Essa evolução na forma de conceber a disciplina coincide com
as conclusões de Jean Piaget acerca do desenvolvimento moral e social do
indivíduo. De acordo com Piaget, o desenvolvimento moral e social segue
estágios que equivalem aos estágios do desenvolvimento intelectual. Assim, no
domínio da compreensão de regras, o indivíduo tende a se desenvolver
seqüencialmente de um estágio em que predomina a moral heterônoma - chamada por
Piaget de moral da obediência e do dever e caracterizada pela atitude
egocêntrica e pela obediência irrefletida às normas impostas de fora para um
estágio onde predomina a moral autônoma. A moral autônoma caracteriza-se pela elaboração
e aceitação consciente das regras, pela relação de cooperação espontânea com os
outros, pelo respeito mútuo e pela reciprocidade de sentimentos. Nesta última
etapa, na qual predomina a moral autônoma (denominada por Piaget de "moral
da autonomia da consciência"), o indivíduo passa a compreender o
verdadeiro sentido das regras e consegue elaborar uma escala de valores.
Mas para que o desenvolvimento acima descrito possa se
processar, é muito importante a contribuição do ambiente no qual a criança
vive, principalmente no que se refere ao tipo de relações sociais que ela
mantém com os adultos com os quais convive e interage. Assim, se ela desde
cedo, em vez de se acostumar simplesmente a obedecer normas impostas do
exterior, tiver oportunidade de participar da elaboração de padrões de
comportamento e de normas de conduta em conjunto com o adulto, tenderá a
desenvolver mais facilmente a chamada moral autônoma e a capacidade de auto
dirigir o seu comportamento.
A despeito da evolução da concepção de disciplina, alguns
adultos que lidam com crianças e jovens parecem considerá-la desnecessária, e
em nome de um pretenso "modernismo" ou alegando adotar pseudoteorias
mal compreendidas e mal digeridas, parecem até ter medo de usar o termo disciplina.
Mas nós, educadores, não devemos ter medo das palavras. O professor Regi s de
Morais afirma: "não haja engano: é com esforço e disciplina que se
constrói um equilíbrio". Assim, a aprendizagem é um processo interior que
depende do esforço e da disciplina.
A disciplina interior é tão importante em nossas vidas e no
nosso relacionamento com as outras pessoas, que o professor Olivier Reboul
afirma que "a democracia, e principalmente a democracia socialista, é o
regime que exige mais disciplina".
Ora, a disciplina é necessária também em sala de aula, como
a ordenação das condições que possibilitam a aprendizagem. A disciplina escolar
é conseqüência da organização total da escola, isto é, do modo como a escola
está organizada, e também o reflexo da relação que se estabelece entre o
professor e o aluno.
Se pretendemos que nossos alunos dirijam sua conduta de
acordo com princípios coerentemente estabelecidos, devemos trabalhar em sala de
aula no sentido de desenvolver a autodisciplina. Mas o aluno só introjeta
normas de comportamento se ele as pratica no seu dia-a-dia. Por isso, deve-se
cultivar e dar condições para que o aluno possa praticar e vivenciar a
autodisciplina na rotina diária da sala de aula. Para que isso ocorra, o
professor precisa compreender e aceitar os princípios da disciplina democrática
e transportá-los para a sua prática diária em sala de aula. Pois como já foi
ressaltado, a disciplina da classe é, em grande parte, uma conseqüência da
relação professor-aluno.
Apresentamos, a seguir, algumas sugestões que podem ajudar o
professor a orientar a conduta de seus alunos e a criar condições para o
desenvolvimento da autodisciplina:
a) A necessidade de se estabelecer padrões de comportamento.
Estabeleça, em conjunto com os alunos, os padrões de comportamento
a serem seguidos, permitindo que eles analisem e discutam as normas de conduta
propostas, expressando sua opinião a respeito de cada uma delas e contribuindo
com sugestões.
Quando os alunos podem discutir e opinar sobre as regras de
comportamento a serem seguidas por cada um deles, em particular, e pela classe,
em geral, eles tendem a aceitá-las e adotá-las mais facilmente. As sim, os
regulamentos estabelecidos em conjunto costumam ser respeitados pelo grupo.
Quando o aluno pode participar da discussão e decisão das regras, ele tem mais
motivação para respeitá-las. "O primeiro contato do professor com a turma
é de alta importância. Se ele se fizer por meio de uma sessão de grupo, da qual
todos participem, e se as normas e diretrizes forem propostas e aceitas pelo
grupo, prepara-se a atmosfera ótima para um trabalho proveitoso, e
estabelece-se um 'rapport' positivo entre o mestre e os discípulos. A liderança
do professor não desaparece, mas ela é compartilhada, e todos se sentem
responsáveis pelo bom êxito do curso".
Nas escolas onde lecionamos, fizemos um trabalho no sentido
de estabelecer padrões de comportamento em conjunto com os alunos, e percebemos
que estes, por incrível que pareça, são mais rígidos e exigentes do que os
próprios professores, quando se trata de propor normas de conduta. Pois eles
sabem, melhor do que ninguém, que um aluno indisciplinado e bagunceiro
atrapalha os colegas que querem estudar e aprender. Verificamos também que,
quando os alunos têm a oportunidade de participar da elaboração de um
"código" de comportamento, eles tendem a respeitar e assumir o que
foi proposto em conjunto pelo grupo, acatando e adotando mais facilmente as
regras na prática cotid iana da sala de aula.
b) Use procedimentos positivos de orientação da conduta,
visando sempre desenvolver o auto-conceito positivo dos alunos.
Auto-conceito é o conceito que alguém tem de si próprio, é a
imagem que faz de si mesmo, tanto do seu interior (personalidade) como exterior
(aspecto físico). Logo, auto conceito é a auto-imagem que influi na
auto-estima. Por sua vez, a auto disciplina é um controle interno. Portanto, o
desenvolvimento da auto disciplina está relacionado à formação do auto conceito
positivo. Por isso, deve-se usar, como forma de orientar a conduta, o reforço
positivo, elogiando e dando destaque ao comportamento adequado.
A professora Ana Maria Poppovic e seus colaboradores, na
obra Pensamento e linguagem, destinada às professoras das classes de 1ª série
do ensino fundamental que se iniciam no magistério, afirmam que "elogios e
recompensas ajudam mais a motivar o aluno do que críticas e punições. (...) Um
comportamento elogiado tende a aparecer de novo". Mas ressaltam: "O
elogio precisa ser feito nas oportunidades adequadas. Se for dado à toa perde o
valor de reforço. No entanto, você não deve ser econômica em elogios, nem
tampouco desperdiçar oportunidades de reforçar positivamente seus alunos.
Elogie sempre, nas ocasiões que achar oportunas". Elogie os comportamentos
adequados, bem como o empenho e o esforço demonstrados, pois assim você estará
orientando a conduta do aluno e estimulando-o a progredir na aprendizagem.
Na mesma obra (p. 165), Ana Maria Poppovic e seus colaboradores
sugerem, também, que o professor ponha em prática, na sala de aula, o que eles
denominam de "os três motivadores":
- Eu sou alguém.
- Eu respeito os outros.
- Eu quero que os outros me respeitem.
Com esses "três motivadores", o que se pretende é formar
o auto conceito positivo dos alunos e ajudá-los a desenvolver a autodisciplina,
fazendo-os perceber que cada um deles é uma pessoa diferente das outras, com
características próprias, com aptidões e habilidades, preferências e
interesses, com qualidades e defeitos, aspectos positivos e negativos; que cada
um deles quer ser respeitado pelos demais, mas, por outro lado, também deve
respeitar os outros colegas, o professor, as outras pessoas. A melhor forma de
se fazer respeitar é respeitando os outros.
Quando o professor tiver que repreender um aluno por algum
comportamento inadequado, deve procurar não fazê-lo em público, nem submeter o
aluno a tratamento vexatório. As repreensões devem ser feitas, na medida do
possível, em particular e não devem ser degradantes. Não se deve envergonhar um
aluno na frente da classe.
O professor também deve procurar não rotular o aluno. O
comportamento do aluno em sala de aula é muito influenciado pelo conceito que
ele faz de si próprio (autoconceito) e pela expectativa que o professor tem
dele (e o aluno percebe o que o professor espera dele). Assim, o aluno que foi
rotulado de "problema", "indisciplinado",
"desajustado", tende a introjetar esses estereótipos, formando um
conceito negativo de si. E o que é pior: tende a agir dessa forma, reproduzindo
o comportamento que é esperado dele.
O professor Luiz Alves de Mattos, no seu livro Sumário de
Didática geral (p. 218), menciona uma pesquisa feita por Briggs sobre os
procedimentos adotados pelos professores para orientar a conduta de seus alunos
e a conseqüente eficácia dessas técnicas. Os resultados da pesquisa mostram
que, dos procedimentos adotados, os que surtiram mais efeito, isto é, os que
apresentaram os resultados mais positivos no sentido de ajudar a melhorar a conduta
do aluno, foram os seguintes: em primeiro lugar, a conversa particular (franca
e amistosa); em segundo lugar, o reconhecimento de que o aluno está
progredindo; em terceiro lugar, o elogio público; e, em quarto lugar, a
repreensão em particular. Os procedimentos que não surtiram o efeito esperado e
até acarretaram resultados negativos, fazendo o aluno incidir no comportamento
inadequado, foram os seguintes: expor o aluno ao sarcasmo público; reclamação
de que o aluno está piorando; fazer sarcasmo do aluno em particular; repreensão
pública.
Essa pesquisa ratifica o que dissemos anteriormente, pois o
que podemos deduzir dos resultados da pesquisa realizada por Briggs é que os
procedimentos positivos de orientação da conduta são os mais eficazes. Os procedimentos
que contribuíram para a melhoria da conduta dos alunos foram aqueles que se
baseiam no reforço positivo e que o ajudam a formar seu auto-conceito positivo.
c) Procure explicar a razão de ser das regras de conduta
adotadas, mostrando por que elas são necessárias. No caso de uma repreensão em
particular, explique ao aluno por que seu comportamento é inadequado.
A aceitação de normas é necessária para se viver em
sociedade. "A vida em comum exige que respeitemos leis, normas,
regulamentos... Se assim é, deve ser natural aceitarmos tais regras, desde que
não nos pareçam arbitrárias". Por isso, é.preciso mostrar ao aluno que o
estabelecimento das regras de conduta não é algo arbitrário. Cada uma delas tem
uma razão de ser na dinâmica da escola em geral, e da sala de aula em
particular, pois visam o bom andamento dos trabalhos escolares.
Se o professor puder explicar a seus alunos o porquê das
regras e dos regulamentos escolares, talvez sejam menores os problemas de
disciplina. Ê importante discutir cada regra com a classe, para que os alunos
possam entender por que algumas exigências precisam ser feitas. Durante a
explicação, leve em conta as sugestões e opiniões dos alunos, procurando deixar
bem claro que as regras que foram propostas pelo grupo precisam ser
respeitadas.
d) Respeite e leve em conta a história pessoal do aluno.
A indisciplina na escola é uma reação do aluno decorrente de
seu desinteresse, de sua inadaptação, insatisfação, frustração ou revolta.
Atrás de cada caso de indisciplina há um problema a ser analisado e
solucionado. O professor pode evitar frustrações, desajustamentos e a
conseqüente indisciplina, se considerar as experiências anteriores dos alunos e
sua história pessoal de vida, e se tratá-los com compreensão e respeito.
No caso de um aluno que demonstra constantemente
comportamentos inadequados e revela com freqüência problemas de indisciplina,
desajustamento e inadaptação, o professor pode realizar entrevistas com ele e
com seus pais ou responsáveis, fazendo um estudo do caso, para tentar encontrar
uma forma de ajudá-lo a melhorar sua conduta. Vejamos um exemplo: um aluno
mostra-se muito irrequieto e indisciplinado, recusa-se a fazer as atividades
escolares e briga constantemente com os colegas. Ele pode estar passando
dificuldades de natureza afetiva e emocional, causadas por situações
conflitantes vivenciadas por ele em casa, na escola ou com seu grupo de
colegas. As causas dessa conduta podem ser as mais variadas. Cabe ao professor
investigá-las, conversando com o aluno e com seus pais ou responsáveis. Vamos
mencionar uma dentre as muitas causas possíveis: esse comportamento pode ter-se
originado no fato de o aluno não se sentir aceito por seus companheiros. Assim,
chamando constantemente a atenção do professor e dos colegas, ele tenta
compensar o sentimento de rejeição. Tendo perdido a auto confiança e a
auto-estima, tende a reproduzir, na sala de aula, uma atitude que corresponda à
expectativa que dele fazem os pais e colegas.
Muitas vezes, os problemas de ordem afetiva e emocional
extrapolam o âmbito de atuação do professor. Nesse caso, o que ele pode fazer é
conversar com os pais ou responsáveis pelo aluno e encaminhá-lo a um
profissional especializado, que tenha condições de oferecer o tratamento
necessário e o a companhamento adequado ao caso.
e) Incentive e permita que os alunos participem ativamente
da organização escolar e da dinâmica da sala de aula.
Quando o aluno está motivado e participa ativamente do
processo ensino aprendizagem, ele se concentra mais e aprende melhor, e, em
geral, não apresenta problemas de disciplina. "Enquanto participa, ele
concentra todas as suas energias na situação de aprendizagem. E assim mantém
seu interesse, sem ter tempo de ser indisciplinado. (...) A motivação é um
fator fundamental para a aprendizagem. Se não estiver motivada, a criança perde
o interesse. Por causa desse desinteresse ela muitas vezes fica indisciplinada.
Uma forma importante de motivar a criança é estimular sua iniciativa.
Também o professor Luiz Alves de Mattos se pronuncia sobre a
relação entre motivação e disciplina, afirmando: "A autêntica motivação é,
por excelência, o melhor recurso disciplinar, porquanto proporciona um forte
condicionamento interior às atitudes e ao comportamento dos alunos,
integrando-os na tarefa escolar em pauta. Ao aluno devidamente interessado e
motivado não ocorrem as tentações da indisciplina; estas sobrevêm e o dominam
quando ele está em disponibilidade mental, sem qualquer interesse que polarize
sua atenção e lhe dê uma ocupação imediata em vista de um objetivo
definido".
Apresentamos a seguir algumas sugestões que podem a judar o
professor a incentivar a participação do aluno no processo ensino-aprendizagem
e na dinâmica de sala de aula:
a) Apresente atividades desafiadoras, que envolvam uma
situação problema e mobilizem os esquemas cognitivos de natureza operativa dos
alunos. Estas atividades podem ser individuais, ou então grupais. Os jogos e
trabalhos em equipe, por exemplo, estimulam o relacionamento entre os alunos e
incrementam a integração da classe.
b) Proporcione atividades de expressão oral, nas quais o
aluno possa ouvir e faz erse ouvir, falar sobre o que aprendeu e externar suas
opiniões e suas dúvidas. Depois de dar uma explicação sobre determinado
conteúdo, peça para um aluno fazer oralmente uma rápida síntese do assunto que
foi explicado. Isto ajuda a manter os alunos atentos, pois eles sabem que
precisam prestar atenção na explicação do professor, porque serão solicitados a
fazer um breve relatório oral do que foi exposto para a classe. Quando um aluno
apresentar uma dúvida sobre algum ponto da explicação dada, antes de expor o
assunto (novamente, verifique quais os alunos que entenderam aquele tópico, e
peça a um deles para explicá-lo à classe, e, em especial, ao colega que não
entendeu. Esta medida contribui para desenvolver a cooperação entre os membros
da classe, pois assim eles têm a possibilidade de se ajudarem mutuamente no
processo de construção coletiva do conhecimento. Isto ajuda, também, a
desenvolver a aprendizagem auto possuída, que é aquela que se caracteriza pelo
fato do aluno ter aprendido e saber que aprendeu.
c) Distribua funções e divida tarefas, como apagar a lousa,
recolher os cadernos, passar o cesto de lixo, distribuir o material, pendurar
cartazes e quadros didáticos, levar recados do professor a outros funcionários
da escola etc. Os alunos assumem essas funções e executam essas tarefas em
rodízio. Isto permite que todos participem da dinâmica da sala de aula e também
se sintam responsáveis por ela.
Convém ressaltar que o nível de disciplina da classe está
ligado ao grau de motivação dos alunos e dele depende. "A necessidade do
manejo e das intervenções disciplinares está sempre na razão inversa da
motivação. Quanto mais forte e intensa for a motivação, tanto menor será a
necessidade de manejo disciplinar. Inversamente, quanto mais fraca e remissa
for a motivação, tanto maior será a necessidade de intervenções disciplinares,
como que para compensar essa falta. O que, porém, não padece qualquer dúvida é
a superioridade e maior eficácia do processo motivador sobre o processo
disciplinador. Somente na medida em que faltam os recursos incentivadores é que
o professor pode e deve lançar mão dos recursos disciplinares para garantir a
necessária ordem na classe e dar andamento aos trabalhos". Outro aspecto
que deve ser salientado é que a auto disciplina, sendo um controle interno, não
é algo que o professor consiga de um momento para outro, só numa aula ou
através de uma simples conversa. É um comportamento que precisa ser
desenvolvido, e até treinado, dependendo de um trabalho permanente e constante.
Um dos meios mais eficientes para desenvolver a auto disciplina é reforçar o
comportamento adequado e a conduta positiva dos alunos, sem exacerbar nas
críticas negativas, pois o reforço positivo aumenta a motivação e o sentimento
de autoconfiança e de auto-estima. A professora Irene Carvalho, falando sobre
os problemas de disciplina que às vezes os professores precisam enfrentar e
tentar solucionar, assim se expressa: "Para tais problemas não adianta dar
conselhos. O professor terá de atuar de acordo com sua própria personalidade e
com o grau de experiência que possui. Estas palavras ou aquelas medidas dão
resultados com o professor A, mas são incompatíveis com o professor B. Têm
efeito na situação X, mas são inoperantes na situação Y. Em relações humanas,
não há fórmulas que se possam aplicar mecanicamente".
A única coisa que podemos assegurar no que se refere à
disciplina de sala de aula é que o professor precisa e deve orientar a conduta
dos alunos, de forma compreensiva, mas com atitudes seguras. Como ele fará
isso, vai depender da postura de cada professor e das características de cada
situação em particular, pois em educação não há fórmulas prontas e acabadas.
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