegação é que Deus chama o maior número dos missionários, pastores, médicos, enfermeiros, educadores, professores etc. São os homens que constroem a sociedade.

Naturalmente, às vantagens de grande capacidade de abnegação correspondem também muitas desvantagens e perigos, cada um dos quais, em caso de vigilância descuidada, pode levar ao afastamento extremo em relação a Deus. São especialmente: a falta de iniciativa e de independência, sugestionabilidade, fraqueza, o gosto pelos elogios, facilidade pela simpatia e antipatia, tendência à afetação, suscetibilidade, parcialidade, inclinação para o fantástico, comodidade e tendência para os prazeres sensuais. Para evitar todos esses perigos é preciso vigilância severa, abnegação, exercício de vontade, docilidade à graça divina. Para a vida religioso-moral é decisivo o uso que o homem faz do forte impulso de dedicação: ou dirige-se para Deus e para os homens, para prestar-lhes honra e demonstrar amor verdadeiro, ou volta-se para si mesmo, para procurar a finalidade própria e última no amor terrestre.

A Paixão Dominante, Orgulho

A atitude psíquica do “orgulhoso” é essencialmente diferente dado “sensível”. Neste caso o valor máximo não consiste no amor, mas na honra. A força fundamental do seu espírito não é o desejo de dedicação, mas a tendência para impor-se e agir. O gerador que o move não é a indigência alheia, mas a s dificuldades e os obstáculos que devem ser superados pela luta. Característica do homem dominado pelo “orgulho” é a vontade de lutar, despertada diante de uma resistência oposta, incitando-o a superar dificuldades notáveis. Quanto maiores forem os obstáculos, tanto mais inflexível se tornará a vontade de lutar e de vencer. Não conhece compromissos nem capitulações. Alegria e a glória consistem em ser inflexível e lutar até a vitória ou até a morte.

As vantagens dessa disposição natural são a capacidade de dirigir, o espírito de iniciativa, coragem, energia, diligência e visão clara da meta. Dessa têmpera são os comandantes, políticos, exploradores, naturalistas, inventores, cientistas, organizadores, fundadores de ordens, chefes de Igreja e do Estado.

Aos consideráveis aspectos luminosos dessa paixão correspondem os relativos aspectos sombrios. São: tendência ao egoísmo, capricho, obstinação, mania de domínio levado até a tirania, dureza de coração raiando a crueldade, cólera, indelicadeza, brutalidade, vaidade, ambição desmedida, altivez, desobediência, megalomania, auto-complacência, presunção.

Também essa paixão dominante deve disciplinar-se constantemente pela graça. A vida religiosa de um indivíduo possuído por essa paixão dominante depende do uso que pode fazer dela: ou a coloca a serviço de ideal grande e sagrado, por exemplo, de Deus ou de seu reino, para a salvação das almas, ou a torna instrumento da glorificação egoísta e soberba da própria pessoa.

Os Temperamentos

Merece particular relevo, para a compreensão da personalidade do indivíduo o conhecimento de seu temperamento. Por temperamento entende-se a disposição fundamental da alma que caracteriza a sensibilidade receptiva quanto à índole, força, profundidade e duração.

As paixões dominantes estão em correlação estreita com os temperamentos, uma vez que a índole psíquica consiste na harmonia entre as tendências superiores e inferiores e a sede das paixões estão na parte inferior. Assim: o desejo de impor-se está ligado ao temperamento colérico, o desejo de dedicação ao sanguíneo ou ao melancólico, enquanto o fleumático é representado pelo apático.

A velha teoria dos temperamentos, cuja terminologia teve origem com o médico grego Hipócrates (377 a.C.), foi muito combatida nos últimos tempos. É certo que a classificação dos temperamentos em colérico, sanguíneo, melancólico e fleumático, que deriva do médico Galeno (séc. II d.C.) não é exata. É justa enquanto mostra ter reconhecido a influência de certas qualidades físicas, sobretudo das funções de órgãos internos, sobre o temperamento. O linguajar comum fala de sangue quente, sangue frio etc. Com isso se obtém uma expressão justa do contraste entre os diversos temperamentos: colérico-fleumático e sanguíneo-melancólico. Há muito tempo também o próprio povo percebeu que o temperamento depende do sistema sanguíneo, e hoje a ciência médica o confirma quando procura explicar a relação entre constituição física e índole psíquica pelas correlações hemoquímicas entre as glândulas internas e o cérebro.

Todavia, não podemos negar que a velha doutrina dos temperamentos, sob o ponto de vista prático, até hoje não foi ainda substituída nem tornada supérflua por qualquer outra concepção equivalente. Não só do ponto de vista prático, no campo da psicologia e da caracteriologia, é de grande valor a classificação tradicional dos temperamentos, mas é plenamente justificada também teoricamente, quando classificamos os graus da emotividade no aspecto duplo de sensibilidade receptiva e capacidade de reação. As diversas combinações da sensibilidade receptiva forte ou fraca, com a capacidade de reação, dão origem a quatro temperamentos :

1) O colérico, com forte sensibilidade receptiva e forte reação;
2) O sanguíneo, com forte sensibilidade receptiva e reação fraca;
3) O melancólico, com sensibilidade receptiva fraca e reação forte;
4) O fleumático, sensibilidade receptiva fraca e reação fraca.

Os temperamentos apresentam o mesmo quadro das paixões dominantes. Ninguém possui temperamento no estado puro, mas combinado mais ou menos com os outros, embora apresentando, em geral, predominância bem reconhecível.

O conhecimento das características e dos sinais positivos e negativos dos temperamentos é de grande importância, especialmente para o diretor espiritual da juventude. Muitas vezes temos de lamentar a pouca confiança do jovem no pastor. É próprio do jovem encontrar dificuldade em abrir-se ao pastor, especialmente nos casos da solidão espiritual e da falta de ajuda. Algumas vezes é o orgulho que o impede, outras a impossibilidade inculpável de descrever certo estado de ânimo.

Nenhum esforço para obter-lhes a confiança leva ao escopo desejado, mesmo se feito com a maior gentileza e com todo o respeito. A melhor estrada é o conhecimento da psique por meio da identificação do temperamento. Só quando o jovem se sente penetrado e compreendido na sua solidão e angústia, é que se exprime o impedimento da reserva natural e a alma se enche de confiança.

Psicologia Da Vida Sexual



Na época do materialismo ateu, consideravam a função sexual dos homens apenas como meio de satisfação da libido, cujas conseqüências naturais podiam ser evitadas com violações arbitrárias das leis da natureza.

O fanatismo racial dos últimos anos, sem nenhum sentimento espiritual, descobria no instinto sexual um meio para tomar o próprio povo grande e poderoso, pronto a combater e exterminar outros povos e outras raças, mediante o desprezo dos direitos humanos mais primitivos, aniquilando ou impedindo a vida dos seres fracos e não idôneos para a luta e criando os descendentes da raça pura. Diante desse conceito de vida sexual, contrário à dignidade humana, perguntamos qual seja o significado e o alvo da sexualidade, desejado por Deus e digno do homem. Da resposta a essa pergunta aparentemente teórica, resultam conseqüências para a psicologia e para a prática da cura pastoral. Indica-se em geral a geração de nova vida e a propagação da espécie como objetivo da sexualidade humana. É a verdade, porque está de acordo com a natureza de muitas qual idades sexuais do homem e da mulher. Mas aí não está a relação completa do complexo sexual e, menos ainda, da grande diferenciação psíquica que se manifesta nos dois sexos. E mesmo se toda a esfera sexual se destinasse à procriação, ficaria sempre a pergunta: Por que o Criador quis para a geração justamente a forma bissexual, quando no resto da natureza existem também outras formas de propagação? “Mas a essência da sexualidade deve ter razão mais profunda, uma vez que abarca e fundamenta também as peculiaridades psíquicas dos dois sexos. Observação demasiadamente superficial pode demonstrar-nos que o homem e a mulher completam-se reciprocamente, que se comportam como partes de um todo de natureza superior, mesmo em outros setores que nada tem a ver com a procriação. O homem parece fragmentado na sua totalidade física e psíquica. Uma relação polar de atração e repulsão recíproca, de um procurar-se e escapar-se, fornece os elementos de processo vital singular. Nessas tensões está expressa a intenção do Criador, segundo a qual os dois sexos devem fundir-se numa síntese determinada, completar-se reciprocamente numa criação ulterior, que ultrapasse os indivíduos, sem anulá-los” (F. Zimmermann).

Mas nem mesmo a função integradora dos sexos, no sentido do aperfeiçoamento de cada um, explica o significado último da sexualidade. Surge outra pergunta: por que Deus criou cada ser humano de tal forma que tenha necessidade de um complemento, e por que, por outro lado, esse complemento deve vir por meio de outro ser pessoal? Estamos aqui na metafísica da sexualidade. A razão última está apenas na vontade do Criador de dar vida, por meio do ser particular, a organismo humano superior: a comunidade dos indivíduos diferenciados. Na ordem do plano divino da criação, essa comunidade está colocada acima do ser particular; o todo tem mais valor que as partes. O indivíduo está orientado para a comunidade e a ela deve servir. Assim a comunidade homem-mulher é o protótipo e o modelo de qualquer comunidade humana. Nela o homem e a mulher atingem o aperfeiçoamento natural, nela o ser pessoal eleva-se à vida vivida em conjunto, um pelo outro, em complemento recíproco. Por isso a família não é uma comunidade, mas a comunidade dos homens. E justamente não só no setor natural, mas também no religioso. “A cabeça de todo homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem, e cabeça de Cristo é Deus... O homem, portanto, não deve cobrir a cabeça, porque é imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem. De fato, o homem não é da mulher, mas a mulher do homem. Pois o homem não foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem” (1 Cr 11.3ss). A sociedade entre o homem e a mulher, a simbiose sexual, não tem, portanto, como finalida de só a troca de bens terrenos, mas por tarefa suprema a mediação entre a comunidade e Deus. A mulher chega a Deus por meio do homem, como Deus chega à mulher por meio do homem. Assim aconteceu na criação da mulher e assim continua na criação posterior, no processo vital dos sexos. Dessa forma o homem é o mestre e o sacerdote da mulher. Antes do pecado original o vínculo conjugal era também comunhão sobrenatural com Deus, no qual o homem foi mediador dos bens e das graças divinas. A mulher foi santificada mediante a união com o homem; por meio dele a mulher era admitida não só à comunicação da natureza humana mas também à da vida divina da graça. Com o pecado original, no qual o homem caiu por meio da mulher, a corrente da vida sobrenatural separou-se do vínculo conjugal e agora caminha por conta própria.

O matrimônio torna-se agora, segundo o ensinamento do apóstolo Paulo, o grande mistério e a imagem da união vivificadora e cheia de graça de Cristo com sua Igreja.“ Na nova ordem, também o vínculo sexual foi santificado, como imagem da união de Cristo com a alma em estado de graça, como era no estado primitivo, quando o homem representava ainda para a mulher o mediador da graça sobrenatural. Com a santificação do homem e da mulher, mediante a união com Cristo, também se leva a sua união novamente à função sobrenatural originária. No matrimônio consagra-se o homem outra vez sacerdote da mulher, de modo que o casamento, como no estado primitivo, se torna comunhão não só de bens humanos, mas também dos bens divinos” (Zimmermann).

Deste conceito conclui-se que o homem deve ser social e econômico, guia do círculo familiar não só no aspecto social e econômico mas também religioso. É uma inversão da ordem desejada por Deus que o homem seja levado pela mulher ao cumprimento dos deveres religiosos. Infelizmente, tal é a situação de hoje, na maioria das famílias. Impõem-se a renovação e o aprofundamento da religiosidade masculina, se quisermos que as famílias possam merecer o nome de “cristãs”. A devoção das mulheres e das crianças não é suficiente para conservar a religião de um povo. A vida pública é sempre determinada pelo homem. E a vida religiosa não é só assunto privado, mas em primeiro lugar público, dever da coletividade.

O homem não pode cumprir com sucesso a missão de sacerdote da família se não estiver pronto para o sacrifício. O sacrifício é também e sempre o dever principal do sacerdote. O sacrifício especial do homem na família consiste em ter de providenciar e carregar a responsabilidade principal, para que o casamento fique puro e sagrado, e se conserve a fidelidade conjugal. Todos sabem que o Redentor restabeleceu o ideal do matrimônio único e indissolúvel, como era antes da queda do homem, como norma obrigatória para todos os tempos. A indissolubilidade e a unidade não são exigidas só pela relação numérica dos sexos, mas também pela dignidade da vida espiritual dos homens. “O erro fundamental de qualquer tentativa moderna de reformar o matrimônio uno e indissolúvel, como instituição superada, parte da ideia de ser o amor conjugal embriaguez dos sentidos. O verdadeiro amor conjugal é uma forma duradoura com complementação recíproca do próprio ser. O amor verdadeiro, digno do homem e moralmente elevado, é uma das experiências mais profundas do homem. Mas, quanto mais profunda é uma experiência, tanto mais singular e tanto menos se sente a necessidade e o desejo de repeti-la sob outra forma, pois é capaz de encher uma vida inteira com o ardor e a força que possuir” (Ruland).

Para compreender a psicologia da vida sexual é preciso conhecer também a natureza e a função do pudor. O materialismo procurou muitas vezes considerar o pudor como simples resultado da educação e não elem ento natural da vida psíquica. Ao contrário, devemos afirmar que também a psicolog ia médica concebe o pudor como fenômeno profundamente enraizado no conjunto dos reflexos e não produtos da educação convencional como querem apresentá-lo os cultores de nudismo exagerado.

Considerado do ponto de vista psicológico, o pudor ocupa posição intermediária entre o instinto da cólera e o do medo. Na essência consiste em sentimento penoso de repugnância que se levanta, quando terceiras pessoas, sem consentimento pessoal, procuram imiscuir-se, como espectadores ou testemunhas, na realidade da própria sexualidade consciente. Fisiologicamente, acompanhado reação positiva, característica dos sentimentos do grupo colérico (p. ex. rubor no rosto), comportando, todavia, ao mesmo tempo, sensações de aborrecimento, como a encontramos nos sentimentos do grupo medo. O pudor surge no homem como defesa evidente da alma contra a imposição da vida instintiva. Como defesa extremamente íntima da alma, protege o homem de índole boa contra a condescendência impensada às instigações do impulso instintivo, pois encontra nesse sentimento, corretivo psíquico e contrapeso. Devido a essa finalidade própria, compreende-se como o pudor seja notavelmente mais fraco na idade infantil e senil, e não nos anos de pleno vigor sexual. Encontramos de igual maneira, proporção direta entre a intensidade do pudor e a força do instinto sexual, de modo que devido ao forte sentimento de pudor podemos inferir forte instinto sexual e vice-versa. Julga-se e ressente-se a ofensa ao pudor de maneiras diferentes, conforme o costume, origem, clima e circunstâncias. Por isso a divisão do corpo em partes decentes, menos decentes e indecentes, como encontramos em velhos e, infelizmente, em recentes tratados de moral, não tem fundamento teórico nem serve para o julgamento prático do lícito ou do indecente, como se tratasse de uma espécie de circunscrição de zona determinada. Assim dizendo, naturalmente, não queremos desconhecer ou negar que, nas circunstâncias normais da vida, os desnudamentos de vários gêneros possam produzir maior ou menor escândalo ou ter efeitos excitantes. Mas nada do que Deus criou é pecaminoso ou indecente em si mesmo, e o efeito lesivo ao pudor depende das circunstâncias , que não têm relação alguma com as partes do corpo. Não há dúvida que algumas vezes a nudez completa é menos excitante que um vestido provocador, que acentua as formas do corpo em vez de escondê-las, estimulando ainda mais a fantasia. Uma mulher que amamenta o filho, produz menos excitação que uma jovem que participa de uma dança com um vestido transparente e muito decotado. O problema todo contém no terreno prático, o mesmo fator irracional da vida real que se encontra por toda parte; e é justamente muito difícil e complexo para poder resolver-se mediante fórmulas simples.

Apresentamos agora um resumo de algumas considerações de Rhaban Liertz, relacionadas com as questões no seu livro “Harmonien und Disbarmonien des menschlichen Trieb-und Geistelebens” (Harmonias e desarmonias na vida sexual e espiritual do homem).

A escolha dos futuros cônjuges, na hipótese de que a causa primeira do matrimônio seja o amor e não outras razões, como herança, imposição dos pais etc., depende de poucos elementos decisivos, conscientes e pessoais. Sabemos que o primeiro movimento de uma atração erótica surge independentemente da vontade do indivíduo. O homem parece atraído mais pelas formas e pela graça da mulher e esta mais pelo comportamento dele. Felizmente a beleza constitui valor que não é super-valorizado em geral no reino do inconsciente; e muitos reconhecem que uma pessoa externamente bela não é de per si e em todas as circunstâncias a mais desejável. Parece que a faculdade seletiva da atração sexual tenha vista mais perspicaz para distinguir o comportamento do que para apreciar a forma e saiba avaliar, com segurança surpreendente, o incremento necessário de força que o completamente da afinidade seletiva promove em favor da geração futura. Só assim se explica o amor que determinado indivíduo sente por determinada pessoa, amor que muitas vezes parece inconcebível a terceiros. Os motivos mais profundos e decisivos da atração por determinada pessoa e o desejo de tê-la como companheira de vida, escapam ao julgamento humano e permanecem misteriosos. É curioso que, muitas vezes, justamente os seres de natureza diversa sintam atração recíproca, enquanto os de índole igual ficam indiferentes. A ciência biológica atribui esse fenômeno à intenção oculta da natureza que tende ao bem da descendência, mais garantido pela união de elementos heterogêneos. Mas daí resultam não poucas crises matrimoniais e divórcios. Prova-se também que a atração sexual entre dois indivíduos resulta de fatores em parte desconhecidos para nós, que contêm freqüentemente elementos irracionais, verificando-se que a atração pode manifestar-se mesmo quando não existe perspectiva alguma de matrimônio. Não se trata de assunto de muitos romances: é causa de inúmeras tragédias na vida real. O amor que o homem dedica à mulher que deseja desposar apresenta tendência es tranha à idealização e à supervalorização que parecem indispensáveis ao eu p ara aceitar ligação tão forte como a do amor. Também a mulher, no entusiasmo do afeto, parece não perceber os defeitos do homem, mesmo os grandes e evidentes, ou, pelo menos, espera, confiante, que Ele queira livrar-se dEles por amor a ela. Assim se explica, por exemplo, que uma jovem case com um homem que sabe ser beberrão inveterado.

Para compreender a atração recíproca dos sexos ajuda o conceito da chamada polaridade. Esta compreende não só uma diferença qualitativa de reações, mas também uma espécie de tensão que impele à compensação. Sua lei é: “os elementos heterogêneos se atraem, enquanto os homogêneos se repelem”. Niedermeyer diz: “Os dois sexos se completam um ao outro, tanto mais perfeitamente quanto mais acentuadamente a personalidade de um encontra compensação na polaridade heterogênea do outro”.

À luz deste princípio torna-se evidente que um homem, de caráter acentuadamente masculino, sinta-se atraído por uma mulher de caráter feminino-materno e repelido por uma mulher de maneiras masculinas. A supramencionada atração explica o “matrimônio de contrastes”.

Um homem de maneiras femininas sentir-se-á atraído por mulher máscula. Tal “matrimônio de contrastes ao reverso” pode, às vezes, conduzir à compensação esperada. Considerando, porém, que a intersexualidade bitola-se muitas vezes por fenômenos de degenerescência psicopata, essa infeliz atração recíproca conduz ao aumento das dificuldades de vida para ambas as partes, e é também desfavorável à descendência, visto poder originar taras hereditárias e degenerescências ou, pelo menos, provocar atritos, dificuldades e conflitos. Podemos, além disso, revelar neste ponto que, segundo as experiências da biologia moderna, em todo organismo masculino existem também hormônios sexuais femininos, e no físico feminino estão presentes hormônios masculinos. Por isso em qualquer caráter encontramos algum vestígio do outro sexo (Pesquisas de Eugênio Steinach).

Levando em consideração estes fatores biológicos, compreendemos melhor a observação de Kafka, estranha à primeira vista: “Parece que certo quantum de tendências homossexuais age mais ou menos oculto na alma de todos, e logo que intervêm condições favoráveis, pode explodir abertamente”.

É justamente a observação de Liertz, com relação a certas mulheres que, às vezes, importunam até o obreiro do Senhor. Diz Ele: “Há mulheres que recusam o homem como participante da vida sexual e isso um pouco por aversão à parte que desempenham na função sexual; mas não sabem renunciar completamente ao homem, como estímulo da sua feminilidade. Escolhem como amigo, mais inconsciente que conscientemente, o celibatário, pois sentem-se assim mais seguras dos perigos da maternidade. Concentram nEle todos os afetos que, de outra forma, dada a intensidade de desejo sem ligação, trabalhariam no ar. Desde que esta situação não pode dar satisfação completa, a amizade degenera em toda espécie de bolores sentimentais, mórbidos e psicopatas”. Cada pastor de alma, que vive no meio do mundo, o sabe por experiência.

Tem-se ventilado inúmeras vezes a questão da possibilidade de uma amizade pura entre homem e mulher, fora do matrimônio. Uma vez que tais amizades existem e sempre existiram, não podemos duvidar de sua possibilidade. Mas, são exceções raríssimas, possíveis só onde há firmeza especial de caráter e uma graça extraordinária. Em linhas gerais estamos de acordo com Rhaban Liertz, quando afirma: “A amizade autêntica é possível só na mais íntima comunhão de vida, como acontece na união harmoniosa do homem e mulher com o casamento. Por isso é mais aconselhável que o solteiro, que quer persever ar no propósito de vida continente, renuncie a qualquer amizade com uma mulher. Tanto mais se deve, de modo absoluto, evitar tudo o que entre no âmbito de comunidade conjugal; de modo especial todas as demonstrações externas de afeto, sobretudo a que é expressão típica do desejo de união, isto é, o beijo e o abraço. Uma amizade verdadeira, completa entre homem e mulher não é possível senão no matrimônio”. Devemos acrescentar, para sermos completos e justos que há manifestações de afeto e também fora do matrimônio podem surgir amizades (pelo menos entre homens) que são notavelmente mais profundas, espiritualmente harmoniosas e radicadas na alma, do que tantas amizades entre cônjuges.

Cada educador e pastor de almas devem visar à criação de uma união definitiva só nas criaturas, que não se amam unicamente com amor sexual, mas sobretudo do profundo da alma. Os matrimônios puramente convencionais ou de interesse econômico ocultam sempre um risco perigoso. O casamento de pessoas pouco exigentes com relação às qualidades do respectivo cônjuge não é, felizmente, sempre tão funesto como seria de temer. A parte que mais sofre é a mulher que, também no matrimônio aparentemente feliz, obtém em geral muito menos amor por parte do marido do que espera e merece em consideração ao grande sacrifício de mãe.

É dever da educação, da direção religiosa e da influência da mulher levar o homem ao amor nobremente humano e cristão, apesar do egoísmo inato e sensualidade intensa, de modo que trate a mulher com bondade, respeito e delicadeza e a venere com companheira digna de sua vida. A mulher, porém, deverá aprender a se resignar, se não puder encontrar nem mesmo no mais profundo e mais terno amor terreno a satisfação perfeita da sua alma, pois Deus criou para si o coração do homem e por isto este ficará inquieto enquanto não encontrar no amor divino a paz eterna e perfeita.

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