O presente estudo da questão da Missão Urbana trabalha três elementos chaves:
A fundamentação bíblico-teológica, o conhecimento do processo de urbanização e as ações propostas para a comunidade local.
É desejável que cada pessoa, em seu ministério específico, aprofunde o estudo aqui iniciado. Para auxiliar esta tarefa, no final do texto, proponho uma indicação bibliográfica.
Ao tratar o tema “Missão Urbana” é imperioso que fique bem claro com que conceito ou visão missionária a gente trabalha. Eu trabalho com a visão da Missão Integral que se caracteriza pela seguinte compreensão:
Apresentar, fundamentar e sustentar teologicamente a Missão de Deus confiada à Igreja, que consiste em:
Anunciar o amor de Deus revelado em Jesus Cristo que abrange:
A salvação das pessoas, a transformação da sociedade e a preservação de sua boa criação.
Estudiosos da Missão urbana afirmam que o vocábulo “cidade” ocorre mais de um mil e quatrocentas vezes ao longo da Bíblia. Na maioria delas, cidade é traduzida das palavras IHR do hebraico e PÓLIS do grego. O significado usual do termo nem sempre corresponde a estes dois conceitos. Assim, por exemplo, no AT quando autores se referem a Jerusalém ou Judá, podem designar o povo de Israel, como um todo, não apenas a sua cidade (Is 3.1). No NT, o termo pólis pode ser usado para referir-se, simplesmente, a um pequeno povoado, que nada tem a ver com o conceito grego de cidade-estado: “andava de Jesus de cidade em cidade...”(Lc 8.1). Há, contudo, ao longo da Bíblia, uma espécie de fio condutor que identifica a cidade como centro de onde emanam as ordens que governam um povo. A cidade, a rigor, é vista no AT como sede de governo - centro do poder. Este poder está a serviço da dominação religiosa, militar ou econômica, ou pela conjugação destes. Neste caso, trata-se de um império ou ditadura. O povo de Deus, através de seus profetas, exige um governo justo que promova a paz social e a prosperidade (o shalom de Deus). Esta exigência é reclamada de todas as nações e não se limita, portanto, ao povo de Deus. Com isto fica claro, desde logo, que a tarefa da Missão Urbana não se limita à vida na comunidade mas visa a toda a cidade. Não se restringe, portanto, à vida religiosa. Sonha certamente com a transformação social dentro do melhores padrões da ética, justiça e sustentabilidade.
A PERCEPÇÃO BÍBLICA DA CIDADE
Missiologia são as duas palavras de raiz grega que compõem o termo ‘missiologia’. Logia significa ‘estudo’. Missio significa ‘concernente à missão’. Portanto, dentro de um contexto cristão, com o propósito de equipar-se ao trabalho urbano, escolar ou acadêmico, falar de missiologia é tratar sobre estratégias contextuais de alcance. ‘Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do Poder seja de Deus, e não de nós’ 2 Co 4.7
A partir deste tema, serão analisados os seguintes pontos: Existe algo como uma “Teologia da Cidade” ou: “hermenêutica da cidade”? Os “paradigmas”: Babilônia e Jerusalém. A cidade, vista como Babilônia é o símbolo da violência e da perversão. Seus construtores são: Ninrode - proto-monarca (Gn 10.8-12; Gn 11.1-9). As advertências proféticas contra a monarquia: a Fábula de Jotão (Jz 9.7ss) - crítica ao desejo do povo de escolher um rei guerreiro. A advertência de Samuel para o custo da monarquia (I Sm 8.1ss). 2.1.
A cidade vista como Babilônia, símbolo do poder e da violência No AT, o povo de Deus sente-se, quase permanentemente, ameaçado pelas cidades. Não por qualquer uma nem pela cidade em si mas pelas cidades como centros do poder monárquico, totalitário. Babilônia simboliza esta cidade sanguinária, violenta e perversa. A origem da cidade, tanto na Bíblia como na pesquisa secular, permanece como algo distante na história, nem sempre bem esclarecido. Aqui se trata de olhar a cidade como é apresentada ao longo das Escrituras, onde está vinculada à dominação ou a vontade de exercer o poder governamental. Caim é apresentado como o primeiro construtor de cidade (Gn 4.17). Não há comentários sobre esta.
É provável que tenha servido como refúgio e segurança para o fugitivo Caim. O segundo construtor de cidade é apresentado como um caçador: Ninrode. Curiosamente, o que Ninrode (Gn 10.8-12) caçava não eram animais selvagens (embora todo dominador fosse hábil neste ofício). Na verdade, caçava as riquezas das cidades e povoados vizinhos. Assim, acumulava a fama e fortuna, até tornar-se homem poderoso, uma espécie de proto monarca, fundador das cidades que sediaram os impérios bélicos da antiguidade. Israel sentia-se ameaçada e sofria sob a ação militar destes impérios. A narrativa ou parábola da construção da torre de Babel (Gn 11.1-9) segue a mesma lógica. A torre – migdal no hebraico – é uma fortaleza militar, símbolo da dominação (compare Dt 1.28; 9.1).
Os mandantes desta gigantesca obra tinham sonhos imperiais. O povo de Israel, por sua vez, nômade ou seminômade muitas vezes, foi vítima de incursos militares e saques comandados por monarcas urbanos. Por isso, a tradição profética expressa, com veemência, seu repúdio ao Estado Monárquico. A fábula de Jotão (Jz 9.7-15) e a advertência de Samuel (1 Sm 8,1ss) são alertas para o ilimitado poder do Estado Monárquico.
Além disso, o poder político, no passado como agora, vincula-se aos melhores aliados: o exército, a religião, o mercado (a economia) e as alianças entre uns e outros. Um exemplo desta aliança ocorre no julgamento de Jesus. Foi condenado pela cumplicidade da religião (que via seus lucros ameaçados) aliado ao Estado. Nenhum Império, por poderoso que seja, é eterno.
Deus continua sendo o Senhor da história. (A superação da Babilônia ocorrerá com a derrocada do mercado (Ap 18-19) e o triunfo do Rei dos Reis e Senhor dos Senhores – Jesus e a instauração da cidade celeste, a Nova Jerusalém (Ap 21-22)). Assim, ao longo do AT, a cidade, como centro de poder e dominação, é identificada como sendo Babilônia. Simboliza a encarnação da violência, a dominação e a perversidade. Embora seja uma criação humana, fruto da cultura, e não criação de Deus, isto não significa que esteja entregue ao capricho de governantes inescrupulosos. Deus reclama um outro perfil para a cidade.
A cidade como espaço de misericórdia, justiça e paz. Em contraste à cidade dominada pela violência, Jerusalém aparece na Bíblia de duas formas distintas: é a cidade capital espiritual de Israel e, ao mesmo tempo, portadora de um símbolo: simboliza a cidade da justiça e da paz.
É apresentada como a encarnação (idealização) da cidade da compaixão, da misericórdia, da justiça e da paz, cuja origem remonta a Melquisedeque, Rei de Salém, Rei da Justiça que abençoa Abrão (Gn 14.18-20). Historicamente, a cidade de Sião era uma fortaleza militar dos jebuseus, conquistada somente por Davi e transformada em capital espiritual do povo de Deus. (Js 15.63 e 2 Sm 5.6-11) Ao longo do AT, Deus reclama a cidade como espaço de misericórdia. Este tema é expresso através de vários autores sagrados : a oração de Abrão sobre Sodoma (Gn 18,16ss), o tema da superação da violência e da impunidade ressaltado na criação das cidades de refúgio (Nm 35.9-15; Dt 4.41-43; 19,1-3), a desconcertante compaixão de Javé por Nínive que surpreende Jonas e sua moral religiosa (Jonas), a carta de Jeremias aos exilados - uma demonstração de como Javé preza a paz da cidade ( Jr 29), a atitude compassiva de Neemias na reconstrução da Jerusalém arruinada... apenas alguns entre muitos outros exemplos.
Todos destacam que Deus não têm prazer na destruição da cidade violenta mas deseja sua conversão. A culminância do símbolo Jerusalém encontra-se na Nova Jerusalém (Ap 21-22). Nela, reinará a plenitude da vida relacional e ecológica. É o paraíso urbano. Todo tecido social será perpassado pela vida em plenitude.
AS CIDADES NA BÍBLIA
O termo cidade na Bíblia ocorre mais de 1.600 vezes no Antigo Testamento e 160 vezes no Novo Testamento, sem contar as vezes em que nomes de cidades são usados. As primeiras cidades surgiram por volta do ano 3.500 a. C.
A primeira cidade mencionada na Bíblia é a cidade fundada por Caim - “Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque”. (Gn 4:17). O contexto em que esta cidade é apresentada é muito importante. Caim estava discutindo com Deus sobre o que ele havia feito para com seu irmão e qual seria o julgamento de Deus sobre ele. Caim reclama de que ele não suportaria aquele castigo e Deus, cheio de compaixão em sua graça, permite que Caim não fique em completo desespero, sem nenhuma proteção. Caim ficou contente com a solução divina porque ele não ficou solto num mundo em anarquia total. A ele foi permitido se encontrar com outras pessoas e, inclusive, construir uma cidade. Conseqüentemente a cidade em si não era uma coisa ruim; ela surgiu diretamente da graça de Deus. Kline até argumenta que a construção de cidades era o propósito do “Mandado Cultural”
Se o conceito da cidade não está errado em si próprio, qual é o problema então? O problema é o uso que foi feito dela pelo homem caído que estragou o propósito da cidade. Quando Caim inaugura a cidade ele a nomeia em homenagem a seu filho chamado Enoque. Desde o recomeço Caim comete o mesmo erro que o levou a matar a seu irmão. Ele estava mais preocupado em edificar seu próprio nome ao invés de dar glórias a Deus por aquilo que Deus havia feito por ele. A narrativa mostra uma situação até pior com o progresso da genealogia. Lameque, um descendente direto de Caim, usa sua autoridade de líder da cidade para quebrar os mandamentos de Deus em relação à família : ele toma para si duas esposas. Como se isto não bastasse, ele também abusa da sua autoridade e estabelece leis opressivas para lidar com aqueles que não concorda com ele. As palavras de Lameque às suas esposas, claramente demonstram sua rebelião contra Deus: “Sete vezes se tornará vingança de Caim, de Lameque, porém, 70 vezes sete” (Gn 4:24). Isto é uma perversão do propósito divino para o estado.
Como Kline diz, também a cidade se torna o Templo do homem. Lameque, em suas próprias palavras está tentando ser como Deus.
Na área do mandato social, a evidência da desobediência e rebelião tornou-se mais predominante. Lameque casou-se com duas mulheres (Gn 4.19), quebrando a determinação de um macho e uma fêmea tornarem-se uma só carne (Gn 2.24). Ele assassinou um jovem em vingança por ter sido ferido; Lameque, arrogantemente, escarneceu de Deus dizendo que estava preparado para aceitar a vingança divina em um grau muito maior do que a que Caim teve (Gn 4.34). Moisés registrou que como "os homens começaram a crescer em número" (Gn 6.1), a revolta social piorou. A violência tornou-se um modo de vida (Gn 6.11). Casamentos que não honravam a Deus foram escriturados (Gn 6.1-2). Está claramente inferido que, no seu tempo, Noé era o único homem que tinha um casamento e uma família que honravam a Deus (Gn 6.9).
A corrupção espiritual estava integralmente envolvida na deterioração social e violência dentro do domínio social. O mandato de comunhão que o Rei Criador tinha colocado diante dos seus vice gerentes, havia sido desobedecido no Éden. Yahweh tinha feito a restauração se tornar possível. Alguns invocaram e caminharam com Yahweh. Mas, assim como as pessoas cresceram em número, existia mais e mais maldade sobre a terra. A raiz desta maldade estava no coração das pessoas; toda a inclinação do pensamento originada do coração "era somente má todo o tempo" (Gn 6.5). Note que o texto usa o termo "todo" duas vezes e o termo "somente". O grau extremo de depravação espiritual nos é, então, revelado.
A narrativa é interrompida neste ponto e a genealogia de Sete é apresentada, mas logo depois desta o autor volta ao tema da cidade dominada pelo homem. Em Gênesis 6, nós temos a razão porque Deus mandou dilúvio. O abuso de autoridade agora é ainda maior. O número de pessoas aumentou e o número de casamento também, e no versículo 5 nós vemos que a maldade continuava e o desígnio do coração era continuamente mau.
Provavelmente a pior fase desta narrativa é a atitude dos lideres (Gn 6:2). Eles se chamavam a si mesmos Filhos de Deus. Eles falam como se Deus não estivesse no controle e também agem como Deus e tomam as responsabilidades de Deus, como se fossem seus filhos. Deus não poderia mais aguentar esta situação e então Ele os destrói com o dilúvio.
Com o remanescente desta destruição, Noé e sua família, Deus começa aquilo que poderia ser chamado de a “re-criação”. Os paralelos entre a criação original e esta não é somente simbolismo, mas um paralelo nas próprias palavras de Deus. O mesmo caos em água aparece nos dois episódios. Mas o mais imprescindível é que o “Mandado Cultural” é repetido em Gn 9:1. Isto é um sinal claro de um novo começo. Infelizmente é a história do homem tentando tomar outra vez lugar de Deus. O propósito é claro : eles querem uma cidade que engrandeça o nome deles, ao invés de irem, através da Terra, como Deus ordenara (Gn 11:4).
Este estado de apostasia se tornou mais uma vez insuportável para Deus. Entretanto, Ele se mantém fiel a sua Aliança com Noé e não destrói o povo. Deus apenas promove uma confusão na língua deles, de maneira que eles abandonam aquele projeto e fazem aquilo que eles deveriam ter feito desde o começo (Gn 11:6-7).
Como podemos perceber, a Escritura fala amplamente da cidade. Ela é uma realidade com a qual a igreja deve se preocupar. A reflexão cristã sobre a cidade deve ser uma prioridade por parte da igreja. A história, a geografia, a sociologia, o urbanismo, para não mencionar as ciências afins, estudam a cidade. Penso que não seria muito que a teologia também a estudasse.
A igreja é enviada também às cidades, não para assimilar-se a ela, mas para transformá-la, para libertá-la de seus pecados.
A
missiologia urbana, num contexto religioso como o nosso, não pode dispensar a
reflexão bíblica, mesmo que as cidades das quais falam os Textos Sagrados pouco
ou nada tem a ver com as nossas metrópoles. Seria um erro de análise transpor características
das cidades referidas na Bíblia, no entanto não podemos ignorar a história, se
quisermos atuar numa perspectiva cristã. A seguir algumas cidades que se
destacam nas páginas da Escritura, com alguma informação sobre elas:
1) Sodoma (Gn 18.19):
Uma das cinco cidades da planície do Jordão. Estudando esta cidade, percebemos que existe uma relação entre a presença dos fiéis e a preservação da cidade. No caso de Sodoma, se houvessem nela 10 justos, Deus não a destruiria. Há um princípio aqui: o maior mal das cidades não é ambiental, mas sim espiritual e está dentro das pessoas. Em Ez 16. 49-50, temos a causa da destruição de Sodoma por Deus: “Soberba, fartura de pão e próspera tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre necessitado. Foram arrogantes, fizeram abominações diante de mim”.
2) Babilônia:
A capital do império babilônico, fundada por Nimrod (Gn 10:10), localizada às margens do rio Eufrates. Pelos registros do Antigo Testamento sabemos que foi para esta cidade que Deus enviou os melhores jovens para exercerem atividades dentro das estruturas do palácio, durante o cativeiro babilônico. Estes jovens assimilam a cultura da cidade, mas separam perfeitamente sua fé e suas convicções das crenças e costumes desse reino (Dn 1.8-17). Daniel realiza uma obra de assessoria espiritual. Torna-se um estadista com princípios éticos elevados.
A Babilônia simbolizava através das Escrituras a cidade completamente dominada por Satanás. Ela é citada pela primeira vez em Gêneses 11 na decisão humana de construir a Torre de Babel. No nosso contexto a cidade é Babilônia, símbolo da civilização com sua pompa e com tudo organizado para ser contra Deus, William Hendrisken comenta: “Uma cidade que fascina, que tenta, que seduz e arrasta as pessoas para longe de Deus”. Uma cidade mundana, louca por prazeres, arrogante e presunçosa. A descrição da Babilônia (Ap 17 a 19), nos faz lembrar de Tiro (Ez 26-28), um centro pagão de impiedade e sedução, uma grande metrópole industrial e comercial. Babilônia indica um mundo como um grande centro de progresso, de comércio, de arte, de cultura. Simboliza a concentração da luxúria, do vício, dos encantos deste mundo. É o mundo visto como a personificação da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida (I Jo 2.16)
3) Nínive:
Era uma grande cidade para a época, com mais de 120 mil habitantes (Jn 4.11), capital de um poderoso império que durou por volta de 1.500 anos. Mas toda a riqueza e glória dessa cidade provocaram a ira de Deus, já que foram conseguidas através da opressão e da guerra.
Roger Greenway comenta: Toda a vida política ou econômica da cidade se baseava na agressão militar, na exploração de nações mais fracas e no trabalho de escravos. O profeta Naum não poupou adjetivos negativos ao descrever esta traidora de nações e cidade de sensualidades (Na 3.4). Nínive era mestra de feitiçarias e uma capital do vício. Suas obras artísticas haviam sido pervertidas por obscenidades, sua cultura pelos ídolos, e sua beleza pela violência. Chamavam-na de cidade sanguinária` (Na 3.1), porque o despojo haviam-na enriquecido (tradução nossa).
A maldade da cidade provocou a ira de Deus. Greenway acrescenta:
O pecado da cidade era pessoal, pois o cometiam pessoalmente os milhares de habitantes de Nínive. Era também pecado coletivo, porque somada em sua totalidade a vida de Nínive, seu selo era: maldade. Ao sobrevir o castigo, afetaria a cada um.
Lendo os livros dos profetas Jonas e Naum observamos dados importantes sobre Nínive. A preocupação de Deus de salvar a população dessa cidade, que estava fora da Palestina, é prova de que de fato a salvação é universal.
Deus providencia o profeta Jonas com uma mensagem de chamada ao arrependimento. Embora não houvessem boas relações entre os israelitas e os assírios, Deus queria um missionário em Nínive, a qual era a principal cidade dos sistemas urbanos do mundo de então. O profeta foi e pregou percorrendo toda à cidade. Seus habitantes arrependeram-se de seus pecados e Deus aceitou o arrependimento, desistindo de destruir a cidade.
4) Jerusalém:
Jerusalém é uma das cidades mais famosas do mundo. Data do segundo milênio A.C. no mínimo; e atualmente é considerada sagrada pelos adeptos das três grandes religiões monoteístas: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
Embora Jesus tenha pregado em diversas cidades como Cafarnaum, Nazaré, Betânia, Jericó e outras, seu propósito final era Jerusalém (Lc 9:51), a cidade de Davi, a cidade da paz. O conceito de Jerusalém para os judeus como cidade santa, exige um estudo mais detalhado, mas este não faz parte do nosso propósito aqui. Contudo, é mister registrar que é em Jerusalém que Jesus enfrentou os poderes estabelecidos, tanto o religioso quanto o institucional. É a mesma Jerusalém que ele quis aconchegar com afeto materno (Mt 23:37), é nela que com Ele se repete o mesmo destino dos profetas (Mt 23:34). Sua morte se dá fora da cidade, mas o impacto causado não deixou o ambiente urbano sossegado. Guardas foram deslocados para o sepulcro, discípulos de trancam com medo, a cidade se contorce em comentários que depois se transformam em silêncio. Porém, tal silêncio é quebrado pela ressurreição. Jerusalém volta a ser atingida por Jesus, a notícia alvoroça a cidade e à seus líderes mais do que nunca. Em Jerusalém, cidade de Davi, o Messias acabava de implantar o seu reino e reconquistar o poder sobre tudo e todos. O Espírito Santo veio aos apóstolos em Jerusalém no dia de Pentecostes, dando-lhes a capacidade de pregar o evangelho.
Em Apocalipse 21 lemos sobre a “Nova Jerusalém”, que é a Cidade Santa, a Noiva de Cristo, a Igreja Triunfante, a Esposa do Cordeiro. A Bíblia começa com um jardim e termina com uma cidade.
O contraste entre estas duas cidades e a Nova Jerusalém é claro. Enquanto estes tiranos opressores usam as cidades para a sua própria glória e propósito, na Nova Jerusalém os reis da Terra vêm para apresentar a glória de Deus. (Ap 21:24). O propósito de Deus jamais falha. Na Nova Jerusalém Deus claramente demonstra o seu propósito escatológico para a cidade. A cidade era para ser um lugar onde os reis viriam para exaltar o Rei dos Reis e não para elevar a si próprios.
DIALÉTICA: JERUSALÉM E BABILÔNIA
Babilônia e Jerusalém são dois símbolos e duas realidades presentes nas cidades ao longo da história. Nenhuma cidade é totalmente Babilônia nem completamente Jerusalém. Não se trata de um dualismo: ou uma ou outra, mas de uma relação dialética, isto é: cada cidade é simultaneamente Babilônia – cidade marcada pela injustiça e pela opressão e Jerusalém – cidade que carrega de sinais de vida e de esperança.
A Jerusalém histórica tornou-se Babilônia apesar de todo cuidado de Deus para com ela (Ez 16). Para uma percepção teológica adequada desta dialética, é necessária a busca de uma chave hermenêutica (interpretativa) que permita lidar com esta realidade.
A melhor chave hermenêutica para a Missão Urbana, no entanto, encontra-se na palavra de Jesus: Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo de suas asas, mas vocês não quiseram! (Lc 13.34 NVI) Por que esta palavra é tão central? Nela, Jesus mostra a relação dialética entre a realidade objetiva e subjetiva da cidade. A cidade é, simultaneamente, Babilônia e Jerusalém. Nela, opera o juízo e a graça, a violência e a misericórdia.
O Evangelho do Reino, por sua vez, segue a lógica dos profetas do AT. Sustenta, assim, uma proposta para a superação desta dialética que ocorre através do arrependimento e da conversão. Veja o acontecido em Nínive de Jonas. A mesma mensagem é anunciada por João Batista. A figura da galinha, que acolhia os pintinhos debaixo das asas, simboliza o desejo de Jesus de abraçar a cidade com misericórdia, o qual a natureza babilônica (violenta) dos governantes não permitia.
A MISSÃO URBANA NO NOVO TESTAMENTO
A mensagem do Reino de Deus, após a ressurreição de Jesus, transpôs as fronteiras da Palestina e ingressou no mundo das grandes cidades gregas e romanas. Em cerca de 20 anos, o Evangelho alcançou a Antioquia na Síria, Roma na Itália, Éfeso na Ásia Menor, Corinto na Grécia, Filipos e Tessalônica na Macedônia e Alexandria no Egito.
O Evangelho seguia as grandes rotas comerciais. Ao analisar a expansão quantitativa e qualitativa do movimento cristão nos primeiros séculos da era cristã, Rodney Stark, levanta uma instigante questão: De que forma um minúsculo e obscuro movimento messiânico da periferia do Império Romano desbancou o paganismo clássico e tornou-se a religião dominante da civilização ocidental? Embora esta questão mereça um aprofundamento maior do que aquele a que este artigo propõe-se, convém atentar para as explicações relevantes a seguir apresentadas.
Nélio Schneider observa: o aspecto intrigante exatamente é que a mensagem do evangelho encontrou ressonância num meio totalmente diferente do de sua origem e teve como meta fazer a cabeça e o coração de pessoas da pólis e da urbs, às quais, a princípio, nem eram visadas. Como isto aconteceu? Tomemos com figura chave deste processo o apóstolo Paulo. Como um ser da cidade, parece que alimentava uma “utopia urbana (Fp 3,20) que nunca chegou a descrever. Suas cartas, no entanto, exortam os cristãos a viverem a cidadania de maneira digna do Evangelho (Fp 1.27; 1 Ts 2.12). Desde o início, a comunidade cristã entende-se como parte da pólis e não uma segregação à parte.
Para Nélio Schneider, a vivência cidadã dos cristãos foi o fator fundamental para construir a ponte entre o interiorano e o urbano. “Quem divulgou o Evangelho não questionou a cidade em si, mas a viu como um lugar de concretização vital da mensagem evangélica. Não foi o Evangelho que acolheu o meio urbano mas o meio urbano que acolheu o Evangelho”... “Este é o primeiro dado importante: o Evangelho não problematiza o urbano por princípio”. Segundo Rodney Stark, o avanço do Evangelho deve ser creditado a três fatores: A força do amor expresso, entre outras, na atitude demonstrada quando acolhem crianças recém-nascidas abandonadas pelos romanos. Afinal, a marca maior dos cristãos não consistia em ritos religiosos ou liturgias extravagantes, mas na maneira como viviam o mandamento maior dado por Jesus: "amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei”.
A vida com dignidade. No interior de uma sociedade escravagista, as comunidades cristãs vivenciavam uma solidariedade ímpar. Em Cristo, superavam as descriminações raciais, sociais, econômicas, religiosas e de gênero. Tratavam-se como irmãos e irmãs. Especialmente as mulheres e as crianças eram tratadas como iguais aos adultos. E o casamento monogâmico era uma maneira robusta de restaurar a dignidade feminina. O senso de liberdade em Cristo. A essência do Evangelho era algo tão especial a ponto de optarem por assumir uma vida leve, sem apegos a bens materiais, status social, riquezas, ...Nem mesmo a morte valia tanto quanto a liberdade encontrada pela na graça salvadora de Cristo Jesus. Desta maneira, a qualidade do ser das comunidades cristãs serviu como fermento e sal na sociedade romana.
A qualidade superior da ética decorrente da fé cristã contagiava as pessoas e, consequentemente, as cidades da época. Longe de esgotar tão apaixonante assunto, cabe-nos indagar qual o nosso papel atual no cenário urbano brasileiro. Todavia, para mergulhar nesta questão, impõe-se a compreensão da lógica do processo urbanizatório brasileiro e suas consequências sociais e espirituais.
MISSÃO URBANA / CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E RELIGIOSAS
Para entender a realidade urbana de nossos dias, é indispensável a compreensão das causas e das consequências do processo urbanizatório brasileiro na segunda metade do século XX. A vitória definitiva da cidade sobre o campo aconteceu no Regime Militar imposto em 1964, o qual consagrou aqui o capitalismo monopolista da grande burguesia internacional aliada à burguesia nacional composta de industriais, empresários e grandes produtores rurais além de latifundiários e, principalmente, das Forças Armadas com apoio logístico da CIA/EUA. Sendo assim, a urbanização brasileira foi bancada pelo Estado e seus aliados para industrializar o país e inseri-lo no moderno mercado mundial. O crescimento das cidades não foi algo natural.
O resultado prático desta política foi o inchaço urbano. As principais causas geradoras da migração campo-cidade foram: a mecanização do campo; monocultura voltada para exportação, desintegração da agricultura familiar, disseminação dos agrotóxicos, eletrificação rural, falta de legislação de amparo ao trabalhador rural, confusão entre poupança e inflação, falaciosas vantagens do crédito bancário... Este processo urbanizatório , a bem da verdade, não urbanizou as cidades. Pelo contrário, produziu um imenso inchaço urbano e causou muitos problemas humanos e sociais.
Eis alguns dados deste processo em âmbito nacional:
1950 :
população rural - 64%; população urbana - 36%;
1980 :
população rural - 32%; população urbana - 68%
2000 :
população rural - 18,8%; população urbana - 81.2%.
2010 : população rural – 14,6%; população urbana – 85,4%.
A cidade de Porto Alegre é a capital brasileira que menos cresceu. Mesmo assim, a sua população quase triplicou em 60 anos:
1950: 368.014 hab;
1980: 1.157.709;
2000: 1.360.590;
2010: 1.409.939 habitantes, sem contar o inchaço na Região Metropolitana.
Curitiba:
1950: 180.573 hab;
1980: 1.024.975;
2000: 1.587.315;
2010: 1.746.893.
No mesmo período de seis décadas, Curitiba, a exemplo de outras capitais, multiplicou sua população em quase dez vezes. As consequências sociais do processo foram a favelização e o inchaço urbano sem infraestrutura, caos na saúde, na segurança e na habitação, a multiplicação da violência (criminalidade), desintegração humana e social, desemprego, drogadicção, prostituição infantil e tráfico de drogas...
Vale lembrar que o regime militar acirrou o contraste entre uma elite rica e a massa dos empobrecidos. Os sinais do progresso contrastavam com a multiplicação das favelas. Esta conduta não foi alterada, em sua essência, nos governos “democráticos” seguintes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário